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CAPÍTULO 4 A CULTURA DE SAFETY NA PERSPETIVA DA COMUNICAÇÃO INTERNA

4.3 D IMENSÕES DA CULTURA DE SAFETY NA ÓTICA COMUNICACIONAL

4.3.4 Promoção do Envolvimento com a Cultura de Safety (PECS)

O compromisso e envolvimento dos colaboradores com a organização e as suas funções estão definidos, tanto por autores da área de gestão (Kahn, 1990), como de comunicação interna (Quirke, 2008). Descrito como a capacidade de atrair o entusiasmo individual nas funções a desempenhar (Kahn, 1990), ou uma ligação emocional forte com a organização que induz ao investimento de tempo e esforço para o sucesso organizacional (Quirke, 2008), está implícito o nexo existente entre o compromisso e envolvimento, com elevados níveis de desempenho. Este desempenho superior relacionar-se-á com um, muito provável, decréscimo na ocorrência de incidentes de safety.

A influência positiva da comunicação interna no compromisso e envolvimento dos colaboradores com a organização e com as suas responsabilidades foi devidamente enfatizada por vários autores (Chong, 2007; Saks, 2006; Welch & Jackson, 2007), sendo considerada um

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fator de fortalecimento da confiança mútua entre a gestão e os subordinados, assim como, facilitadora do incremento do compromisso e envolvimento dos colaboradores.

Na opinião de Dolphin (2005), o estabelecimento de fortes laços organizacionais e de relacionamento somente vingam em resultado da existência de “confiança e informação credível” (p. 185), sendo a confiança mútua entre a gestão e demais colaboradores uma premissa organizacional dependente de uma comunicação aberta (Denison & Mishra, 1995). Quirke (2008), atribui o valor real da comunicação à capacidade de converter a estratégia em ação, através da “conexão entre a estratégia e as atitudes específicas e comportamentos” (p. 7), que se esperam dos colaboradores, com repercussão no seu envolvimento.

No que concerne diretamente ao safety, Hopkins (2002), estabelece uma interligação entre os conceitos de cultura de safety, consciência coletiva e comportamento de safety, relevando neste último conceito uma componente que apelida de “consciência de risco” (i.e. risk awareness). Segundo este autor, a promoção de uma consciência de risco na força de trabalho induz ou favorece a autonomia na determinação de um plano de ação seguro, particularmente no caso de inexistência ou desconhecimento de normas.

Sendo frequente encontrar cenários de lacuna ou inobservância de normas na investigação de acidentes, a consciência de risco permite contornar essa lacuna pela adoção de estratégias de gestão do risco. Não só os colaboradores da linha da frente devem mudar o comportamento no sentido de antecipar os riscos e medidas de mitigação, delineando mentalmente um plano de resolução como, igualmente, supervisores e gestores se constituem objeto imediato desta mudança, pelo seu papel determinante no sucesso desta estratégia. São eles que vão dinamizar todo o processo de identificação, comunicação e controlo de riscos, ultrapassando assim as limitações de uma cultura de mero cumprimento de normas.

A promoção do desenvolvimento da cultura de safety através do envolvimento dos operacionais, inclui o seu contributo para os sistemas de reporte de incidentes. A importância do relato de incidentes e a sua relação com a cultura e a gestão do safety está devidamente assinalada no manual de referência da gestão de safety do EUROCONTROL.

A cultura é caraterizada por crenças, valores, tendências e comportamentos derivados partilhados pelos membros de uma sociedade, grupo ou organização. O entendimento destes componentes culturais e as suas interações, é importante para a gestão do safety. Os componentes culturais mais influentes são organizacionais, profissionais e nacionais. Uma cultura de relato é um componente-chave destas diferentes culturas (ICAO SMM Doc. 9859, 2012c, p. 20).

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A vertente comunicacional afeta à análise de incidentes assume-se, naturalmente, como veículo de informação relevante para o desenvolvimento da cultura safety. Neste contexto, o fluxo de comunicação descendente ganha destaque pela importância do feedback relativo a iniciativas ou investigações de safety nas quais os operacionais tenham estado envolvidos. Efeito semelhante assume o retorno dado pela gestão operacional (i.e. supervisores e chefias de linha), relativamente ao desempenho técnico, atitudes e prática dirigida ao safety, cujo impacto das alterações decorrentes se projeta no próprio safety.

