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CAPÍTULO 4 A CULTURA DE SAFETY NA PERSPETIVA DA COMUNICAÇÃO INTERNA

4.3 D IMENSÕES DA CULTURA DE SAFETY NA ÓTICA COMUNICACIONAL

4.3.1 Comunicação no Contexto do Turno (CCT)

A comunicação que se desenvolve no contexto do trabalho por turnos afeta a dinâmica do trabalho desenvolvido, quer seja individualmente ou integrado numa equipa, compreendendo múltiplos aspetos de coordenação, organização e planeamento de atividades. Entre os principais aspetos figuram, a supervisão das equipas de trabalho, respetiva cooperação e a transferência da informação entre os turnos de forma a assegurar a continuidade do serviço sem descontinuidades ou impacto nos níveis de safety.

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Consideram Malakis, Kontogiannis e Kirwan (2010), que a comunicação no contexto grupal “é um processo através do qual os membros da equipa partilham conhecimento e informação” (p. 629), desenvolvendo-se entre várias equipas ou, internamente, entre os pares. As tarefas desenvolvidas em contexto grupal e a supervisão de equipas levantam considerandos vários, relacionados com o planeamento e coordenação de tarefas entre os vários elementos da mesma equipa ou entre diversas equipas concertadas para atingir um objetivo comum.

A importância e o impacto do trabalho de equipa no safety são exponenciados em todas as indústrias e setores que lidam com níveis elevados de risco (e.g. nuclear, petroquímica, aviação, medicina). Os membros de cada equipa têm de estar organizados, orientados e concertados na forma como irão cumprir a tarefa comum, o que obriga a um entendimento partilhado da função e do contributo individual para o grupo (Flin et al., 2008).

A comunicação num pequeno grupo ou equipa insere-se dentro do contexto da comunicação interpessoal (Freixo, 2012), onde, na ausência de significados comuns certas formas de comunicação podem apoiar-se em interpretações de experiências, que permitam, minimamente, a coordenação da atuação entre os membros de um grupo. Esta opinião vem acompanhar a argumentação de Donnellon, Gray e Bougon (1986), de que “a base para a ação organizada na ausência de significados partilhados é um repertório socialmente partilhado de mecanismos de comunicação” (p. 43).

Identicamente, Flin et al. (2008), entendem a comunicação como um elemento chave no contexto do trabalho de equipa e “especialmente importante em ambientes de elevado risco como (…) a aviação” (p. 94). O seu contributo sedia-se no desenvolvimento de atividades que implicam coordenação, troca de informações, suporte a outros elementos (e.g. pares) e resolução de conflitos.

Sabemos que as situações de conflito ocorrem quando existe “um objetivo mutuamente desejável mas impossível de ser alcançado por ambas as partes” (Freixo, 2012, p. 279), o que não é raro nos relacionamentos interpessoais. Paradoxalmente, a comunicação tanto pode estar na origem de um conflito como intermediar a sua resolução.

Segundo Freixo (2012), o conflito pode ser abordado segundo duas dimensões: institucional ou intergrupal, tipificando a última a resolução de conflitos no seio das equipas e sendo geralmente orientada pelo supervisor do grupo. O relacionamento do supervisor com os membros da equipa, dada a sua natureza de liderança, é uma vertente com interesse para a investigação.

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Hofmann e Morgeson (1999), investigaram 49 equipas de uma instalação fabril e verificaram que o relacionamento leader-member exchange, desenvolvido entre os membros e o supervisor das equipas, assim como o suporte organizacional percebido relativamente à comunicação de

safety, revelaram uma relação significativa entre estas duas variáveis e os acidentes ocorridos.

Também foi reconhecido por Cigularov, Chen e Rosecrance (2010), que uma comunicação aberta e com frequentes interações entre supervisores e membros da equipa são caraterísticas importantes que distinguem organizações com elevada taxa de acidentes daquelas cujo historial é menos significativo.

Zohar e Luria (2003), demonstraram a relação direta da interação dos supervisores com os membros da equipa quanto a questões de safety. Verificaram que a atitude e perceções do clima de safety aumentavam na medida em que crescia a referida interação. Complementarmente, Thomas, Zolin e Hartman (2009), salientam que, quando os membros de uma equipe “têm a perceção da obtenção de informação por parte dos supervisores e restantes pares da equipa de forma atempada, precisa e relevante, ficam mais atreitos a sentirem-se menos vulneráveis e mais capacitados para confiar nos seus colegas de equipa e supervisores” (p. 302).

West (2004), aponta como caraterísticas desejáveis da comunicação nas equipas uma maior abertura, favorecendo a escuta ativa e a atenção às mensagens não-verbais, a fim de maximizar um fluxo livre de comunicação, capitalizando as vantagens do contacto interpessoal informal com membros de outras equipas.

Flin et al. (2008, pp. 78-86), advogam a possibilidade de melhorar a comunicação entre os membros de uma equipa ou grupo de trabalho pelo cuidado prestado a quatro aspetos da comunicação: (i) clareza – possibilita a transmissão sem ambiguidade da ação pretendida e de quem a executará; (ii) tempo adequado – evita o atraso ou adiantamento relativamente ao momento mais oportuno para a receção da mensagem, com sensibilidade relativamente à disponibilidade do recetor (e.g. recetor envolvido em atividades urgentes ou excessivamente ocupado); (iii) assertividade – carateriza uma postura ativa e atuante, intermédia entre passiva e agressiva, caraterizada pela confrontação de opiniões respeitando contudo as fronteiras de todos os envolvidos e, (iv) escuta ativa – traduzindo-se no interesse do recetor em escutar a mensagem.

