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Capítulo 2: O sistema de ensino da Irlanda do Norte desde a primeira metade do século

2.4. Reforma do sistema educativo da Irlanda do Norte na segunda metade do século

2.4.2. Education Reform (NI) Order ERO 1989

Mais tarde, em 1989, foi introduzida uma reforma que revolucionou por completo a Edu- cação da Irlanda do Norte: o Education Reform (NI) Order – ERO. Esta reforma surge a par com a reforma educativa levada a cabo na Inglaterra e no País de Gales, intitulada de 1988 Education Reform Act177. Assim, esta reforma revolucionária tinha como principal objetivo:

“(…) raise educational standards. The proposals in the consultation paper sought to achieve this through a range of measures, including:

- a common curriculum, with associated attainment targets and assessment arrangements, for all grant-aided schools, to ensure equal access to a broad and balanced education for all pupils of com- pulsory school age;

- greater involvement of parents in their children’s education through better information about each child’s progress, and through fuller participation in school governance;

- greater freedom for parents in choosing the school which their children should attend, and more information about the performance of schools;

- greater degree pf autonomy for schools and Further Education Colleges in managing their budgets in line with educational priorities178”

Ou seja, esta reforma implementada em 1989 estipulou que todas as escolas com financi- amento público tinham de seguir um currículo único, o que levou os alunos, independen- temente da escola que frequentavam ou da fação política ou religiosa a que pertenciam, a

176 Relativamente ao acesso à carreira docente, deve-se referir que as escolas católicas apenas empregavam docentes católicos. Assim, “since 1976 the appointment of teachers, therefore, has been an area where religious discrimination has been legal” (Donnelly, McKeown & Osborne (Org.), 2006, p. 8). Ou seja, a discriminação no acesso à carreira docente na Irlanda do Norte, era uma realidade banal, especialmente nas escolas católicas. Esta prática acabaria por se manter por vários anos.

177Education Reform in Northern Ireland – The Way Forward, October 1998, Department of Education for

Northern Ireland RO 1988-1989, p. 1. Convêm aqui referir que não foi possível consultar o documento

original de 1989, estando apenas disponível para consulta uma edição publicada em 1998. Este foi um documento extremamente difícil de localizar, pois a sua consulta não se encontra disponível online, como acontece com outros documentos legislativos, até mais antigos. Este documento foi, posteriormente, loca- lizado na Biblioteca de Armagh (Irish and Local Studies), porém, aquando o pedido de consulta deste do- cumento, verificou-se que este não se encontrava na biblioteca. Alguns meses mais tarde, foi possível lo- calizar e consultar esta versão de 1998 no Public Record Office of Northern Ireland.

estudar os mesmos conteúdos programáticos. Esta medida fez com que o ensino da Ir- landa do Norte passasse a ser uniforme em todas as escolas públicas. Para além disso, os pais passaram a estar mais envolvidos no ensino do seu educando, através do acompa- nhamento do seu progresso e também do seu envolvimento na gestão das instituições de ensino. Paralelamente, os pais passaram também a ter o poder de escolher a escola em que desejavam matricular os seus educandos, realidade que fez com que as escolas pas- sassem a competir entre si para desta forma atrair o maior número de alunos possível. Esta realidade ainda hoje se faz sentir na Irlanda do Norte, uma vez que as escolas tentam fornecer o maior número de atividades extracurriculares e serviços, para além de procu- rarem os melhores resultados nos rankings nacionais, para desta forma atraírem pais e alunos. Uma outra mudança introduzida por esta reforma é o maior nível de autonomia das escolas, incluindo as instituições de ensino superior, no que diz respeito à gestão dos seus orçamentos. Todas estas alterações fizeram com que o sistema de ensino Norte-Ir- landês iniciasse uma mudança nunca antes vista, cujo objetivo máximo era a qualidade do ensino prestada a todos os alunos, independentemente da escola que estes frequenta- vam.

