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Capítulo 1: Educação Histórica e Passados Dolorosos

1.1. Conceitos Relevantes para a Investigação

1.1.7. Multiperspetiva e Verdade Históricas

A questão da multiperspetiva histórica e a evidência e verdade histórica estão intima- mente relacionadas. Como afirma Isabel Barca (2007), os alunos consomem diariamente “versões em conflito” da sua História local e até mesmo nacional, o que faz com que não saibam em que versão acreditar. Ora, estas versões em conflito dizem respeito às múlti- plas histórias, por vezes estórias, que são perpetuadas, em alguns casos, de forma a atestar que uma certa versão da História é preservada ao longo de várias gerações. Segundo a mesma autora, “é difícil conhecer a priori os sentidos que os alunos dão à História. Des- cobrir o que os alunos pensam requer uma atitude de grande descentração por parte do professor.” (Barca, 2001, p. 39).

Nem sempre a multiperspetiva histórica encerra em si conotações negativas. O facto de existirem várias perspetivas torna a História mais rica. No entanto, estas várias perspeti- vas têm de ser baseadas em evidências, para que desta forma seja possível assegurar o estudo e a compreensão das mesmas. Para Robert Stradling (2003), a multiperspetiva his- tórica é um termo mais usado do que definido. O autor defende que todos os seres huma- nos possuem a sua própria perspetiva, influenciada pela sua cultura, bem como pela forma como interpreta o que acontece ao seu redor. Assim:

“in this respect, multiperspectivity is not just a process or strategy, it is also a predisposition, (…) a willingness to accept that there are other possible ways of viewing the world than one’s own and that these may be equally valid and equally partial; and, second, a willingness to put oneself in someone else’s shoes and try and see the world as they see it, that is, to exercise empathy” (Stradling, 2003, p. 14).

A perspetiva é, segundo Stradling, uma visão que está limitada pelo ponto de vista da pessoa que a expressa. Isto aplica-se também aos produtores de “(…) source material (the participants in past events, the eye-witness, the chroniclers, the officials and collators of

information) as it does to the historian.” (Stradling, 2003, p. 15). Os próprios historiado- res, têm os seus próprios preconceitos e preocupações e Stradling afirma que as perspeti- vas dos historiadores não são apenas influenciadas pelas fontes que investigam.

“Sometimes these preconceptions and preoccupations are personal and professional. A historian who seeks to offer a political perspective of events is likely to present what happened in a different way, emphasise different factors, assign greater significance to certain consequences and developments than, say, the economic or social historian.” (Stradling, 2003, p. 17)

Nesta linha de pensamento, Marília Gago afirma que o “passado é visto como uma re- construção do historiador e esta é feita através de respostas a questões que diferem e que estão em concordância com os critérios históricos definidos pelo historiador.” Assim, “o historiador interpreta a evidência, segundo o seu ponto de vista opinião, natural e legítimo no conhecimento histórico.” (Gago, 2007, p. 81).

Paralelamente, Arthur Chapman (2011) afirma que a História está intimamente relacio- nada com a perspetiva. Segundo este autor, e metaforicamente falando, uma perspetiva no passado “(…) is a form of short-hand for the ways in which the concepts, questions and practical interests that we bring to the study of the past shape the conclusions we draw” (p. 96). No entanto, Chapman afirma também que uma perspetiva histórica é sem- pre uma questão cognitiva e conceptual e não uma questão percetual, isto porque “(…) by emphasising this we draw attention to important aspects of historical thinking that students need to grasp and develop.” (Chapman, 2011, p. 96).

A multiperspetiva em História diz respeito às várias versões de um mesmo passado. Estas várias versões pretendem ser estudadas, analisadas, compreendidas e difundidas pela po- pulação. Porém, existem um conjunto de fatores que condiciona a análise e a importância destas versões, para um determinado grupo. Arthur Chapman explica que “(…) it is about understanding the different criteria of relevance and significance that different people bring to the task of making meaning about the past.” (Chapman, 2011, p. 96). A questão da multiperspetiva em História e do seu ensino é complexa e não obtém consenso entre os académicos que se dedicam ao ensino da História. Assim, é preciso ter em conta que, apesar de o ensino de várias perspetivas ser benéfico, no contexto educacional, como afirmam vários autores, existem muitos outros estudiosos que encontram constrangimen- tos neste tipo de abordagem histórica, como afirma Arthur Chapman. Já Robert Stradlings (2003) defende que aprender várias perspetivas de um mesmo acontecimento/processo requer um certo nível de empatia, o que exige que os alunos compreendam as razões e os

valores históricos subjacentes dos atores e produtores de narrativas históricas, de forma a que seja possível interpretar as evidências históricas, assim como as narrativas.

É, portanto, difícil encontrar um balanço no que diz respeito à integração de multiperspe- tiva nos currículos educacionais, uma vez que é impossível incluir todas as perspetivas. Contudo, ao selecionar e apresentar apenas um(a) ponto de vista/narrativa, acaba-se por fomentar um ensino parcial, facioso, pouco justo e desequilibrado. É, portanto, necessário encontrar o equilíbrio que permita aos alunos estudarem a perspetiva dos outros, de forma justa e imparcial, mas ao mesmo tempo, sem sobrelotar o currículo de História.

