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CAPÍTULO 2 DINÂMICAS EVOLUTIVAS NOS SERVIÇOS DE NAVEGAÇÃO AÉREA

2.2 C ONTEXTUALIZAÇÃO DA E NVOLVENTE

2.2.2 Evolução na Gestão do Tráfego Aéreo Europeu

2.2.2.1 O novo paradigma SES

A Comissão Europeia lançou, em 1999, uma ambiciosa iniciativa de reforma da gestão do espaço aéreo europeu, com o objetivo de reestruturar esse espaço em função dos fluxos de tráfego, criando capacidade adicional e melhorando a eficiência global.

Apelidada SES (i.e. Single European Sky ou “Céu Único Europeu”), esta iniciativa fundamentou-se na necessidade de resolver o crescente problema do congestionamento, precavendo a futura necessidade em termos de capacidade, cuja duplicação, segundo se estimou à data, ocorreria por volta de 2020.

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Além de colmatar problemas derivados do aumento de tráfego aéreo na Europa e satisfazer exigências de capacidade da navegação aérea, continuamente reclamadas pela expansão deste meio de transporte (INAC, 2012a), inclui-se nas principais preocupações do SES, o incremento do safety numa abordagem de dimensão global europeia, ao invés da abordagem local (EUROCONTROL, 2011b). O objetivo, bem como, as várias definições e conceitos relativos aos elementos intervenientes nesta iniciativa estão inclusas no respetivo Regulamento-quadro (Regulamento (CE) N.º 549/2004, 2004):

A iniciativa do céu único europeu tem por objetivo reforçar os atuais padrões de segurança e a eficácia global do tráfego aéreo geral na Europa, otimizar a capacidade que responda às necessidades de todos os utilizadores do espaço aéreo e minimizar os atrasos (p. 3).

Em 2012 o espaço aéreo europeu continuava profundamente fragmentado, mantendo em operação na Europa 68 (mais oito que em 2003) Centros de Controlo. Um dos objetivos principais do SES passa pela evolução de uma abordagem constrangida às fronteiras nacionais para uma agregração das RIV’s a nível continental, através da criação de blocos aéreos funcionais, designados igualmente por, Functional Airspace Blocks (FABs).

Ao problema da fragmentação do espaço aéreo, acrescia a inerente diversidade e obsolescência de parte da infraestrutura tecnológica, em virtude da sua atualização depender frequentemente da disponibilidade orçamental dos respetivos países, o que impactava na interoperabilidade dos seus sistemas. O subaproveitamento de rotas, empolado pela diversificação ineficiente dos procedimentos operacionais, constituiu argumento para o lançamento deste projeto, tendente a eliminar o agravamento dos custos com a gestão do tráfego, aumento dos atrasos e impacto ambiental causado pelas emissões poluentes para a atmosfera.

Estudos comparativos realizados na década de 90, entre a Europa e Estados Unidos da América, revelaram uma gestão 70% menos eficiente e mais dispendiosa do espaço aéreo europeu, fruto da sua excessiva fragmentação (EUROCONTROL, Single European Sky, 2012b). Um estudo mais recente, coordenado em 2006 pelo EUROCONTROL, analisou o impacto da fragmentação na eficiência do ATM europeu que responsabilizava a fragmentação do espaço aéreo por um custo acrescido orçado entre 880 M€ e 1400 M€. Parte desta conclusão vem retratada numa Comunicação ao Parlamento Europeu:

O sistema de controlo do tráfego aéreo americano gere o dobro dos voos, com um orçamento semelhante, a partir de cerca de 20 centros de controlo. A fragmentação do sistema europeu resulta de um contexto histórico em que o controlo do tráfego aéreo se encontrava intimamente associado à soberania e, por conseguinte, circunscrito às

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fronteiras nacionais. (…) A fragmentação custa 1 000 milhões de euros por ano (Comissão das Comunidades Europeias, 2008, p. 7).

De acordo com as conclusões do estudo do EUROCONTROL (Figura 5), a gestão do espaço aéreo americano, mais extenso e a cargo de um único prestador de serviços, implica normas e procedimentos operacionais harmonizados, o que permite gerir o dobro do tráfego que a Europa comporta com o mesmo encargo financeiro.

Figura 5: Síntese comparativa dos custos com o ATM entre os EUA e a Europa em 2006

Fonte: Adaptado de (Comissão das Comunidades Europeias, 2008, p. 7; EUROCONTROL, 2010b; EUROCONTROL-IANS, 2011)

A fragmentação do espaço europeu, com impacto nos custos anuais na ordem de 20-30%, é justificada pelo EUROCONTROL (Report Commissioned by the Performance Review Commission, 2006b), com a multiplicidade de Centros de Controlo de Tráfego Aéreo e respetivos sistemas ATM que duplicam as atividades de suporte.

