• Nenhum resultado encontrado

Considerações relativas à disciplina de História na Irlanda do Norte

Capítulo 2: O sistema de ensino da Irlanda do Norte desde a primeira metade do século

3.1. Considerações relativas à disciplina de História na Irlanda do Norte

Ensinar História numa região onde há uma História dolorosa difícil de ensinar e de apren- der e que ainda está tão presente nas suas comunidades, não é uma tarefa fácil para os professores, alunos, pais e até mesmo para os políticos encarregados pela legislação edu- cativa.

Contudo, a tarefa de ensinar História tornou-se mais acessível com a reforma educacional de 1989, Education Reform Order (ERO). Esta reforma revolucionária que tinha como objetivo “raise educational standards209”, ou seja, aperfeiçoar a qualidade do ensino Norte-Irlandês, deu início à uniformização de um dos sectores mais importantes de uma nação: a Educação.

Com esta reforma, e no se refere à disciplina de História, os alunos passaram a estudar esta disciplina desde o ano 1, (year 1 ou primary 1), até ao ano 7, (year 7 ou primary 7), ou seja, durante todo o Key Stage 1 e 2. Esta disciplina passou a estar integrada no tópico Ambiente e Sociedade210, juntamente com as disciplinas de Geografia e Estudos Locais211. Relativamente ao ensino secundário, Key Stage 3, a disciplina de História manteve-se obrigatória e continuou inserida no mesmo tópico em conjunto com a disciplina de Geo- grafia, Estudos da Comunidade e Estudos Políticos212. Já no Key Stage 4, a disciplina de História deixou de ser obrigatória e passou a ser uma disciplina opcional.213 Contudo, a grande novidade desta reforma foi a imposição de um currículo comum para todas as escolas públicas, independentemente do seu estatuto e ethos, como se pode ler no docu- mento: “(…) pupils in all types of secondary schools will be educated within the same

209 Education Reform in Northern Ireland – The way Forward. Department of Education for Northern Ire- land – RO 1988-1989, October 1998, p. 1.

210 Nome dado a este grupo de disciplinas: The Environment and Society. 211 Local Studies.

212 Community Studies; Political Studies.

213 Education Reform in Northern Ireland – The way Forward. Department of Education for Northern Ire- land – RO 1988-1989, October 1998, p. 5.

curricular framework, undertake the same programmes of study, be assessed against the same criteria, and be examined within the same GCSE setting214”. Este regulamento foi extremamente importante para o ensino da disciplina de História na Irlanda do Norte, uma vez que uniformizou o ensino de História, rejeitando as multiperspectivas históricas, con- soante o ethos religioso das escolas. Neste contexto é importante referir, que até ao início da década de 1990 os alunos terminavam a escolaridade obrigatória sem nunca terem estudado História Irlandesa, como afirma Margaret Conway (s/d). Portanto, é na transição entre as décadas de 1980 e de 1990 que se registou a verdadeira revolução no ensino Norte-Irlandês, especialmente no que toca à disciplina de História, ou seja, a reforma levada a cabo em 1989 foi particularmente significativa para os professores de História. Contudo, segundo Daniel McCall215, a disciplina de História precisava de ser renovada e de integrar novos tópicos. Para este autor, era preocupante que os alunos que não esco- lhessem História no Key Stage 4 acabassem o estudo de acontecimentos históricos com as Trincheiras de 1916, na Primeira Guerra Mundial, por exemplo. Para o autor, “Few pupils in year 10 have much, if any, opportunity to consider at least some of major issues of the 20th and of the early 21st centuries”. A maioria dos alunos estuda ao longo do Key Stage 3 os seguintes tópicos: “(…) treatment of 1066, the voyages of discovery, Henry VIII, Mary of Scots, the Armada, and, for example, the development of Unionism and Nationalism in Ireland”. Para D. McCall torna-se essencial que os alunos estudem novos tópicos para que assim, possam adquirir um maior conhecimento de como o passado têm vindo a influenciar o presente. (McCall, s/d, p. 5).

