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Capítulo 1: Educação Histórica e Passados Dolorosos

1.2. Os The Troubles na Irlanda do Norte (1969-2007)

1.2.3. A divisão de uma nação

The Troubles é o nome dado aos conflitos ocorridos na Irlanda do Norte entre a década de 60 do século XX e o início do século XXI.

Estes conflitos marcados por episódios extremamente violentos surgem em consequência da divisão de uma nação em duas fações: a fação Nacionalista e a fação Unionista. Con- vém aqui referir que, até dentro dos dois grupos em conflito, existiam divisões e eram defendidas perspetivas diferentes. Por exemplo, os Nacionalistas desejavam a união das duas Irlandas, como já foi explicado. Contudo, este grupo rejeitava a violência como meio. Já os republicanos defendiam a união das Irlandas e a violência como um meio para atingir esse objetivo. Segundo Paul Dixon, para os Nacionalistas os britânicos eram neu- tros nesta questão, enquanto os republicanos os consideravam os únicos culpados pela situação que se vivia. Paralelamente, em 1970, é criado o partido político SDLP (Social Democratic and Labour Party) que defendia a visão Nacionalista (Dixon, 2008), en- quanto o partido Sinn Féin se dedicava à luta pelos ideais republicanos.

Desde 1969 que se verificou a divisão do movimento republicano, que culminou na cria- ção de vários grupos, cujo núcleo foi o IRA (Irish Republican Army). Isto é: Official IRA (OIRA)46, Provisional IRA (PIRA)47, Irish National Liberation Army (INLA)48; Conti- nuity IRA (CIRA) e The Real IRA (RIRA)49. Gerry Adams e Martin McGuiness foram os líderes do IRA mais preeminentes, que lutaram de forma política e militar pelo objetivo republicano (Dixon, 2008).

A minoria nacionalista constituía 3% da percentagem total de habitantes a residir na Ir- landa do Norte. Os Nacionalistas ambicionavam participar nas decisões sociais e políticas

46 De ala mais à esquerda (Dixon, 2008).

47 De ala mais à direita. Lutou contra o exército britânico entre 1969 e 1970. O partido Sinn Féin afastou- se do grupo PIRA, em 1986, de forma a criar o grupo armado CIRA (Dixon, 2008).

48 Fação que surge depois da separação com o OIRA e que lançou vários atentados terroristas contra as forças de segurança (1975) (Dixon, 2008).

49 Este grupo surge em consequência da divisão do PIRA no outono de 1997. Estes juntamente com o grupo CIRA continuaram a sua luta armada, sendo mais tarde responsáveis pelos atentados bombistas de Omagh, no verão de 1998 (Dixon, 2008).

da nação. Porém, o sistema eleitoral que existia foi substituído em 1925 por um menos equilibrado e vicioso, uma vez que tinha como principal objetivo aumentar o poder da fação unionista e diminuir a influência nacionalista na Irlanda do Norte. Com esta mu- dança, os Nacionalistas passaram a ter apenas cerca de 10,12 lugares no Parlamento de Stormont50, num total de 52 lugares. Como os autores referem, esta situação piorou ainda

mais devido à “re-drawing of electoral boundaries – particular at the local government level – to ensure Unionist majorities” (Edwards & McGrattan, 2010, p. 4). A esta ilegali- dade foi dada o nome de Gerrymandering51 (Edwards & McGrattan, 2010). Este esquema acabou por diminuir drasticamente o número de Assembleias locais controladas por Na- cionalistas e, segundo os mesmos autores, a Irlanda do Norte possuía 25 Assembleias nacionalistas em 1920, e passou a ter apenas quatro, cinco anos mais tarde. O caso mais gritante ocorreu na cidade de Derry, onde cerca de 65% da sua população eram Naciona- listas, mas a sua Assembleia foi controlada por Unionistas até 1968 (Edwards & McGrat- tan, 2010, p.4).

Já aqueles que pretendiam manter a união da Irlanda do Norte com o Reino Unido eram maioritariamente protestantes e também neste grupo existia quem defendesse o uso da violência como um meio para atingir este objetivo, (os loyalists), e aqueles que rejeitavam a violência neste processo para manter a união, isto é, os Unionistas. Segundo P. Dixon (2008), historicamente, a Irlanda do Norte sempre se mostrou leal ao Império britânico e prova disso é a presença de soldados Norte-Irlandeses na Batalha de Somme52 e também durante a Segunda Guerra Mundial, tendo o Reino Unido enfrentado a Alemanha Nazi sozinha, uma vez que a Irlanda se declarou neutra neste conflito. Também segundo o mesmo autor, aquando do surgimento do movimento pelos Direitos Civis (NICRA), na Irlanda do Norte, muitos Unionistas não acreditaram que este movimento lutava apenas pelos direitos civis da minoria católica, na verdade, esta fação via este movimento como uma forma de reabrir a questão da fronteira entre as duas Irlandas (Dixon, 2008). Foi

50 Assembleia da Irlanda do Norte, Belfast.

51 Gerrymandering: “To divide (a geographic area) into voting districts in a way that gives one party an unfair advantage in elections”. 1. The act, process, or an instance of gerrymandering. 2. A district or con- figuration of districts whose boundaries are very irregular due to gerrymandering.” http://www.thefreedic- tionary.com/gerrymander. Consultado a 07.12.2015.