Uma análise crítica, mais esclarecida e objetiva, admite que esta comparação dos custos associados à gestão do tráfego aéreo nos dois continentes padece de uma visão polarizada, em face da não contabilização da subsidiação, por parte do governo federal dos EUA, de cerca de metade do dispêndio total com a gestão do respetivo espaço aéreo nacional. Este facto desvirtua a interpretação e algumas comparações de custos, nomeadamente, em relação às taxas finais cobradas aos utilizadores do espaço aéreo (taxas de rota), que serão efetivamente mais baixas para o utilizador do espaço aéreo europeu. Analogamente, a diferente realidade política, económica e orgânica dos dois contextos federativos sustenta a existência de vários prestadores de serviços de navegação aérea no espaço europeu.

Ainda assim, é em conformidade com uma necessária melhoria de eficiência, que o SES aponta para a harmonização do espaço europeu na ótica funcional, visando superar os desafios que se deparam no sector, a saber:

 Melhoria da pontualidade via redução de atrasos nos voos;  Novas tecnologias;

[40]  Aumento esperado do tráfego aéreo;

 Uso flexível do espaço aéreo por utilizadores civis e militares;  Aumento de:

 Exigências ambientais;

 Eficiência de custos na gestão do tráfego aéreo;  Requisitos de segurança operacional;

 Capacidade de gestão de tráfego aéreo.

O enquadramento neste novo cenário obriga a uma abordagem estratégica integrada, ao nível europeu, atribuindo o ónus do desenvolvimento da estratégia necessária aos organismos que detém responsabilidades ao nível da regulamentação da gestão do espaço aéreo europeu, à

North Atlantic Treaty Organization (NATO) e à própria Comissão Europeia (CE).

A formalização da intenção de criar um “Céu Único Europeu” remonta ao primeiro dia de dezembro de 1999, na sequência da identificação da realidade crítica reportada (Comissão das Comunidades Europeias, 1999):

(…) um, em cada três voos na Europa está atrasado. O atraso médio é de 20 minutos e pode atingir várias horas em período de ponta. (…) embora os operadores e os aeroportos estejam na origem, cada um, de um quarto dos atrasos, metade dos mesmos é imputável à saturação do espaço aéreo. (…) A saturação do espaço aéreo está relacionada com a necessidade de garantir a segurança dos voos (p. 2).

A definição deste projeto foi posteriormente consubstanciada na legislação, em 10 de Março de 2004, pelo Conselho da União Europeia e respetivo Parlamento.

Esta primeira versão do SES sofreu uma redefinição em 21 de outubro de 2009, baseada no argumento da necessidade de um “maior desempenho e sustentabilidade na aviação Europeia” (Regulamento (CE) N.o 1070/2009, p. 34), dando origem à segunda versão do SES (SES II), que alargou o espectro de intervenção inicial, assentando em “quatro pilares fundamentais:

 Segurança operacional (safety);  Tecnologia (SESAR);

 Nova regulamentação;

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A Comissão Europeia estabelece as regras de implementação das duas primeiras e as especificações comunitárias das últimas, sendo certo que, a prestação de serviços se encontra atribuída aos ANSP’s envolvidos. O primeiro pilar será alvo da regulação da EASA, o segundo, materializado no projeto de investigação SESAR, o terceiro, destina-se a melhorar o desempenho através do estabelecimento de blocos funcionais de espaço aéreo ou FAB, para uma operação global em rede e, o quarto, contempla a dimensão aeroportuária que determinará a melhoria da capacidade de escoamento do tráfego numa perspetiva

gate-to-gate. A consideração de um quinto pilar respeitante aos fatores humanos foi

reconhecida nesta segunda versão (SES II), pelo seu papel facilitador do sucesso deste projeto, no qual, a adaptação às mudanças e crescente automatização constituirão pontos críticos. Naturalmente que, a melhoria do safety requer um incontornável enfoque no desempenho, conforme identificado no Relatório Anual de Safety do EUROCONTROL (2009a, p. 12):

O SES II introduz uma abordagem ao ATM baseada no desempenho. No domínio da segurança, são invocados requisitos para medir os principais aspetos de segurança, desempenho e, em seguida, para definir padrões de desempenho a fim de acompanhar os progressos realizados.

Contudo, mais complexo que o próprio sistema de gestão de tráfego aéreo é o esforço requerido para o mudar. A necessidade de configurar este sistema na dimensão global gate-to-gate, obriga necessariamente a adaptações com implicação no safety, através do envolvimento e participação de entidades reguladoras pan-europeias e todos os prestadores de serviços que atuam neste domínio.

Quando a iniciativa SES entrou na fase de definição em 2004, criou um quadro institucional ao nível europeu, através dos seus Estados-membro, com o objetivo de “reforçar os atuais padrões de segurança e a eficácia global do tráfego aéreo geral na Europa, otimizar a capacidade que responda às necessidades de todos os utilizadores do espaço aéreo e minimizar os atrasos” (Regulamento (CE) N.º 549/2004, p. 3). Esta missão terá um inevitável impacto nos níveis de

safety a assegurar, dependendo significativamente do capital humano para o seu sucesso.