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Capítulo 1: Educação Histórica e Passados Dolorosos

1.1. Conceitos Relevantes para a Investigação

1.1.2. Educação Histórica e Didática da História

“A história é, portanto, uma parte cognitivamente transformadora da educação: ela só é bem-sucedida se permitir às crianças verem o mundo historicamente.”

Lee, 2016, S/p.

Foi Jörn Rüsen, filósofo e historiador alemão, quem definiu as matrizes epistemológicas da linha de pesquisa da educação histórica, como afirma Maria da Conceição Silva (2011). Nos anos 70 do século XX, surge a preocupação de como se ensinava os temas

31 In Priberam Dicionário. Consultado a 30.03.2016. 32 Significados.com.br/educação. Consultado a 30.03.2016. 33 Idem.

34 Idem. 35 Idem.

históricos, em diferentes países do mundo. Para Rüsen, e segundo Silva, “a história é uma ciência, de compreensão de sociedades passadas e presentes, correlacionada à consciência histórica de sujeitos.” A mesma autora refere, ainda, que “a epistemologia da “Consciên- cia Histórica” fornece à Educação Histórica os elementos-chave para a interpretação das fontes escritas narradas, de compreensão de categorias e conceitos das aprendizagens es- colares”, isto é, os conteúdos históricos ensinados aos alunos acabam por se relacionar com os conhecimentos prévios dos mesmos, que segundo a autora estão “categorizados teoricamente” (Silva, 2011, p. 203). Contudo, esta teoria de Rüsen não é unânime e, como aponta Max L. Pina, o pensamento deste filósofo causa polémica uma vez que enquanto alguns defendem esta teoria e a usam como uma “referência para a interpretação das ações humanas no tempo, e também para a análise dos processos cognitivos dos fundamentos do conhecimento histórico a partir da consciência histórica”, há quem defenda que esta teoria se aplica apenas à realidade alemã e que, por isso, perde a sua validade quando aplicada em outros países (Pina, 2011, p. 284).

Segundo Peter Lee, a educação histórica apresenta-se como uma “conquista precária”, uma vez que é “vulnerável a agendas políticas e educacionais que procuram mesclá-la com outras partes do currículo ou reduzi-las a um veículo para a cidadania ou valores comuns patrióticos.” (Lee, 2016, S/p). Ou seja, a educação histórica está sujeita à pressão governamental e às teorias que as instituições governamentais e educacionais querem perpetuar ou, por outro lado, aniquilar e remover da memória coletiva.

Para Fernanda de Moura Leal (2011), a preocupação da utilidade prática da disciplina de História tornou possível iniciar um novo ciclo de investigações sobre esta disciplina, bem como sobre os seus processos de ensino e de aprendizagem, para que fosse possível “um melhor entendimento das ideias dos jovens acerca dos usos da História” (p. 1) e, conse- quentemente, contribuir para a compreensão do ser humano e das suas vivências.

Já Peter Lee (2001), refere que não podemos apenas fornecer fontes históricas aos alunos como método de aprendizagem em História. Segundo o mesmo autor, ao fazermos isso apenas estamos a dar “conhecimentos desagregados”. Por outro lado, se dermos várias versões de uma mesma história aos alunos, estes vão perceber que uma dessas versões está certa e outra errada e, como diz o autor, “se já não está cá ninguém dessa altura, como saberemos nós se é verdade?”, o que os professores estão a fazer é a providenciar uma aprendizagem que é apenas “um exercício de entrega de informação” (Lee, 2001, p. 14).

Assim, para que isto não aconteça, é importante aplicar a estratégia que Helena Pinto (2019) refere:

“A pesquisa sistemática em Educação Histórica tem sustentado que o envolvimento ativo dos estu- dantes no processo de exploração e reflexão sobre fontes históricas, questionando-as como evidência, pode favorecer a compreensão histórica e o pensamento crítico dos alunos, desenvolvendo também a sua consciência histórica” (p. 441).

Paralelamente, Isabel Barca (2001) afirma: “o ensino da História, enquanto disciplina de charneira para a promoção da educação histórica, assume-se hoje com a fundamentação científica própria” (p. 13). Mas a educação histórica não é a simples narração dos eventos que marcaram o passado. A educação histórica é muito mais do que uma descrição, é uma análise, uma interpretação e uma reflexão dos acontecimentos históricos, dos factos e das fontes. Assim, na disciplina de História não basta contar os acontecimentos aos alunos, torna-se necessário usar uma metodologia analítica que permita aos alunos analisarem as fontes e refletirem sobre o passado. Neste sentido, e como Peter Lee (2001) refere: “Para compreendermos a História, precisamos de falar de situações específicas do passado e de promovermos a sua interpretação” (p.14). Ou seja, segundo a interpretação da teoria de Rüsen pelos autores William Barom e Luís Cerri, “o passado passa a ter um sentido a partir de sua interpretação no presente. Contudo, para se evitar um subjetivismo radical, há de se considerar os elementos objetivos da realidade, ou seja, antes de começarmos a construir o passado, somos construídos por ele.” (Barom & Cerri, 2012, p. 1000). Ainda segundo estes autores, a presença do passado nas nossas vidas acaba por condicionar o nosso futuro, isto é, no dia a dia, o indivíduo acaba por recorrer ao passado para interpretar o momento presente que está a viver e, assim, preparar a sua atuação no futuro.

