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Capítulo 1: Educação Histórica e Passados Dolorosos

1.2. Os The Troubles na Irlanda do Norte (1969-2007)

1.2.5. Northern Ireland Civil Rights Association – NICRA

Em 1958, o partido nacionalista, apoiado pelo Northern Ireland Labour Party, apresentou no Parlamento da Irlanda do Norte uma resolução que condenava o facto de a Irlanda do Norte ser o único país do Reino Unido sem sufrágio universal, ou seja: “recognising that Northern Ireland is the only part of these islands which denies universal adult suffrage in local government elections”, segundo Edwards e McGrattan (p.16). Este foi, segundo os mesmos autores, exatamente o mesmo problema que, 10 anos mais tarde deu início a um período controverso na província de Ulster (Edwards & McGrattan, 2010).

Assim, ignorando o facto de os direitos civis da população serem diariamente postos em causa, o Governo britânico nada fez para impedir ou travar a hegemonia unionista, na Irlanda do Norte. Consequentemente, a minoria católica, sem representação política ou poder de voto, continuou a viver sob a alçada unionista e a sua supremacia. As conse- quências desta realidade foram desastrosas para a Irlanda do Norte.

Assim, aquando da campanha eleitoral para as eleições de Westminster, registaram-se alguns confrontos que culminaram na morte de dois cidadãos católicos, cuja responsabi- lidade foi atribuída ao grupo paramilitar Loyalist-Ulster Volunteer Force (UVF), como afirma Paul Dixon (2008). Foi devido à segregação social e a todas as injustiças que afe- tavam os cidadãos católicos e não católicos que surgiu o movimento Associação pelos Direitos Civis da Irlanda do Norte (Northern Ireland Civil Rights Association – NICRA). Este grupo teve um papel importantíssimo no espoletar dos The Troubles, embora fosse

Brian Maginess, “under sub-section (3) of section one of the Civil Authorities (Special Power) Act (North- ern Ireland), 1922”, onde é possível ler: “And whereas the said Minister is empowered by the said sub- section (3) to make Regulations for making futher provisions for the preservation of the peace and mainte- nance of order (…)”. http://www.legislation.gov.uk/nisro/1950/48/pdfs/nisro_19500048_en.pdf. Consul- tado a 07.12.2019.

um movimento não violento e sem intenções políticas. O NICRA foi criado em agosto de 1966 e os Unionistas temiam que tivesse alguma ligação com os republicanos, embora o grupo não tivesse intenções políticas. No entanto, foi o local da sua origem que despertou as suspeitas dos Unionistas, uma vez que o grupo NICRA foi criado “at the home of a well-known IRA man” (Edwards & McGrattan, 2010, p. 18).

A ideia “um homem, um voto” era o lema para as eleições de Westminster59, Stormont e

também para as eleições locais. Contudo, o direito ao voto estava diretamente associado ao número de propriedades que cada cidadão possuía. Os líderes Unionistas estavam conscientes que, sem esta restrição de votos, a sua supremacia seria facilmente substitu- ída. Como Brian Faulkner60 referiu:

“(…) we cannot publicise our views on this matter. The reasons are quite obvious…The Unionist Party and Government [is] safeguarding the position of the Loyalists of Ulster. The Socialists can go out on the highways and by-ways and air their views but if we were to allow universal suffrage…we may lose Derry city and…could lose Fermanagh” (Citado por Edwards & McGrattan, 2010, p. 16). Este esquema era suportado ainda pela dispersão das habitações da população católica, de forma a evitar a aglomeração de Nacionalistas e, assim, assegurar a supremacia dos Unionistas, ou seja, “The system of domination was reinforced through a misallocation of houses in key wards (…)”. Para além disso, os cidadãos católicos estavam fracamente representados nos empregos do Estado, como afirmam os autores: “(…) and a dispropor- tionate representation of Catholics in public employment”, de forma deliberada, visto que os mesmos eram incentivados a não participar na vida política, nem nos serviços civis (Edwards & McGrattan, 2010, p. 16). Por exemplo, no início da segunda metade do sé- culo XX, 61% da população de Omagh era católica, mas dos 21 vereadores da cidade, apenas nove eram católicos. Já em Lurgan, 46% da população era católica, mas não pos- suíam nenhum representante na sua Assembleia local. Em Armagh, no ano de 1961, 53.5% dos cidadãos da cidade eram católicos, no entanto, na Assembleia local 12 verea- dores eram protestantes e apenas 8 eram católicos. A realidade relativamente aos empre- gos do Estado era bastante semelhante: na cidade de Lurgan, a Assembleia empregava um total de 156 pessoas, das quais 25 eram cidadãos católicos. Em Armagh, a situação era ainda mais gritante, uma vez que a Assembleia empregava 201 trabalhadores, onde

59 Parlamento do Reino Unido, instalado na cidade de Londres.

60 Líder unionista e Primeiro-Ministro da Irlanda do Norte entre 1971-1972 (Edwards & McGrattan, 2010, p.37).

apenas 8 eram católicos (Edwards & McGrattan, 2010). Outro exemplo da discriminação sofrida pela população católica prende-se com a atribuição injusta das habitações do Es- tado. Um dos casos mais mediáticos registou-se em junho de 1968, quando uma jovem protestante, solteira e sem filhos, recebeu uma habitação social, ultrapassando na lista de espera famílias católicas61, muitas delas com filhos e carências económicas. Este caso gerou muita polémica e recebeu especial atenção por parte dos media.