Segundo a investigação dos autores A. McCully e K. Barton, foi possível concluir que a relação entre o passado e o presente devia ser feita pelos professores já que, se isto não acontecesse, corria-se o risco desta ligação estar a ser feita com base em informação muito seletiva e pouco fundamentada. Assim, os autores afirmam que esta ligação entre o pas- sado e o presente devia ser feita sistematicamente e que os alunos deviam ter oportunida- des: “(…) to understand and deconstruct how background and experience can influence the way individuals interpret the past.” Para além disso, os autores afirmam que os alunos deviam estudar os eventos históricos ocorridos após a década de 60 do século XX, na

Irlanda do Norte216, como forma de perceberem o seu próprio passado e assim compre- enderem o contexto em que vivem (McCully & Barton, s/d, pp. 20-21).

Assim, são vários os autores que defendem o ensino da disciplina de História, na Irlanda do Norte, especialmente no que toca ao ensino do seu próprio passado, pois só desta forma é que os alunos vão ter a oportunidade de trabalhar com evidências históricas e aprender a História da sua comunidade, deixando de parte os mitos sectários que possuem pouca informação multiperspetivada. Durante os The Troubles, muitos professores não se sen- tiam confortáveis em ensinar tópicos controversos respeitantes à História Irlandesa e à História britânica. Contudo, como refere McCall:

“(…) teachers of history should be much more proactive in raising with their pupils sensitive and contested issues relating to the history, culture and traditions of the two main communities in Northern Ireland, not to proselytise or “to improve community relations” but to ensure that pupils have a better knowledge and awareness of how key events in Irish and British history are perceived by each com- munity, and how the past continues to be interpreted on the streets of Northern Ireland.” (McCall, s/d, p. 6).

Já para a autora A. Kitson, a História é usada por ambos os grupos, de forma a justificar determinadas ações e atitudes e, nesta linha de pensamento, a forma como a História é usada e manipulada é definitivamente mais preocupante do que o conteúdo histórico em si. Esta questão é extremamente inquietante, uma vez que os jovens Norte-Irlandeses “consomem” cada vez mais História em filmes, livros, séries, mas por vezes absorvem uma História “corrompida”, isto é, é apenas uma versão distorcida de modo a justificar certos factos e decisões. Para a autora, a forma como os alunos aprendem o passado pode ter importantes consequências no seu futuro e os estudantes que não têm acesso a uma boa experiência de ensino acabam por ter uma visão distorcida e incompleta do passado (Kitson, 2007). Nesta linha de pensamento, os autores A. McCully e K. Barton afirmam que a História da Irlanda do Norte tem um papel muito importante na formação da iden- tidade de cada indivíduo e da comunidade. No entanto, muitas vezes esta identidade his- tórica serve apenas para perpetuar o conflito existente nas comunidades Norte-Irlandesas (McCully & Barton, s/d).

Assim, e como afirma o autor Keith C. Barton, os educadores da Irlanda do Norte têm de mudar a sua atitude, uma vez que devem promover o interesse histórico dos alunos, já

216 “It would be beneficial if all students studied the post-1960 history of Northern Ireland” (McCully & Barton, S/d, pp. 20-21).

que estes não são “páginas brancas” prontas a serem formatadas, nem os seus conheci- mentos históricos são apenas dominados por conhecimentos sectários. Para além disso, é também defendido pelo autor que uma narrativa histórica comum às duas comunidades deva ser trabalhada e que esta deva ser um objetivo explícito do currículo Norte-Irlandês (Barton, s/d). De referir ainda que, na opinião do autor, “(…) the focus on social and economic context – sufficiently develops students’ understanding of overarching histori- cal themes that go beyond single periods.” (Barton, s/d, p. 13).

Todos sabemos que ensinar um passado doloroso e que não possui ainda uma narrativa comum, nas aulas de História, é difícil e pode provocar algum receio entre a comunidade docente. Contudo, como refere Margaret Smith, “The danger is that because the task is difficult it will be abandoned, and history classes will give away to business and technical subjects on the timetable.” É evidente que esta hipótese não se pode tornar real, já que as aulas de História “are an important way for young people not only to learn how to discuss the past in a divided society, but to learn the skills of research, debate and critical thinking that are important for a liberal democracy.” (Smith, s/d, p. 10).