Luria (2010), relembra-nos a influência da confiança na comunicação do risco, que por sua vez promove o comportamento de safety. Já Mauriño, Reason Johnston e Lee (2002, p. 157), interpretam as consequências do relato de incidentes com a ambivalência da oscilação da compreensão do safety entre duas vertentes opostas. Se, por um lado, se identifica uma vertente negativa de manifestação de vulnerabilidade face à ocorrência de acidentes ou reporte de incidentes, por outro, a sua capacidade de constituir uma resistência intrínseca do sistema aos perigos potenciais constitui uma faceta positiva, apesar de dificilmente mensurável. É consensual, a opinião que o progresso na aprendizagem de safety não pode aguardar pela ocorrência de um evento raro, como um acidente aéreo. A existência de falhas latentes pode ser escrutinada doutro modo, nomeadamente, através da análise de incidentes. Além do mais, conforme assinalado por Drogoul, Kinnersly, Roelen e Kirwan (2007), os acidentes aéreos imprimem um forte impacto na sensibilidade da opinião pública devido às fatalidades: “A aprendizagem através da análise de acidentes (…), prejudica seriamente a confiança dos passageiros no transporte aéreo” (p. 130).

O facto de incidentes e acidentes serem originados pela mesma cadeia de eventos perigosos, com a diferença desta ter parado no tempo na primeira situação e ter prosseguido para um desfecho trágico na segunda (Woods et al., 2010), permite reconhecer a importância da análise dos eventos que configuram um risco valorizável de afetação do safety.

Tal sobreleva o capital de conhecimento que emana da investigação dos pequenos incidentes, lapsos e erros que ocorrem com maior frequência. Os legisladores assim o reconheceram, determinando o caráter de comunicação obrigatória de todas as “ocorrências que ponham em perigo ou que, caso não sejam corrigidas, sejam suscetíveis de pôr em perigo uma aeronave, os seus ocupantes ou qualquer outra pessoa” (DIRETIVA 2003/42/CE relativa à comunicação de ocorrências na aviação civil, 2003, p. 24). Garante-se deste modo, a identificação, análise e investigação de eventos críticos cujas recomendações de segurança permitam mitigar ou prevenir futuros riscos similares. Estas ocorrências são sobretudo incidentes, definidos como

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“qualquer ocorrência, exceto um acidente, associada com a operação de uma aeronave que afeta ou poderia ter afetado a segurança das operações” (ICAO Annex 13 to the Convention on International Civil Aviation, 2010, p. 20).

A importância do debate pedagógico sobre ilações retiradas das ocorrências adversas, justifica o forte investimento na investigação e análise de incidentes enquanto fonte de aprendizagem, constituindo uma importante influência da comunicação na promoção e desenvolvimento da cultura de safety, tanto ao nível organizacional como individual.

Outra componente organizacional que potencia o envolvimento na cultura de safety é a formação, definida por Bilhim (2007, p. 247) como “um processo formal e informal, de aquisição de conhecimentos e comportamentos relevantes para a atividade da organização para o desenvolvimento do trabalhador”, que ao nível individual intenta responder ao diferencial de competências entre a pessoa e a função que esta tem de desempenhar. Nesse âmbito, investigadores focados no setor da aviação e navegação aérea (Johnson, 1997; Kanki & Smith, 2001), reconhecem a necessidade de complementar a formação especificamente dedicada às competências técnicas e operacionais com o desenvolvimento de competências não-técnicas e comportamentais, incluindo inquestionavelmente a vertente de comunicação. Conforme observou Johnson (1997), referindo-se ao pessoal da área de manutenção de aeronaves, é ponto assente a inclusão de comunicação na formação de fatores humanos como um dos principais tópicos a desenvolver. A aprendizagem vocacionada para os fatores humanos cobre, não apenas, as áreas comportamentais com impacto no safety, como beneficia dos contributos das conclusões da investigação de incidentes (e.g. recomendações de segurança e boas práticas).

A necessidade da formação focada na comunicação abranger as facetas técnica e não-técnica do desempenho nas organizações de elevada fiabilidade, como acontece com as intervenientes no setor da aviação, é igualmente sublinhada por Kanki e Smith (2001). Propõem o desdobramento deste tipo de formação segundo três objetivos: (i) comunicação para alcançar objetivos técnicos - combinando o treino de comunicação com o treino técnico de forma integrada; (ii) comunicação procedimental, com ensaio de fraseologia e comunicação standard relativa a procedimentos e (iii) comunicação para alcançar os objetivos do CRM/TRM, incluindo em cada módulo de formação treino específico, relacionado com a dita comunicação.

Em sintonia com a assinalada importância na interação das equipas (e.g. tripulações, controladores de tráfego aéreo), uma parte da formação e treino está vocacionada para o

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desenvolvimento de competências de comunicação tanto no Crew Resource Management (CRM) destinado às tripulações, como no equivalente Team Resource Management (TRM), dirigido aos controladores de tráfego aéreo, técnicos da manutenção de sistemas CNS/ATM e de comunicações e informação aeronáutica.