Uma outra mudança introduzida com esta reforma diz respeito aos anos de educação obri- gatória, que passa a ser entre o ano 1 e o ano 12, (year 1 - year 12), isto é, entre os 5 e os 16 anos de idade179. Relativamente ao currículo, os estudantes a frequentar o ensino obri- gatório tinham de estudar oito disciplinas que se esperava que ocupassem cerca de 70% a 75% do tempo letivo. Como já foi visto, a questão da Educação Religiosa é uma área sensível que tem originado várias discussões ao longo das reformas curriculares da Ir- landa do Norte. Em 1989, voltou-se a discutir se se devia incluir o ensino de religião no currículo, como disciplina obrigatória. A decisão final acabou por impor a Educação Re- ligiosa como uma disciplina obrigatória, sendo a criação do programa de estudos da res- ponsabilidade das maiores Igrejas da Irlanda do Norte180. Ainda sobre as disciplinas que tinham de ser estudadas pelos alunos, uma disciplina cujo ensino passa a ser obrigatória é a disciplina de História. O estudo desta disciplina não é feito até ao final do ensino obrigatório, uma vez que os estudantes apenas estudam esta disciplina até ao ano 10, (year 8 – year 10). Posteriormente, entre o ano 11 e 12, (year 11 – year 12), a disciplina de

179 Idem, p. 5.

180 “The four main Churches will be asked to collaborate in preparing a programme of study for Religious Education (…).” Education Reform in Northern Ireland – The Way Forward, October 1998, Department

História passa a ser opcional, à semelhança da disciplina de Geografia, Community Stu- dies, Estudos Políticos e Business Studies181. No que diz respeito aos chamados temas curriculares transversais, (cross curricular themes), a reforma de 1989 previa:

“(…) a number of important strands of learning have been identified which, although possessing their own individual cohesion, are normally taught as part of several other subjects. The legislation will therefore provide that the curriculum of every pupil must contain certain educational themes (…). These themes will normally be taught on a cross-curricular basis, and the objectives within each theme will be incorporated into the programmes of study of appropriated subjects.182”

Neste sentido, esperava-se que os alunos estudassem as seguintes áreas durante o ensino primário: Tecnologia da Informação, Educação para a Compreensão Mútua, Herança Cul- tural e Educação para a Saúde183. Já durante o ensino secundário os alunos tinham de estudar: Tecnologia da Informação, Educação para a Compreensão Mútua, Herança Cul- tural, Consciência Económica e Educação para Carreiras184. Quando este documento es- teve aberto para a discussão pública foram muitos os cidadãos que pediram que os alunos tivessem oportunidades para aprender aspetos históricos, culturais e tradições o que per- mite aos estudantes compreender a herança cultural da Irlanda do Norte. Neste contexto, o Governo aceita esta sugestão, uma vez que o trabalho destas questões acaba por dimi- nuir a ignorância dos cidadãos e contribuir para a diminuição da divisão da sociedade Norte-Irlandesa. Para além disso, o Governo afirmou ainda que acreditava ser apropriado e necessário introduzir no currículo de cada aluno o trabalho de elementos para a com- preensão mútua, (Education for Mutual Understanding), uma vez que “(…) has already helped to foster valuable cross-community contacts among many of our schools.”185 Re- lativamente ao ensino da Língua Irlandesa, é decidido que esta é uma opção ao nível do ensino secundário e que faz parte do grupo Language Studies, juntamente com Francês, Espanhol e Alemão186.

Para a criação dos programas de estudo para as várias disciplinas, foram definidos grupos cuja responsabilidade era criar os programas para cada área de estudo: “Their first task will be to identify attainment targets, which will specify the broad teaching and learning

181 Idem, pp. 3-5. 182 Idem, p. 6.

183 Information Technology, Education for Mutual Understanding, Cultural Heritage e Health Education. 184 Information Technology, Education for Mutual Understanding, Cultural Heritage, Economic Awareness

e Careers Education.

185 Idem, p. 6. 186 Idem, p. 7.

objectives of a subject, and then to construct programmes of study to meet these tar- gets187.” Para além disso, estes grupos de trabalho tinham de ter o cuidado de introduzir os objetivos dos temas cross-curriculum nos seus programas. Posteriormente, ficou esti- pulado que estes conteúdos tinham de ser trabalhados ao longo do ensino obrigatório, ou seja, durante os 12 anos de escolaridade obrigatória. Contudo, é importante referir que as escolas tinham a autonomia para decidir como é que estes conteúdos deviam ser ensina- dos e ainda “(…) including how they would wish to develop and add the programmes of study so as to provide as rich and as varied an educational experience as possible.188” De referir, neste contexto, que a implementação deste novo currículo foi feito primeiramente nos anos 1, 5 e 8, (year 1, 5 e 8), e nas disciplinas de Inglês, Matemática, Ciências, Tec- nologia e Design e, posteriormente, nas restantes disciplinas189. Assim, com este currículo esperava-se aumentar a qualidade de ensino das escolas Norte-Irlandesas, ao mesmo tempo que se aumentavam as oportunidades educacionais dos alunos, especialmente da- queles cujo risco de abandonar a escola com baixas qualificações ou até mesmo sem ne- nhumas, era maior. Em suma, esta reforma educativa de 1989 pretendia:

