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CAPÍTULO 2 DINÂMICAS EVOLUTIVAS NOS SERVIÇOS DE NAVEGAÇÃO AÉREA

3.3 P ROBLEMÁTICA DOS F ATORES H UMANOS

3.3.3 Gestão dos fatores humanos na navegação aérea

3.3.3.2 Fatores de pressão nos turnos

O ser humano tem limites biológicos e no domínio da aviação/navegação aérea esses limites estão reconhecidos e embebidos na sua cultura pois, tanto pilotos como controladores, reconhecem que a probabilidade de cometer erros aumenta quando se ultrapassam os limites cognitivos (Durso & Drews, 2010).

Os fatores perturbadores ou de pressão nos turnos mais estudados na literatura de safety incluem, condições atípicas ou extremas, como é o caso da carga excessiva de trabalho (workload) ou tédio (boredom), o stress ocupacional ou individual e a fadiga. Qualquer destes fatores pode desencadear condições latentes favoráveis à evolução de perigos, potenciando a probabilidade de ocorrência de um evento adverso ou influindo na compreensão da situação corrente (situational awareness). Esta interferência é crítica, em virtude da ocorrência de incidentes em ambientes dinâmicos ter uma contribuição mais frequente de falhas na compreensão da situação em curso do que da competência ou perícia técnica (Durso & Drews, 2010).

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Segundo reconhecem Fricke-Ernst, Kluge e Kötteritzsch (2011), a pressão dos turnos noturnos provoca, não só, uma diminuição do desempenho cognitivo neste período, mas também, uma relação entre a fadiga percebida e as falhas de atenção.

Outro fator documentado de pressão nos turnos é o volume excessivo ou sobrecarga de tarefas simultâneas (workload), com repercussões diretas na fadiga e stress, provocando a deterioração do desempenho (Janic, 2000). Porém, um estudo anterior de Stager, Hameluck e Jubis (1989), que analisou cerca de 301 irregularidades operacionais para identificar os fatores com maior propensão para despoletar incidentes no controlo de tráfego aéreo, situava geralmente estas ocorrências na situação de uma baixa a moderada carga de trabalho e em condições de normal complexidade.

Este efeito foi, mais tarde, novamente testado num estudo de Stark, Scerbo, Freeman e Mikulka (2000), que tentaram provar a expectável quebra acentuada do desempenho em condições de sobrecarga de tarefas. Constataram, através dos resultados obtidos, que o esforço de compensação efetuado para manter o nível de desempenho numa tarefa específica tinha impacto no desempenho das restantes e aumentava a fadiga. Os diversos fatores de pressão nos turnos são, por isso, qualificados como elementos críticos a valorizar na gestão do risco operacional (Stark et al., 2000).

Fadiga. Vários estudos (Fricke-Ernst et al., 2011; Rosekind, et al., 1994; Oginski et al., 1976;

Orasanu, et al., 2011), atestam que o trabalho por turnos, particularmente o que se desenvolve em período noturno, interfere com o ritmo cicardiano dos operacionais, induzindo fadiga. As consequentes quebras no estado de alerta provocam diminuição nos tempos de reação e na capacidade de decisão, aos quais acrescem lacunas na comunicação e vigilância que convertem a fadiga numa “causa insidiosa de acidentes fatais” (ICAO, 2012d, p. 5).

No ATC, a diminuição do volume de tráfego típica dos períodos noturnos, conjugada com os desafios biológicos de manutenção da vigilância, induz sensações de tédio e aborrecimento (do inglês boredom), que podem diminuir a consciência situacional, potenciando o risco de cometer um erro.

A fadiga pode constituir um problema para o safety, fruto dos seus efeitos perniciosos no desempenho cognitivo, capacidades motoras e perícia na comunicação interpessoal, devendo ser combatida através da implementação de estratégias delineadas a partir do reconhecimento das suas causas e efeitos (Flin et al., 2008).

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A operação ininterrupta ao longo das 24h exige turnos com horários atípicos que desencadeiam efeitos cumulativos de privação de sono e quebras no ritmo cicardiano, fatores causadores de fadiga que afetam o desempenho e produtividade (Rosekind, et al., 1994). O modo como se desenvolve o ciclo horário e respetivos períodos de descanso, conjugado com a criticidade e complexidade das tarefas, representa um desafio que é objeto de estudo e atenção na área dos fatores humanos, almejando uma maior compreensão da problemática, a fim de adequar medidas que contrariem os efeitos perniciosos da fadiga.

