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CAPÍTULO 2 DINÂMICAS EVOLUTIVAS NOS SERVIÇOS DE NAVEGAÇÃO AÉREA

3.3 P ROBLEMÁTICA DOS F ATORES H UMANOS

3.3.3 Gestão dos fatores humanos na navegação aérea

3.3.3.3 Supervisão de equipas

Com uma constituição frequentemente variável no tempo, as equipas dos vários grupos profissionais que constituem cada turno têm de comunicar, externamente à equipa, internamente entre os seus membros e ainda com o seu supervisor. A rotina das equipas dos turnos compreende, sob a orientação do supervisor responsável, a coordenação de atividades, gestão dos fatores de pressão, cooperação e gestão de conflitos.

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A função de supervisão tem implícito o exercício de liderança, entendida como “um conjunto de atividades de um indivíduo que ocupa uma posição hierarquicamente superior, dirigidas para a condução e orientação das atividades de outros membros, com o objetivo de atingir eficazmente o objetivo do grupo” (Syroit, 1996, p. 238).

O supervisor do turno, mais não é, que um líder de equipas, nas palavras de Fielder (1995) definido, como aquela “pessoa apontada, eleita, ou informalmente escolhida para dirigir e coordenar o trabalho de outros num grupo” (p. 7). O seu papel consiste na coordenação de atividades com outras equipas, ou entidades externas, e na orientação da equipa para a execução das tarefas do turno.

Igualmente importante, é o seu papel na promoção de uma atmosfera positiva de trabalho através de um implícito exercício de liderança, que traduz “um processo de influência social em que o líder busca a participação voluntária de subordinados num esforço de atingir os objetivos organizacionais” (Schriesheim, Tollivcr, & Behling, 1978, p. 35).

A liderança exerce influência e, como tal, tem a capacidade de mudar tendências e preferências dos subordinados através da persuasão e geração de ideias (Hall, 2004). Nesse sentido, um líder que se proponha ser eficaz deve ser um bom comunicador. A orientação de um indivíduo ou grupo deve ser norteada por uma habilidade em trabalhar todos os sinais e informação que emanam dos liderados. Conforme Parreira (1996) identifica:

Habitualmente nas situações de relações humanas, o nosso comportamento segue um padrão que o confina dentro do sistema relacional. Para criar sinergia nesta condição importa criar no grupo, hábitos de escuta ativa, articulações das informações divergentes, persuasão assente na informação, aproveitamento do que é positivo. A conjugação das duas dimensões - motivação e comunicação - no comportamento do líder conduzirá o grupo a um aumento de sinergia e, portanto, da eficácia da resposta aos desafios do meio (p. 118).

Ainda segundo Parreira (1996), deve o supervisor, na sua qualidade de líder da equipa, adaptar o seu comportamento, flexibilizando-o de forma calculada, face às diferentes situações enfrentadas, para manter intactas a credibilidade e integridade da equipa.

A interação humana pode desencadear conflitos derivados de deficiências na interpretação dos papéis atribuídos, seja entre os membros duma equipa ou entre esta e outras. Pela natureza das suas funções, a liderança de equipas envolve a necessidade de gerir conflitos e promover a sua negociação, o que é reconhecido por Goleman, Boyatzis e McKee (2004), como uma das competências do líder:

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Os líderes que melhor gerem os conflitos são capazes de extrair todas as partes, compreender as perspetivas divergentes, e finalmente encontrar um ideal comum que todos aprovem. Eles aligeiram o conflito, reconhecem os vários sentimentos e todos os pontos de vista, redirecionando seguidamente a energia para um ideal partilhado (p. 256).

A valia da competência de gestão dos relacionamentos passa ainda pelo fomento de uma boa dinâmica grupal pelo supervisor. Adicionalmente, um bom relacionamento entre equipas de áreas distintas facilita a cooperação tanto na normal resolução das ocorrências como em situações críticas ou imprevistas.

3.3.3.4 Formação e treino

A evolução verificada na última década nos serviços de navegação aérea exigiu, particularmente ao pessoal da área técnica, a evolução para novos patamares de competência técnica e novas habilitações na vertente comportamental, nomeadamente, quanto à capacidade efetiva de trabalho em equipa e no tocante às atitudes de safety.

Sabendo que, um dos cinco fatores contributivos de incidentes no controlo de tráfego aéreo é atribuído a lacunas na formação e treino (Weikert & Johansson, 1999), entende-se a importância da formação e da componente de treino (e.g. simulador, on-site training), para assegurar apropriados níveis de safety na organização.