Ou seja, o ensino da disciplina de História é fundamental para que os jovens conheçam o seu passado e estabeleçam relações com o presente que vivem. Para além disso, esta dis- ciplina fomenta o desenvolvimento de inúmeras competências essenciais, como a recolha de dados, a análise crítica de informação, a consciência crítica, para além do desenvolvi- mento de competências linguísticas e comunicativas, como também afirma Margaret Smith. Para esta autora, pensar como é que o passado é usado no presente permite que os alunos estudem a importância da História na identidade cultural da população. A autora defende ainda que, com visitas a exposições e a museus, os alunos provenientes de co- munidades diferentes têm a oportunidade de perceber que “difference is a matter worth exploring for its own sake, and not something that needs to create discomfort.” (Smith, s/d, p. 10). Portanto, para esta autora, os professores de História têm de receber formação adequada para tratar os tópicos mais controversos. Os manuais escolares também têm de ser renovados, bem como o currículo e exames externos (Smith, s/d).

Para além disso, deve-se também referir que o ensino e aprendizagem da disciplina de História é igualmente importante, no contexto da Irlanda do Norte, porque pode promover a paz e a reconciliação das comunidades, uma vez que os alunos vão analisar factos his- tóricos reais e fundamentar as suas conclusões em investigações que assentam em pers- petivas múltiplas e não em narrativas sectárias e em factos manipulados. Nesta linha de

pensamento, o autor K. Barton afirma, na sua investigação intitulada “Northern Ireland primary students’ understanding of historical time”, o seguinte:

“For educators who hope that historical study may contribute to peace and reconciliation in Northern Ireland, the findings of this study are encouraging, because they suggest that young people are not overly committed to sectarian historical perspectives and that they apply their criteria of significance to members of both communities. Educators might capitalise in students’ ideas by studying the impact of political violence on both communities, and by highlighting instances of Catholic and Protestant cooperation in history.” (Barton, s/d, p. 17).

Relativamente aos manuais escolares utilizados na Irlanda do Norte, e segundo a autora A. Kitson, estes tendem a mostrar uma História da Irlanda equilibrada e com uma lingua- gem descrita pela autora como cuidada e sensível, (careful e sensitive). Contudo, na opi- nião de Kitson, as questões realmente importantes não estão a ser colocadas e, mais uma vez, não é feita a relação explícita entre o passado e o presente, o que leva os alunos a fazerem esta ligação sozinhos. A autora refere ainda que: “(…) there is an absence of a genuinely enquiry-based approach. The questions and activities contained in the text- books are often lower-order and require skills of comprehension rather than of analysis and problem-solving.” (Kitson, s/d, p. 27). Ou seja, para a autora, os manuais escolares não desenvolvem as competências dos alunos relacionadas com a análise de informação e a resolução de problemas, estando os mesmos a desenvolver apenas as suas competên- cias ligadas à compreensão linguística.

Assim, o ensino de História na Irlanda do Norte apresenta-se como uma tarefa difícil, devido à pluralidade de perspetivas que esta nação possui, relativamente à sua História dolorosa. O seu ensino nem sempre é fácil, devido às multiperspectivas existentes, à falta de consenso, ao medo e à carência de formação e recursos didáticos, fatores essenciais que permitem o ensino de forma equilibrada dos The Troubles. É essencial o ensino dos The Troubles, de forma balançada, onde professores e alunos têm acesso a narrativas equilibradas, assentes em evidências históricas e com acesso a recursos didáticos varia- dos, interessantes e fundamentados. Ao ignorarem o seu passado mais doloroso, os cida- dãos apenas estão a prolongar as divisões, as mistificações dos outros e a segregação de uma mesma comunidade.

Felizmente, há cada vez mais investigadores a tratarem e a investigarem o ensino do pas- sado doloroso da Irlanda do Norte, nomeadamente, os The Troubles, o que permite co- meçar a pensar e abordar este tópico, em contexto de sala de aula, como foi possível verificar ao longo deste subcapítulo.

3.2. The Education (Curriculum Minimum Content) Order (Northern Ireland) 2007,