A investigação de Oginski, Kozlakowska-Swigon e Pokorski (1976), confirmou o impacto significativo na fadiga da variação sazonal e do horário do turno. Outras abordagens tradicionais de gestão de fadiga, focadas nos ciclos horários, reduzem as condições geradoras de fadiga mas não consideram a fisiologia humana e os seus mecanismos de autorregulação do estado de vigília (i.e. ritmos cicardiano e de sono) (Orasanu, et al., 2011).

A dinâmica e a interação não-linear entre a adaptação fisiológica do sistema cicardiano regulador do sono e a variação de condições ambientais (e.g. horários irregulares e imprevistos, picos de trabalho, prolongamento de horário), exige um eficaz reconhecimento e gestão da fadiga associada. Este reconhecimento torna-se importante no decurso dos turnos quando ultrapassa o patamar que afeta o desempenho e a cognição a ponto de constituir um perigo efetivo de erro, o que atribui importância ao reconhecimento de fadiga excessiva e respetiva gestão.

Stress. O stress é outro reconhecido fator de pressão no controlo de tráfego aéreo, estando

documentado por vários investigadores (Finkelman & Kirschener, 1980; Kvarnström, 2001; Srivastava, 2010). A necessária prestação de trabalho por turnos nos serviços de navegação aérea coloca o stress na mira de interesse dos investigadores de fatores humanos, tendo em consideração a potente fonte de stress que o desenvolvimento do trabalho durante o período noturno constitui (Srivastava, 2010).

Na década de 80, a literatura baseava a associação do stress com a atividade de controlo de tráfego aéreo pela evidência de problemas de saúde, com este relacionados (Finkelman & Kirschener, 1980). Uma das fontes de stress identificadas nesta atividade deriva da execução de tarefas que exigem um elevado processamento de informação, simultaneamente com a tomada de decisões corretas e atempadas com preservação dos níveis de concentração. Neste contexto, de acordo com Finkelman e Kirschener (1980), são os indivíduos com menor capacidade de processamento de informação, os mais propensos a cometer erros quando sujeitos a condições de stress.

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Nem sempre negativamente caraterizado, pela potencialidade de constituir um estímulo positivo ou desafio, evidencia-se um efeito disruptivo no momento em que o nível de stress começa a interferir com o equilíbrio e bem-estar do indivíduo, o que varia com as caraterísticas individuais, conjugadas com a tolerância à pressão. A interferência perniciosa do stress, “pela sua componente emocional negativa ligada a estados de ansiedade é, por si só, inibidor de uma otimização das faculdades criativas, capacidades de diagnóstico e de tomada de decisão” (Camara et al., p. 287). Deste modo, se atribui importância ao reconhecimento e gestão de níveis de stress que comprometam o nível de desempenho que assegura o safety.

De acordo com a análise de Kvarnström (2001), os resultados de vários inquéritos identificaram uma relação entre as principais fontes de stress reconhecidas pelos controladores e aspetos operativos do seu trabalho (e.g. picos de volume de tráfego, pressão de tempo, conflitos com a aplicação de regras, limitações e fiabilidade do equipamento), e da estrutura organizacional (e.g. horário de turnos, particularmente o trabalho noturno; conflitos relativos à função, condições de trabalho desfavoráveis, falta de controlo sobre o seu trabalho).

O stress organizacional pode ter múltiplas origens como o excesso de tarefas ou limitações de tempo para as executar, resolução de situações críticas e conflitos, operação em condições de contingência ou quaisquer outros fatores de origem organizacional que exerçam influência negativa no equilíbrio individual. Frequentemente, se relaciona o stress ao nível organizacional com processos de mudança internos que forçam a saída da zona de conforto, induzindo stress adicional pelos sentimentos de incerteza, ambiguidade e insegurança associados.

No sentido de atenuar os níveis de stress de causas organizacionais, Robbins (2009) sugere medidas de revisão ou replaneamento das tarefas, por forma a estimular desafios e dessa forma aliviar o tédio e sobrecarga de trabalho, ou ainda, a participação no processo de tomada de decisão. Contudo, importa referir que o que explica a forma particular de reação aos estímulos

stressores e determina a sua existência é a perceção individual sobre as pressões originadas

pelas várias fontes de stress.