Decorrendo no contexto da dinâmica grupal, a aprendizagem possibilita a partilha e troca de conhecimento no seio das equipas ou transversalmente entre equipas diferentes, num efeito amplificador e abrangente, identificado por Barker e Camarata (1998, p. 455): “A aprendizagem em equipa usa a inteligência maior do todo, em vez das suas partes, cria uma ação coordenada, e transfere a perspetiva de aprendizagem duma equipa para outras equipas dentro da organização”.

O impacto da aprendizagem de safety é traduzido no desempenho e na modelação de comportamentos futuros relacionados com o safety, o que encontra eco em Cooper e Phillips (2004), que demonstraram que a perceção da importância da formação de safety constitui o fator mais significativo do clima de safety enquanto preditor do real comportamento de safety.

Em suma, Gordon, Kirwan e Perrin (2007), alertaram para a possível disparidade entre o que é afirmado e o que é realmente efetuado na cultura de safety, devido à influência no comportamento individual das crenças reais acerca da forma como a organização valoriza o

safety e o consequente resultado. Daqui se depreende a relevância do alinhamento que a

estratégia organizacional deve seguir entre a promoção do envolvimento dos operacionais na cultura e os respetivos objetivos, em conformidade com as ilações que se retiram da interpretação de atitudes e comportamentos.

4.4S

ÍNTESE DO CAPÍTULO

Este capítulo dividiu-se em três pontos que aprofundam a temática da comunicação interna na sequência da abordagem do capítulo anterior à cultura e clima de safety. O primeiro, introduz alguns conceitos basilares, perspetivas, importância e enquadramento da comunicação interna em contexto organizacional. No segundo ponto, concatenaram-se as referências da literatura consideradas mais relevantes e com oportuna interligação para a temática da cultura de safety. Finalmente, tentou-se descrever o contributo das várias dimensões da comunicação interna que afetam o safety e o desempenho operacional na navegação aérea.

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O desenvolvimento de uma cultura de safety implica compromisso, envolvimento e responsabilidade mas, requer sobretudo, uma efetiva comunicação interna. Esta deve entrosar as várias vertentes, desde, a ligação entre a gestão e os operacionais para a divulgação de estratégias, objetivos, ações de suporte e retorno de informação crítica para a tomada de decisão (e.g. sugestões de melhoria, feedback de preocupações e questões pertinentes); até uma vertente direcionada aos fatores humanos, incluindo a análise crítica do desempenho, formação e treino, supervisão de equipas e práticas de comunicação dedicadas à informação de

safety (e.g. relato e aprendizagem com análise de incidentes, participação em atividades de safety).

A forte componente cultural relacionada com os fatores humanos e gestão do erro exige o fomento de um clima de confiança para estimular o relato voluntário de incidentes, passível de proporcionar futuras aprendizagens mitigadoras de riscos. Esta atmosfera de confiança, incentiva ainda, o diálogo entre equipas, com a supervisão e demais liderança, provendo uma base relacional fortemente interligada com a eficácia da comunicação interna.

Encerrou-se este último capítulo teórico, com a justificação teórica dos constructos investigados na parte de desenvolvimento empírico, que agora se inicia.

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Quando é óbvio que as metas não podem ser alcançadas, não se ajustem as metas, mas ajustem-se antes as etapas da ação.

Confúcio (551 a.C.– 479 a.C)

Este capítulo, inaugura a parte prática do estudo, apresentando as metodologias de investigação e de análise de dados devidamente fundamentadas relativamente à sua escolha.

Assim, a primeira parte descreve e fundamenta a metodologia de investigação. A segunda, refere as etapas de desenho e pré-teste da fase de elaboração do instrumento de medida especificamente criado para este estudo. A terceira, relata os procedimentos metodológicos para a obtenção da amostra e, por último, a quarta parte, expõe as metodologias de análise de dados devidamente fundamentadas.

5.1A

PRESENTAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO

Esta investigação foi gizada com a finalidade de averiguar a influência da comunicação interna na cultura de safety vigente no prestador nacional de serviços de navegação aérea. O esquema conceptual subjacente à investigação empírica (Figura 21), desenvolve-se circunscrito ao domínio da comunicação interna organizacional, com o foco centrado na subdimensão cultural do safety no contexto da cultura organizacional. Neste âmbito, interessou captar as perceções dos operacionais dos serviços de navegação aérea, que trabalham por turnos, acerca das vertentes de comunicação influentes na cultura de safety.