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CAPÍTULO 2 DINÂMICAS EVOLUTIVAS NOS SERVIÇOS DE NAVEGAÇÃO AÉREA

3.1 C ULTURA E C LIMA O RGANIZACIONAIS

3.1.2 Clima organizacional

3.1.2.2 Divergências e analogias com a cultura

Os termos clima e cultura têm a sua génese em diferentes áreas das ciências sociais: o primeiro, desponta na psicologia social e o segundo na antropologia. Relativamente aos conceitos subjacentes, vários são os autores (Bancaleiro, 2001; Chambel & Curral, 2008; Chiavenato, 2004; Guldenmund, 2000; Passos, 2011; Verbecke, Volgering, & Hessels, 1998), que distinguem os conceitos de cultura e clima organizacional, pese embora, alguns salientem a sua complementaridade (Chambel & Curral, 2008; Neves, 2011).

Ilustrando metaforicamente esta complementaridade, Hofstede (2003) compara o significado comum aos dois conceitos ao núcleo central de uma cebola, que se rodeia por anéis ou camadas sobrepostas relativas à cultura e com as camadas mais periféricas a representarem o clima. Esta interpretação cultural por camadas sobrepostas facilita o seu diagnóstico ao separar a camada mais externa e visível relativa aos comportamentos, das sucessivamente mais profundas compostas por símbolos, heróis e rituais, até atingir o cerne da cultura onde residem os valores da organização. Hofstede (2003), pretendia assim, distinguir a vulnerabilidade e rapidez da reação do clima às variações organizacionais, por contraposição à elevada resistência à mudança e caráter duradouro da cultura que, baseando-se no historial e no coletivo organizacional, procura explicar os acontecimentos que ocorrem na organização.

As múltiplas visões metafóricas da cultura derivam daquelas aplicadas às próprias organizações, muitas vezes comparadas a organismos (Reason, 1998), que continuamente se adaptam em função da sua evolução cultural relacionada com a exposição às condições ambientais, da força de trabalho, da liderança ou do próprio historial. Comungando desta perspetiva, Bancaleiro (2001), reconhece semelhanças entre a organização e as pessoas, “correspondendo a cultura na Organização ao carácter/personalidade na pessoa, e o clima à disposição (mood para os anglo-saxónicos)” (p. 130).

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Para Passos (2011), a cultura comporta os pressupostos basilares da organização que os colaboradores desenvolvem no sentido de se integrarem e adaptarem à envolvente exterior. Neste entendimento, o clima será a perceção prática da própria cultura que influenciará a forma como as pessoas se comportam no seu local de trabalho e transmitirão esses pressupostos, já validados na organização, a novos elementos que a integrem.

As divergências entre estes dois conceitos, que Denison (1996) atribuiu a diferenças de fundamentação teórica e ontológica, assentam no nível de análise e no seu foco, uma vez que, o clima reflete a perceção individual das práticas e processos organizacionais, enquanto a cultura se reporta à partilha do sentimento coletivo sobre a realidade da organização.

Depreende-se, deste modo, que uma das diferenças identificadas resida no nível de análise - clima/indivíduo versus cultura/organização. Chambel e Curral (2008) rebatem esta interpretação, pelo facto da análise do clima organizacional incidir duplamente nos níveis individual e organizacional, em resultado da partilha das perceções dos indivíduos inseridos no contexto comum que é a organização, restringindo-se a cultura ao nível organizacional.

Analogamente, entre a multiplicidade das 32 definições de cultura e 54 de clima organizacional encontradas por Verbecke et al. (1998), a destrinça entre os dois conceitos aponta para divergências quanto ao seu foco. A cultura é definida como uma propriedade da organização, refletindo o modo como as coisas ali são feitas, em contraste com o entendimento de clima como propriedade individual, revelador da forma como os indivíduos percecionam o seu ambiente de trabalho.