Para além disso, quando se fala em educação histórica, não podemos deixar de referir a importância da narrativa nesta área de investigação. Na entrevista dada a Nucia de Oli- veira, em 2012, Isabel Barca afirmou que a narrativa assume um lugar central na educação histórica uma vez que esta apresenta-se como um relato estruturado, (descritivo e expli- cativo), sendo a forma mais comum de exprimir ideias históricas, por parte de historiado- res, meios audiovisuais, professores e manuais. Na mesma entrevista, Isabel Barca cita ainda o filósofo alemão J. Rüsen uma vez que o mesmo afirma que a narrativa é a face da História, “Portanto, para serem historicamente competentes também os alunos deverão comunicar as suas ideias em narrativa.” (Barca, entrevista concedida a Oliveira, 2012, p. 870). Isabel Barca revela nesta entrevista a importância de colocar os alunos a falarem de

História, uma vez que a partir dessa tarefa é possível analisar o pensamento histórico dos alunos, a sua conceptualização da História. Contudo, a narrativa histórica não é apenas a narrativa do historiador, que segundo Barca não é uma narrativa única. O que interessa na investigação em educação histórica é perceber a narrativa que os alunos desenvolvem (Barca, Entrevista concedida a Oliveira, 2012). Assim, neste contexto, a narrativa apre- senta-se como:

“a face da consciência histórica, e pelas narrativas que os alunos constroem – narrativas livres – nós podemos ver como elas estão permeadas pela História, até que ponto é que elas mostram ligação da história com a vida dos seus autores, com as suas preocupações enquanto sujeito e enquanto ser so- cial.” (Barca, entrevista concedida a Oliveira, 2012, p. 873-874).

É ainda importante, no contexto da educação histórica, referir os conceitos de segunda ordem. Assim, segundo Marília Gago: “A educação histórica tem como preocupação principal a articulação entre os conceitos de segunda ordem e conteúdo substantivo da História numa perspetiva construtiva de metodologia de ensino da História.” (Gago, 2007, p. 68). Já Peter Lee refere que existem:

“lacunas entre a compreensão dos historiadores dos conceitos substantivos que empregam e as ideias que os alunos possam ter. Eles não derivam apenas da juventude dos alunos e de seu pensamento imaturo, mas do fato de que o significado de conceitos substantivos muda ao longo do tempo. Um bispo agora não é exatamente o mesmo que um bispo na Idade Média tardia.” (Lee, 2016, S/p).

Ou seja, os conceitos relacionados com esta ideia dizem respeito à forma como compre- endemos e pensamos a História. Neste sentido, e como Marília Gago refere, as chamadas aulas-oficina fazem com que os alunos construam o seu próprio conhecimento, através de “(…) um conjunto de tarefas propostas pelo professor que se assume como um parceiro orientador da aprendizagem.” Contudo, para que tal seja possível, é necessário compre- ender as ideias subentendidas dos estudantes, de forma a que seja possível criar uma “me- todologia que se considere adequada para promover a sofisticação de pensamento histó- rico dos alunos”, como afirma a mesma autora (Gago, 2007, p. 68).

Assim, a educação histórica é um campo de investigação que trata a História como uma ciência que “não se limita a considerar a existência de uma só explicação, mas ao contrá- rio, segundo Barca e Schmidt (2009), possui uma natureza multiperspetivada, que con- templa múltiplas temporalidades baseadas nas experiências do passado que estão no pen- samento presente do sujeito.”, como se lê no trabalho de Lidiane Lourençato (2014, pp. 163-164).

Relativamente à Didática da História, é importante mencionar a perspetiva de Oldimar Cardoso (2008), que acredita que a Didática da História, segundo a bibliografia alemã, apresenta-se “(…) como uma disciplina que tem por objeto de estudo todas as elaborações da História sem forma científica, (…) em oposição à Didática da História como a arte de ensinar (…).” (p. 165). Assim, neste sentido, e como o mesmo autor afirma, a Didática da História “(…) não estuda apenas o ensino e a aprendizagem da História escolar, mas todas as expressões da cultura e da consciência históricas que circulam dentro e fora da escola.” (Cardoso, 2008, pp.165-166). O mesmo autor refere ainda, que uma das diferen- ças mais importantes entre Didática da História e as demais teorias que tratam e investi- gam o ensino da disciplina de História “é o fato de esse campo de pesquisa pautar na teoria da história (não da pedagogia) suas reflexões sobre como ensinar história.” Para além disso, Oldimar Cardoso afirma ainda que “Para a didática da história é muito mais rigoroso centrar a discussão sobre o ensino na teoria da história que em outras teorias apenas supostamente pedagógicas que também não foram desenvolvidas por pedagogos.” (Cardoso, 2019, p. 82).

No que diz respeito ao ensino dos passados dolorosos, o mesmo autor refere o caso ale- mão e a forma como este país lida com o seu passado doloroso, nomeadamente o Holo- causto. O autor refere que a forma como esta nação lida com o seu passado encontra-se assente nas pesquisas desenvolvidas no campo da Didática da História e que, esta esta experiência é vista como um exemplo a seguir por outros países a recuperar de conflitos violentos (Cardoso, 2019).