Parece-me que esta é uma questão bastante importante no contexto da Irlanda do Norte. É necessário aprender História factual, baseada em evidências, consistente e equilibrada, mas, ao mesmo tempo, o debate de várias perspetivas torna os cidadãos mais conscientes do ponto de vista do outro. Isto é, o ensino das várias perspetivas sobre os The Troubles40, presentes na Irlanda do Norte, permitiria conhecer as razões e as motivações ‘do outro’, os seus problemas e as suas intenções por detrás dos conflitos armados. Ao conhecerem estas perspetivas, os alunos estão a criar empatia, compreendem as motivações dos seus “rivais” e começam a ter uma base sólida para estudar os The Troubles, desvendando narrativas faciosas, com base em fontes e evidências, bem como em dados justos e im- parciais.

No entanto, é preciso ser extremamente cauteloso no momento de selecionar as perspeti- vas a incluir nos currículos educacionais, uma vez que todas as perspetivas são influenci- adas, de alguma forma. Todos nós possuímos a nossa própria perspetiva, influenciada pelo nosso contexto cultural, pela nossa nacionalidade, género, língua, contexto familiar, sistema educativo e político-social em que crescemos. É necessário um ensino de multi- perspetivas assente em evidências históricas, lógicas e consistentes, para que assim se evite o ensino e a disseminação de estórias.

Relativamente ao conceito de Verdade Histórica, Marcelo Fronza acredita que a verdade histórica “(…) enquanto processo de validação, a partir da relação entre as experiências do passado e os modelos referentes à interpretação do fluxo temporal, pode fornecer cri- térios para uma formação libertadora dos sujeitos que aprendem” (s/p, 2013). Isto porque, a verdade histórica liberta a população dos mitos e das falsas histórias em que acreditam, devido ao contexto económico, político e sociocultural em que nascem e crescem. Para

que seja possível estudar a verdade histórica, os historiadores têm de se debruçar sobre uma outra disciplina, isto é, a Filosofia, uma vez que é através da análise dos conceitos filosóficos de verdade que é possível estudar a verdade histórica, como afirma Tomislav R. Femenick (2015). Este autor explica que:

“os conceitos sobre verdade (como correspondência aos atos e fatos ou como coerência lógica) têm origem nas definições filosóficas da verdade, cabendo à historiografia tomar partido por essas ou aquelas definições, escolhendo procedimentos que ofereçam os melhores caminhos para a convicção da verdade” (S/p).

Femenick afirma também que a “verdade verdadeira” é uma “noção primitiva” e que em certas circunstâncias é possível aceitar várias conceções de verdade. Desta forma, cabe ao historiador a tarefa de procurar a verdade histórica, de forma a que seja possível apre- sentar “(…) os elementos históricos ao crivo dos vários conceitos de verdade” (2015, S/p). Como já foi dito, e segundo a perspetiva de Isabel Barca (2007), as evidências his- tóricas são ferramentas extremamente importantes para comprovar a veracidade de qual- quer afirmação feita, na investigação histórica. Contudo, vários autores defendem que não é possível alcançar a verdade histórica, uma vez que todos os seres humanos são influenciados pelas suas próprias perspetivas e preconceitos políticos, económicos e so- cioculturais. Femenick afirma que “se as ideologias são mecanismos de luta para se al- cançar o poder ou, mais comumente, de legitimadores da dominação, não podem gerar nenhum tipo de verdade” (S/p). Por outro lado, José Carlos Reis (2000) não concorda com esta visão e questiona-se o porquê do ceticismo em relação à verdade histórica, as- segurando que, regra geral, os historiadores ignoram este ceticismo, ou seja, os investi- gadores:

“(…) não vão deixar de fazer o seu trabalho só porque alguns pensadores, exteriores até à sua disci- plina, lhes dizem que o que fazem é ou impossível ou precário quanto ao rigor do resultado; ou melhor ainda: não vão aceitar que uma legislação exterior, feita por não historiadores, venha arrogantemente estabelecer o que seria um conhecimento histórico legítimo.” (p. 324).

Em suma, o conceito de verdade histórica não reúne muito consenso no meio académico. Contudo, este é um conceito muito importante, pois atribui credibilidade às afirmações que são feitas na investigação histórica. É o historiador que investiga e analisa as várias fontes disponíveis, de modo a formular conclusões sobre o que é possível ter como ver- dadeiro e falso. O conceito de verdade histórica é complexo, mas não é impossível de alcançar. Com uma investigação séria, equilibrada, imparcial e onde se consultam fontes

variadas, é possível alcançar conclusões que são o conhecimento histórico o menos sub- jetivo possível. É, pois, provável encontrar e difundir a verdade histórica, desde que este seja feito segundo um processo investigativo sério.