Importa ainda, relevar o papel do supervisor na interação com as equipas e capacidade de influenciar as suas atitudes (Hofmann & Morgeson, 1999). Estes aspetos são determinantes quando considerados no âmbito do reconhecimento de momentos de rutura pessoal

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relativamente aos principais stressores (e.g. níveis anormais de stress ou fadiga, sobrecarga de tarefas mentalmente exigentes). A capacidade de comunicar ao supervisor a perceção de um estado disruptivo, ou deste reconhecer défices cognitivos potencialmente comprometedores do

safety, pode ser determinante para acautelar o risco de erro humano.

Circunstâncias particulares como a dispersão geográfica das equipas, geralmente colocam em relevância a comunicação como condicionante do sucesso da missão em causa, pois conforme referem Flin et al. (2008, p. 88): “A comunicação é vital para um eficaz trabalho de equipa, especialmente para equipas que podem estar distribuídas geograficamente e que dependem da comunicação remota”.

A base da eficácia da ação do grupo depende, segundo Schein (1993), da existência de diálogo, sendo este, uma “condição necessária para a ação efetiva do grupo, porque somente com um período de diálogo é possível determinar se a comunicação que se desenvolve é válida ou não” (p. 42), o que determinará a capacidade de resolução de problemas e a efetiva tomada de decisão. De acordo com o autor, para além de confrontar os indivíduos com as suas premissas básicas que determinam a forma e conteúdo da sua comunicação, um dos importantes objetivos do diálogo no seio das equipas é “possibilitar ao grupo alcançar um nível mais elevado de consciência e criatividade através da criação gradual de um conjunto de significados partilhado e um processo «comum» de pensamento” (p. 43).

Noutra perspetiva, os problemas nas equipas relatados com maior frequência na investigação de acidentes referem-se a ausência de coordenação explícita, resolução de conflitos, papéis mal definidos e falhas ou problemas na comunicação. Nos seus estudos aplicados à aviação em ambiente de cockpit, Sexton et al. (2000), relacionam a existência de uma fraca comunicação entre a tripulação com uma “fraca gestão de erros e ameaças ao nível da equipa” (p. 748), verificando-se que em equipas altamente eficazes, um terço da comunicação entre a tripulação é dedicado à discussão de erros e ameaças no seu ambiente, em contraponto a 5% de tempo de comunicação gasto por equipas que apresentam um baixo nível de desempenho.

Em contexto de prestação de trabalho por turnos, a relevância do diálogo sobressai num momento em que a comunicação se afirma bastante crítica e relevante em termos de safety. Esse momento acontece na curta janela temporal da passagem ou rendição dos turnos (shift handover), durante o processo comunicacional necessário para assegurar a continuidade do serviço entre turnos consecutivos. A maior barreira a essa continuidade e ao próprio safety é a falha na transferência do turno, na sequência de deficiências ou lacunas na comunicação (Flin et al., 2008).

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Este momento de transição, importante para assegurar a continuidade de serviço, destina-se a transmitir situações pendentes, alterações ao normal funcionamento do turno (e.g. manutenções em curso, instalações de equipamentos, alterações de configurações), ou qualquer outra informação que possa ter impacto no normal desempenho operacional. A sua criticidade prende-se com o facto da transferência de responsabilidades decorrer num período de tempo limitado, durante o qual a comunicação influenciará determinantemente a correta compreensão da situação que se vai passar a gerir. A ocorrência de erros pode ficar facilitada no momento da rendição se não houver, da parte do elemento que recebe o turno, uma apreensão total do cenário de intervenção e respetivos condicionalismos.

Não surpreende, por isso, que figurem entre as causas contributivas dos acidentes nos relatórios de investigação, falhas na compreensão ou no conteúdo da informação que o turno de saída tem de “entregar” ao turno que o rende. Várias evidências suportam ainda, que a taxa de acidentes seja superior na proximidade da transição de turno (Flin et al., 2008), decorrente da “falha da entrega efetiva devido a fraca comunicação entre o turno de saída e o turno de entrada” (p. 82). Após a análise de 36 relatórios de investigação de incidentes provenientes de dois Centros de Controlo suecos, Weikert e Johanson (1999), confirmaram ser a falha na transferência de informação na transição de turno a maior barreira à continuidade do serviço, figurando entre os cinco fatores contributivos dos incidentes. Sobressai deste modo, a importância da comunicação no contexto do turno pelo seu papel determinante na garantia do

safety.

Face ao caráter crítico e sensível da passagem de informação entre turnos, Flin et al. (2008), propõem como uma das soluções, o estabelecimento de um protocolo de entrega do turno que assegure a transmissão da informação relevante na sua transferência, para não comprometer o

safety. Acrescentam ainda, ser frequentemente a falha ao nível das equipas que origina

acidentes, especialmente na aviação, o que viria a ditar a inclusão do treino de competências não-técnicas na formação de safety (e.g. CRM, TRM).