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Capítulo 1: Educação Histórica e Passados Dolorosos

1.1. Conceitos Relevantes para a Investigação

1.1.8. Questões Socialmente Vivas

Questões Socialmente Vivas são questões relevantes e controversas que são debatidas na presente sociedade. Estas podem incluir temas como: Igualdade de Género, Respeito pe- los Direitos Humanos, Globalização, Ambiente, Justiça Social, Escravatura, entre outros.

Segundo Jean Simonneaux e Alain Legardez (2010), por questões socialmente vivas ou Social Acute Questions (SAQ), entende-se

“(…) a question which is adapted (or which required to be adapted) so as to be taught in school and has the following characteristics:

- It is a question which is acute in society: this type of question challenges the social practices of all the actors in the school (inside and outside the institution) and reflect their social representations; - Society considers it to be an important matter (globally or in one of its components) and it stirs up

debate (from disputes to conflicts);

- It often gets media coverage so the majority of the actors in school are familiar with it. Its social production in society renders it an ‘acute’ question in the first sense” (p. 25)

São muitos os investigadores que acreditam que é extremamente importante uma aborda- gem educacional que passa pelo ensino das questões socialmente vivas, uma vez que estas contribuem para a formação dos futuros cidadãos (Bader, Jeziorski & Therriault, 2014). Os mesmos autores afirmam, ainda, que “além de proporcionar mais significado à apren- dizagem dos conceitos científicos, tal abordagem contribuiria ao desenvolvimento de uma atitude mais crítica por parte dos alunos, desencadeando uma reflexão de carácter episte- mológico quanto à natureza das ciências” (Bader, Jeziorski & Therriault, 2014, p. 156).

As questões socialmente vivas fazem muitas vezes parte dos currículos nacionais, mesmo que de modo informal. São várias as disciplinas que usam estas questões para lançar de- bates e colocar os alunos a pensar sobre assuntos relevantes para a sua sociedade. Muitas questões socialmente vivas mostram-se como pontos de viragem para a sociedade. Ao serem debatidas em sala de aula, os estudantes têm a oportunidade de abordar outros pon- tos de vista, perspetivas diferentes das que possam ter, ao mesmo tempo que alargam as suas conceções, muitas das quais pré-estabelecidas pelo contexto sociocultural em que

vivem. Contudo, como Jean Simonneaux e Alain Legardez (2010) referem, as questões socialmente vivas nem sempre aparecem nos currículos, na forma de ‘questões’; “They are often topics to be taught which refer to acute questions and/or social knowledge, They are not, however, presented as a problematized school content.” (p. 26). Desta forma, e como os mesmos autores afirmam, “(…) deciding on teaching content as far as SAQs41 are concerned is a particularly delicate task.” (p. 26).

Paralelamente, Ralf Levinson (2017) defende que para que as questões socialmente vivas sejam eficazes no que diz respeito à justiça social, os educadores têm de ter em conside- ração os contextos éticos e políticos locais. Desta forma, os alunos tornam-se agentes ativos neste processo de investigação e produção de conhecimento. Este não é um pro- cesso fácil, como afirma o mesmo autor, pois é necessário que seja feito, com base numa reflexão crítica e ao longo de todo o percurso. O mesmo autor defende ainda que as ques- tões socialmente vivas são responsáveis por implicações pedagógicas e curriculares de grande extensão, uma vez que temas como complexidade, risco e interdisciplinaridade recebem bastante ênfase. No entanto, as possibilidades curriculares e pedagógicas variam consoante os contextos regionais e nacionais, para além dos contextos socioculturais e “educational histories” (Levinson, 2017, p. 27).

Apesar de este ser um processo meticuloso e polémico, a verdade é que a discussão de questões socialmente vivas em contexto educacional é essencial para promover o conhe- cimento político e científico, essenciais para a mudança e justiça social, como Ralf Le- vinson (2017) defende. Jean Simonneaux e Alain Legardez (2010) afirmam, também, que o ensino destes temas exige uma reflexão socio-epistemológica, aquando da produção do conhecimento “(…) in the social conditions in which this knowledge emerges” (p. 24).

Muitas vezes, estes assuntos são chamados de “hot questions” ou “burning questions”, como afirmam os autores Jean Simonneaux e Alain Legardez (2010), uma vez que estas “(…) have not yet been backed up or stabilized from a scientific point of view. They may remain acute for long periods and change intensity over time and in the different parts of society” (p. 25). Desta forma, existe ainda alguma controvérsia a envolver as questões socialmente vivas, uma vez que estas instigam debates e pontos de vista extremados. Para além disso, as questões socialmente vivas podem ser relevantes para um certo grupo, mas

totalmente triviais para outro. A falta de consenso que envolve estas questões é uma rea- lidade da sociedade contemporânea e a sua intensidade varia de região para região. Um exemplo claro desta disparidade prende-se com o Ambiente e a importância que a sua proteção recebe das várias potências mundiais. A título de exemplo, é possível referir a disparidade entre o modo como os Governos dos Estados Unidos da América e a Repú- blica Popular da China encaram a salvaguarda do Ambiente e a postura da União Europeia sobre este aspeto.

Assim, as questões socialmente vivas são, segundo Jean Simonneaux e Alain Legardez (2010), baseadas, do ponto de vista científico, numa reflexão interdisciplinar, completada “(…) by studying the actors involved, what is at stake and the debates which are very much alive in society on the SAQ in question.” (p. 27). Ou seja, o debate das questões socialmente vivas está dependente da importância atribuída às mesmas, importância in- fluenciada pela realidade sociocultural dos agentes que as debatem. Falar de justiça social, igualdade de direitos independentemente do ethos religioso ou da fação política a que se pertence, talvez não faça qualquer sentido em Portugal. Contudo, esta é uma questão ex- tremamente importante para a sociedade Norte-Irlandesa, que tem vindo a ser debatida há vários anos e que esteve por detrás de um conflito armado que opôs comunidades vizi- nhas. Portanto, quando falamos de questões socialmente vivas não podemos esquecer que são muitos os contextos que influenciam o debate destes temas, especialmente a nível educacional. Há ainda muitas regiões onde certas questões não são debatidas abertamente, isto por serem temas tabu para a sociedade. O medo de acordar fantasmas do passado é, por vezes, mais forte do que o desejo de mudança.