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CAPÍTULO 2 DINÂMICAS EVOLUTIVAS NOS SERVIÇOS DE NAVEGAÇÃO AÉREA

3.2 C ULTURA DE SAFETY

3.2.3 Importância do safety na navegação aérea

A origem da aviação permanece envolva em alguma controvérsia7 pois, há quem a atribua aos irmãos Wright, com o seu 1º voo de 12 segundos em 17 de dezembro de 1903, e quem defenda que o pioneiro foi o brasileiro Santos-Dumont em 1906.

Mas, independentemente do creditamento deste marco histórico, somente em 1919 se iniciaram os voos comerciais regulares8, o que originou a necessidade de auxiliar a orientação

7Existe alguma controvérsia sobre a atribuição do primeiro voo aos irmãos Wright por ter sido efetuado com ajuda de uma catapulta e sem a presença de testemunhas credíveis ou dos media, o que não aconteceu com o voo de Alberto Santos-Dumont em 1906, na presença de várias testemunhas e meios de comunicação social e sem auxílio de equipamento no solo.

8O primeiro voo comercial regular foi realizado por Antony Jannus em 1 de janeiro de 1914 num percurso de 35 Km entre Tampa e St. Petersburgo, na Florida. O primeiro voo internacional regular celebrou-se na ligação Paris-Londres em 25 de agosto de 1919.

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das aeronaves com equipamentos no solo de ajuda à navegação e controlo via rádio das suas manobras aéreas, para evitar colisões.

No decurso desta necessidade, surge em 1935 o primeiro centro de controlo de tráfego aéreo conhecido, sito em Newark (The Beginning of Air Traffic Control, 2013). Contudo, somente a partir da Convenção de Chicago da Aviação Civil, de 1944 (ICAO Doc 7300/9, 2006a), é que ficaram estabelecidos os princípios organizadores da prestação de serviços navegação aérea, tendo sido acometida aos Estados soberanos a responsabilidade pelo seu provimento.

O safety constitui uma prioridade suprema na aviação, sendo fundamental na Gestão de Tráfego Aéreo (ATM), enquanto serviço central no processo global do transporte aéreo. As previsões de aumento expressivo dos voos requerem um desafiante aumento de capacidade com inerente impacto nos níveis de safety, assim como, a introdução de novos sistemas ATM, cuja relevância para a segurança operacional obriga a uma compreensão dos riscos envolvidos para possibilitar a mitigação do impacto de possíveis falhas (Felici, 2006).

Genericamente, o conceito de safety em navegação aérea apresenta-se relativo e condicionado, sendo normalmente convencionado entre as entidades que o podem definir, o que origina que níveis de safety aceites num determinado território (e.g. África), possam ser considerados insuficientes ou inadequados noutro ambiente (e.g. Europa).

Na prática, a definição do nível de safety desenvolve-se de forma incremental com base em pressupostos tanto qualitativos como quantitativos, pelo que, se considera que persegue incessantemente “a utopia de chegar da segurança relativa à segurança absoluta, na consciência de que esta nunca será alcançada” (Coelho dos Santos, comunicação pessoal, 12 de janeiro, 2011)9. Esta reflexão, transposta para o contexto da cultura, alinha com o pensamento de Reason (1997), quando admite que, “como um estado de graça, a cultura de safety é algo que se esforça por atingir mas que raramente é alcançado” (p. 220).

O ambiente onde decorre a prestação de serviços de navegação aérea diferencia-se das envolventes de outras indústrias de elevada fiabilidade dada a natureza cognitiva das tarefas, e ainda, pela sua caraterística altamente dinâmica e temporalmente crítica (Isaac, Shorrock, & Kirwan, 2002).

9Comunicação direta do orador Jerónimo Coelho dos Santos, advogado (jurista) especialista em Direito da Navegação Aérea, na sessão de formação do módulo 8 – Segurança na Gestão de Tráfego Aéreo, do “Curso de Direito da Navegação Aérea”, no auditório do Centro de Formação da NAV-EPE em 12 de Janeiro de 2011.

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O surgimento da expressão “cultura de safety” a partir do acidente nuclear de Chernobyl em 1986 (Cox & Flin, 1998; Pidgeon, 1991; Zhang et al., 2002), veio acrescentar o contributo organizacional, antes ignorado, na análise de acidentes. Inclusa na explicação do nexo contributivo para a explosão do reator nuclear, figurava a deficiente compreensão e conhecimento do risco por parte dos trabalhadores, com o relatório de investigação (IAEA, 1992), a identificar violações de regras e uma fraca cultura de safety entre as principais causas. A partir desse momento, adita-se uma nova perspetiva à investigação de acidentes que alarga a amplitude da análise de causalidade. O reconhecimento da influência de diversos fatores organizacionais, cuja valorização era até então inexistente, forçou a saída do domínio redutor da simples falha técnica ou humana.

Na investigação de acidentes e incidentes graves, no âmbito da navegação aérea, esta consideração é essencial para compreender múltiplas e complexas interações que, quando confrontadas com uma pobre cultura de safety, a identificam como contribuinte chave de desfechos trágicos, como aconteceu nos acidentes de Uberlingen e Linate (BFU, 2004; ANSV, 2004).

Outro progresso, inerente à consideração da cultura de safety neste âmbito, prende-se com a descentralização do foco individual para analisar aspetos comportamentais de natureza coletiva e organizacional.

A cultura de safety não é composta unicamente por atitudes de indivíduos. Cultura de safety reflete atitudes individuais, de grupo e organizacionais, normas e comportamentos e consiste no valor de, prioridade de, e comprometimento com, a segurança operacional da navegação aérea (EUROCONTROL/FAA, 2008, p. 11).

O atual momento de expansão e mudança na envolvente da navegação aérea, onde se insere a indústria ATM, enfrenta o desafio da “identificação dos ingredientes cruciais da efetiva gestão de safety e as medidas que a indústria tem de adotar para manter este excecional desempenho de safety” (EUROCONTROL/FAA, 2008, p. 9).

Neste quadrante de intervenção, a garantia e incremento dos níveis de safety dependem do entendimento da cultura organizacional, em primeira instância, e de enveredar posteriormente pelo desenvolvimento da sua subdimensão relativa ao safety, pois, conforme nos relembra Helmreich (1999, p. 39): “Os esforços efetivos para alcançar o safety devem reconhecer a importância da cultura”.

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O envolvimento e participação ativa da gestão e dos operacionais é essencial, uma vez que a atenção que uma efetiva cultura de safety solicita à organização deve ultrapassar o mero cumprimento do que lhe é exigido, carecendo que a organização trabalhe ativamente o safety (Hudson, 2000).

Saliente-se, porém, a inevitabilidade da existência, mais ou menos notória, de um sistema informal de safety que, não raras vezes, colmata as lacunas do primeiro. Circunstância, de algum modo, já identificada em 1924 pelo resultado das experiências de Elton Mayo na Western Electric, uma vez que, de acordo com Infestas Gil (1991), um dos contributos desta experiência em Hawthorne terá sido a identificação da existência e importância da cultura informal nas organizações.