52 “A Batalha do Somme de 1916 foi uma das mais longas e sangrentas da Primeira Guerra Mundial, entre as forças britânicas e francesas contra as forças alemãs (…). A guerra terminou com a vitória dos aliados britânicos - franceses. A primeira estimativa sobre o número de baixas no Somme estabeleceu que foram mortos, feridos e aprisionados 485.000 britânicos e franceses contra 630.000 alemães.” https://seuhis- tory.com/hoje-na-historia/termina-batalha-do-somme. Consultado a 06.01.2018.

talvez esta suspeita que levou a fação unionista a atacar este movimento ao longo das várias marchas, realizadas no final dos anos 60 e início dos anos 70.

Relativamente aos grupos políticos que defendiam a união da Irlanda do Norte com o Reino Unido, destacam-se: o Ulster Unionist Party (UUP), o Northern Ireland Labour Party, Ulster Democratic Party (UDP), Progressive Unionist Party (PUP) e o Democra- tic Unionist Party (DUP). Paralelamente, grupos de “defesa” surgem a par com os con- flitos entre católicos e protestantes como: o Ulster Defence Association53, Ulster Freedom Fighters (UFF), Ulster Volunteer Force (UVF)54, Loyalist Volunteer Force (LVF).

Durante os anos de conflito entre protestantes e católicos foram muitas as referências a acontecimentos passados, como já foi dito. Os Unionistas relembravam os seus apoiantes dos massacres de 1641, em que vários cidadãos protestantes foram assassinados pela po- pulação católica, num ato de revolta contra a expropriação das terras pertencentes a pro- prietários católicos e a favor dos novos colonos protestantes, (maioritariamente escoce- ses). Ainda no século XVII, em 1690, o católico James II e o protestante William of Orange lutaram pela coroa inglesa, na batalha de Boyne. William venceu o candidato católico e foi aclamado rei (Dixon, 2008). Com esta vitória, a supremacia protestante ficou assegurada na Província de Ulster. Esta hegemonia veio reforçar os privilégios da comunidade protestante nesta nação, ao contrário dos direitos da população católica que se viu cada vez mais subjugada à vontade Unionista. Já os Nacionalistas evocavam a invasão da Irlanda e o conflito Anglo-Normando de 1169, os massacres levados a cabo por Oliver Cromwell durante a década de 40 do século XVII, a extinção do grupo United Irishmen Rebellion nos anos 90 do século XVIII e a execução dos líderes da revolução Easter Rising55 em 1916 (Edwards & McGrattan, 2010).

Entre 1697 e 1727, foram muitas as leis criadas para reduzir os direitos da população católica como, por exemplo: os católicos não podiam receber educação superior, não po- diam ser advogados ou solicitadores, não podiam comprar ou alugar uma propriedade por

53 Este grupo foi criado em 1971 para defender a sua comunidade. O que começou como um grupo político acabou por se transformar, mais tarde, num grupo paramilitar renomeado Ulster Freedom Fighters (UFF) (Dixon, 2008).

54 Criado no ano de 1996 e responsável por várias mortes. Tinha como fação política o partido Progressive

Unionist Party (PUP) (Dixon, 2008).

55 Em Português: Insurreição Pascal - Nome dado à primeira tentativa de independência, face ao domínio britânico, levada a cabo por um grupo de rebeldes, na Irlanda do Sul.

mais de 31 anos, não podiam votar, ser membros do Parlamento ou trabalhar para o Es- tado. A este conjunto de leis discriminatórias foi dado o nome de Protestant Ascendancy (Rea & Wright, 1998). Ainda no século XVIII, Wolfe Tone, protestante, juntamente com Irlandeses católicos e presbiterianos, tentaram a independência da Irlanda em relação ao domínio britânico. Contudo, esta rebelião não foi bem-sucedida e, em 1801, foi criado o Act of Union, que decretou que o Parlamento irlandês fosse integrado no Parlamento bri- tânico. Posteriormente, entre as décadas de 40 e 50 do século XIX, a Irlanda foi abalada pela Irish Famine56, uma praga que destruiu a produção agrícola da Irlanda, cujos bens eram essenciais. Devido à falta de recursos alimentares e com as doenças resultantes da má nutrição, mais de um milhão de pessoas morreram e muitos outros emigraram para os Estados Unidos, Canadá e Inglaterra (Dixon, 2008). Apesar desta catástrofe ter tido cau- sas naturais, o império britânico pouco ou nada fez para ajudar os seus súbditos, deixando a população desamparada e sem recursos para sobreviver. Muitos são os católicos Naci- onalistas que culpam, (ainda hoje), o império britânico pelas muitas mortes que desertifi- caram a Irlanda em apenas uma década57.

Tendo bem vivos todos estes acontecimentos aos longos dos séculos, a população católica e protestante prolongou as suas discórdias, ano após ano, atingindo o seu expoente má- ximo durante grande parte da segunda metade do século XX e início do século XXI.