“- ensuring that key components are taken throughout compulsory schooling;

- creating opportunities for each pupil to fulfil his or her own potential, and monitoring their progress in so doing;

- giving an element of choice to pupils in Year 11 and 12; and

- offering a degree of flexibility to schools in how they organise and present the curriculum.190 No que diz respeito à avaliação dos estudantes, esta passou a ser feita aos 8, 11, 14 e 16 anos de idade e passou a ser registada numa escala de dez pontos, durante os anos de escolaridade obrigatória. A inspeção das instituições de ensino foi também contemplada nesta reforma de 1989 e definia que os inspetores passaram a ter a responsabilidade de inspecionar e elaborar relatórios com os “(…) outcomes of the common curriculum” e ainda sobre a forma como o novo currículo estava a ser implementado nas escolas191.

Particularmente acerca do ensino secundário, o documento em análise afirma que todas estas modificações eram especialmente importantes no ensino secundário, uma vez que:

187 Idem, p. 7. 188 Idem, pp. 7-8. 189 Idem, p. 8. 190 Idem, p. 10. 191 Idem, pp. 8-9.

“(…) all pupils in all types of secondary schools will be educated within the same curric- ular framework, undertake the same programmes of study, be assessed against the same criteria, and be examined within the same GCSE setting.192”

Finalmente, uma outra novidade nesta reforma de 1989 foi a criação de um novo orga- nismo, o Northern Ireland Curriculum Council (NICC), responsável por aconselhar o Governo em questões relacionadas com o currículo e ainda com a responsabilidade de manter e atualizar os programas de estudo193.

Como é possível verificar, esta reforma foi extremamente inovadora para a Irlanda do Norte, uma vez que começou por unir uma das áreas mais importantes de qualquer país: o ensino. Até esta reforma, as escolas protestantes, as escolas católicas, as escolas Inte- gradas e demais instituições de ensino seguiam currículos diferentes, abordagens distintas e, no caso do ensino da História, monohistórias que muito contribuíram para o afasta- mento das duas comunidades predominantes da Irlanda do Norte. Após a Education Re- form Order de 1989, as escolas públicas da Irlanda do Norte passaram a seguir um único currículo, criado por grupos de trabalho especializados que delinearam os conteúdos pro- gramáticos essenciais à formação dos mais jovens, ao longo do ensino obrigatório e, in- dependentemente do seu credo religioso ou da fação política dos seus familiares. Come- çou em 1989 o processo de reconciliação de uma nação, pelo menos a nível educacional, uma vez que passaram a estar integrados, nos conteúdos programáticos, diversos temas necessários ao trabalho de questões sensíveis e que tinham como objetivo ajudar os alunos a compreender e a respeitar o outro e, acima de tudo, a seguir um caminho de paz, com- preensão e tolerância194.

192 Idem, p. 10. 193 Idem, p. 9.

194 Estes temas, denominados de “cross-curricular themes”, eram temas que deviam ser trabalhados pelas duas comunidades escolares, de forma a melhorar as relações entre as mesmas: “These are called ‘Education for Mutual Understanding’ and ‘Cultural Heritage’ and their existence in the compulsory curriculum means that the two church-based educational system are being encouraged to develop patterns of behaviour both within schools and between schools which accept the pluralist nature of the Northern Ireland community.” (Osborne, Cormack & Gallagher (Org.), 1993, p. 27). Na reforma de 1989, a cláusula 125.2 (h) requeria que as escolas incluíssem nos seus relatórios anuais todos os esforços envidados para reforçar a relação entre as duas comunidades da Irlanda do Norte, mais concretamente as medidas executadas para concretizar os objetivos de um dos temas comuns às duas comunidades educativas, ou seja, ‘Education for Mutual Understanding’ (Richardson & Gallagher (Org.), 2011). No entanto, como afirma Alan Smith, a implemen- tação do tema EMU não foi posta em prática a 100% pelas escolas, uma vez que algumas instituições de ensino suspeitavam, por exemplo, que o Governo possuía intenções políticas por detrás deste projeto co- mum às duas comunidades (Smith, 1999).

Considera-se, assim, que a reforma ERO de 1989 foi a reforma Educacional mais inova- dora e importante do século XX, na Irlanda do Norte195.