Para que o desempenho operacional se ajuste eficazmente ao cenário em que decorre, a formação técnica e operacional deve estar adaptada ao contexto operacional de atuação dos instruendos, preparando-os para as caraterísticas particulares do seu trabalho (e.g. single person

operation) e capacitando-os a lidar com situações que evoluam para estados de contingência.

Condições extemporâneas como a operação de sistemas em modo degradado, resultante da ultrapassagem dos limites do que se considera serem as “condições normais de operação”, configuram situações em que a disponibilidade e redundâncias ou defesas do sistema estão diminuídas, o que potencia uma maior vulnerabilidade ao erro e às suas consequências. Johnson et al. (2009), consideram que as relações entre cultura de safety e operação de sistemas em modo degradado são “complexas e dinâmicas” (p. 243), pois quem opera com o sistema tem de desenvolver um esforço acrescido para conseguir manter o nível de serviço sem alguns dos componentes principais da respetiva infraestrutura técnica. Não obstante, ser uma circunstância previsível no caso das intervenções programadas de manutenção, torna-se contudo imprevisível quando resulta de avarias para as quais não há plano de contingência, sendo passível de interferir nos níveis de safety.

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Situações como as que estiveram subjacentes aos acidentes de Überlingen e Linate exemplificam a forma como a fragilidade inerente à operação de sistemas em modo degradado pode gerar consequências negativas (Johnson et al., 2009). No caso do acidente de Überlingen, não se previu ou acautelou o esforço exigido a um único controlador para lidar com perda das comunicações, alertas de conflitos (STCA) e aplicações de planeamento radar. No contexto de Linate, a dificuldade em manter uma cultura de safety apropriada conduziu progressivamente à degradação das infraestruturas de apoio, adiamento prolongado na substituição de equipamento obsoleto e sinalização deficiente ou apagada nas pistas e caminhos de circulação (Johnson et al., 2009). Consequentemente, os relatórios de investigação destes acidentes (BFU, 2004; ANSV, 2004) atribuem uma forte ligação entre a cultura de safety e as atitudes dos operadores e da gestão relativamente ao “modo degradado de operação”.

O principal propósito da formação consiste em colmatar o diferencial de competências existente entre a pessoa e a função que lhe está atribuída atualmente, ou aquela que lhe será atribuída no futuro (Lopes & Reto, 1994). O contributo para o desenvolvimento dos fatores humanos é um enfoque importante onde formação e treino é vista como uma estratégia apelativa de intervenção na prevenção do erro associado aos mencionados fatores, em parte, pela capacidade de abranger rapidamente um departamento ou organização (Drury, 1996).

Independentemente da formação visar aspetos técnicos, comportamentais ou de safety, deve existir uma adaptação circunstancial da formação, que na opinião de Johnson (1997), deve ser ampliada às caraterísticas dos grupos operacionais. As conclusões que retirou do seu estudo aplicado à área da manutenção de aeronaves, evidenciaram que a formação em fatores humanos na aviação não se compadece com o formato “one size fits all”, devendo adequar-se à cultura e caraterísticas de cada audiência e devidamente ilustrada com exemplos retirados da rotina.

Noutra perspetiva, a literatura de safety revela a importância do trabalho em equipa no domínio da aviação, com estudos aplicados no ambiente de cockpit e na interação com o restante pessoal de cabine. Neste enquadramento, a formação Crew Resource Management (CRM), dirigida às tripulações e pessoal navegante, aplica conhecimentos de fatores humanos à comunicação entre os membros das várias equipas e respetivas atribuições e responsabilidades funcionais. O sucesso desta tipologia determinou a adaptação a outros domínios e ambientes de elevado risco onde é compatível a sua aplicação (e.g. cuidados de saúde). Na navegação aérea, este modelo adaptado aos operacionais e designado TRM - Team Resource Management, foi inicialmente implementado no prestador de serviços inglês, NATS. A formação TRM é

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considerada uma ferramenta útil na prevenção e diminuição dos erros e no reconhecimento do

stress (Sexton, Thomas, & Helmreich, 2000), pois, conforme sublinha Helmreich (1999), a

formação dirigida às limitações humanas pode reduzir o estigma associado à inevitabilidade do erro e reduzir a negação da vulnerabilidade pessoal, sendo facilitadora da partilha de informação sobre erros operacionais.