Outros autores, porém, estabelecem alguma proximidade e similaridades entre os dois conceitos (Luria & Rafaeli, 2008), ou ecoam a opinião de Glick (1985), que sugeriu que as ligeiras diferenças entre cultura e clima podem “provar-se ser mais aparentes que reais” (p. 612), ao ponto de se poderem considerar conceitos sobreponíveis (Denison, 1996).

Segundo Glick (1985), as “radicais diferenças metodológicas” (p. 612), entre cultura e clima derivam da sua diferente origem disciplinar e dos diferentes métodos de mensuração aplicados em cada caso. Segundo o autor, a pesquisa “nomotética” (1985, p. 612) associada ao clima utiliza técnicas quantitativas a partir de uma perspetiva externa, contrariamente aos métodos “ideográficos” qualitativos, usados na avaliação da cultura para observar os processos dinâmicos da organização a partir de uma dupla perspetiva interna e externa.

Mais tarde, Guldenmund (2000) assinalaria, que tudo aquilo que até à década de 80 se classificava como clima organizacional, passou a designar-se como cultura organizacional,

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reportando-se agora o clima organizacional à manifestação dessa cultura. Tal, permitiu-lhe opinar que a diferença entre cultura e clima pouco mais representava que uma escolha de terminologia dos pesquisadores em cada época, no que foi subscrito por Hale (2000).

Chambel e Curral (2008), identificam a convergência entre cultura e clima organizacionais no interesse comum em analisar o modo como os membros das organizações as experimentam e lhes conferem significado, “procurando ambos compreender um fenómeno psicológico que radica no significado partilhado acerca de certos aspetos desse contexto organizacional, o qual influencia as atitudes e os comportamentos, quer dos indivíduos quer dos grupos” (p. 215). Em suma, permanece ainda em discussão na literatura (Glick, 1985; Guldenmund, 2010; Schein, 1992), se a cultura, uma vez definida pela “programação coletiva da mente humana que distingue os membros de um grupo dos de outro” (Hofstede, 2003, p. 210), e o clima, descrito como “um sumário de perceções molares que os funcionários partilham sobre o seu ambiente de trabalho” (Zohar, 1980, p. 96), se referirão afinal, ao mesmo ou a diferentes conceitos. Conforme elucida Neves (2011, pp. 503-506), a produção de literatura acompanha o desenvolvimento dos dois conceitos com diferente ritmo e cronologia. A primeira fase, que representa a introdução do conceito na literatura, é muito profícua para a cultura num curto espaço de tempo (entre 1979 e 1985), mas escassa para o clima num período de tempo bastante superior (entre 1939 e 1970). Já a segunda fase de produção da literatura que documenta o desenvolvimento do conceito desenrola-se em contraciclo, com abundância de artigos sobre clima e reduzida produção versando a cultura.

Para além da ancoragem em diferentes disciplinas base (i.e. antropologia para a cultura e psicologia social para o clima), também os métodos de investigação utilizados são diferentes. A avaliação do clima recorre tradicionalmente à investigação quantitativa, com predomínio para a utilização de questionários (Guldenmund, 2000; Van Muijen, et al., 1999), cingindo-se a uma análise externa temporalmente circunscrita.

A cultura é geralmente aferida por métodos qualitativos que procuram interpretar os processos organizacionais segundo uma dupla perspetiva interna e externa. Contudo, numa diferente abordagem aplicada a vinte casos, Hofstede et al. (1990), defendem a possível utilização de métodos quantitativos no estudo da cultura, intentando viabilizar análises comparativas entre as organizações.

Alguns autores alertam para aspetos particulares a ter em consideração na aferição do clima. Zohar (2008), identificou dois constructos distintos ao nível da organização e do grupo com

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escalas de medida diferentes. Arvidsson et al. (2006), recomendam que a análise do clima organizacional seja feita ao nível do subsistema, uma vez reconhecida a existência de diferentes sub-climas numa organização, caraterísticos das diferentes unidades ou níveis nela existentes.