Assim, de forma a acabar, de forma definitiva, com a discriminação a que os cidadãos eram diariamente sujeitos, o grupo NICRA exigia: que os votos não estivessem associa- dos ao número de propriedades que os cidadãos possuíam, uma vez que, uma propriedade equivalia a um voto, duas propriedades a dois votos e assim sucessivamente; que os Con- celhos locais, ou Local Councils, atribuíssem as casas do Estado de forma justa e equili- brada; que a prática Gerrymandering fosse suprimida; que a religião não fosse um fator determinante para obter um emprego do Estado; o fim do Ato de Poderes Especiais; e a dissolução do grupo B-Specials62. Desta forma, para que as suas exigências fossem ouvi- das, este grupo organizou várias marchas de forma a pressionar o Governo da Irlanda do Norte. Assim, “The first civil rights march took place from Coalisland to Dungannon on Saturday August 14, 1968. It was organised to protest against housing allocation in the area and it was supported by more than 2,000 people.63”

Depois desta marcha, o grupo NICRA acabou por ser convidado pelo Derry Housing Action Committee, (DHAC), a fazer uma nova marcha pacífica, agendada para o mês de outubro desse mesmo ano. Contudo, quando o NICRA anunciou a intenção de marchar pelas ruas de Derry, um grupo protestante denominado de Apprentice Boys of Derry co- municou que iria marchar no mesmo dia e na mesma rota que o grupo. Na iminência de um confronto, o Ministro dos Home Affairs, William Craig proibiu todas as marchas pla- neadas para aquele dia. No entanto, o grupo NICRA ignorou a proibição do Ministro e iniciou a sua marcha na Duke Street que devia terminar na Diamond, no centro da cidade

61 “In the half century of Northern Ireland's existence, the Catholic minority had been subject to various kinds of discrimination as Unionists took steps to protect their power - most notably by manipulating public housing. (…) In the late 1960s a group of nationalists began to work for change, focusing initially on hous- ing. In June 1968 the young nationalist politician, Austin Currie, staged the first direct-action protest with a sit-in at a council house that had been unfairly allocated to an unmarried Protestant woman when there were Catholic families who had been waiting longer.”

http://news.bbc.co.uk/hi/english/static/northern_ireland/understanding/events/civil_rights.stm. Con- sultado a 10.05.2019.

62 https://www.bbc.co.uk/bitesize/guides/z3w2mp3/revision/2. Consultado a 09.12.2017. 63 https://cain.ulster.ac.uk/events/crights/nicra/nicra782.htm. Consultado a 05.08.2019.

de Derry. Esta intenção não se viria a realizar, uma vez que os manifestantes acabaram por ser travados pelas forças policiais RUC, que os enfrentaram com bastonadas e ca- nhões de água. As cenas de violência foram captadas por várias câmaras televisivas e transmitidas ao mundo. Em consequência, muitas outras manifestações, (que culminavam sempre de forma violenta), seguiram-se ao longo do ano de 1968. Mais tarde, o grupo People’s Democracy organizou mais uma marcha a ter lugar também em Derry, para ja- neiro de 1969. Este grupo de manifestantes acabaram por sofrer uma emboscada à saída da cidade de Derry. Os atacantes eram loyalists de Derry e, alguns deles, foram posteri- ormente identificados como sendo membros das forças de segurança, nomeadamente B- Specials64.

Depois destes incidentes, o NICRA foi ganhando cada vez mais apoiantes. Uma outra consequência, da maior importância, prende-se com o facto do surgimento de muitos ou- tros confrontos após as marchas realizadas entre 1968 e 1969, o que levou o Governo, sediado em Londres, a enviar tropas para a Irlanda do Norte, numa tentativa de manter a segurança nas ruas (Edwards & McGrattan, 2010). Foi com esta medida que o IRA viu a sua oportunidade de entrar na Irlanda do Norte pela luta da independência, alegando a proteção da população contra o exército britânico. Iniciaram-se assim, violentos ataques contra o exército no início da década de 70. No final de 1969 e no início dos anos 70, outros episódios reforçaram a violência inferida pelo PIRA65. Este grupo justificava os

seus ataques com os seguintes acontecimentos: “Protestant pogroms such as Bombay Street, which witnessed mass evacuations of Catholics, and British Army incursions such as in the Falls area between 2nd and 5th June 1970, during which five Catholics were killed (…)” (Edwards & McGrattan, 2010, p. 22).

Foi em janeiro de 1972 que ocorreu o acontecimento mais polémico e impulsionador de muitos outros atos de violência, na província de Ulster: o Bloody Sunday ou Domingo Sangrento.

“About ten thousand people gathered in the Creggan area of Derry on the morning of Sunday 30 January 1972. After prolonged skirmishes between groups of local youths and the army at barricades set up to prevent the march reaching its intended destination (Guildhall Square in the heart of the city), paratroopers moved in to make arrests. During this operation, they opened fire on the crowd, killing

64 http://www.bbc.co.uk/history/events/day_troubles_began. Consultado a 09.12.2017.

65 PIRA (Provisional IRA), que pretendia dar resposta aos ataques feitos pelos grupos protestantes e exército britânico contra a população católica, no final de 1969 (Edwards & McGrattan, 2010).

thirteen and wounding 13 others. The dead were all male, aged between seventeen and forty-one. Another man, aged fifty-nine, died some months later from injuries sustained on that day. The wounded included a fifteen-year-old boy and a woman.”66

Em consequência da lei imposta pelo governo, que autorizava a prisão de suspeitos sem julgamento, (Internment), e da qual só resultavam, na sua maioria, detenções de suspeitos católicos, foi organizada pelo movimento NICRA, uma marcha de protesto Anti-Inter- nment em Derry, a 30 de janeiro de 1972. Cerca de 10000 pessoas marcharam em Derry pelo fim desta política (Killeen, 2012). Este incidente, do qual resultou a morte de 14 homens desarmados, começou quando um grupo de jovens tentou passar as barreiras de proteção para atacar a polícia e o exército com pedras e barras de ferro (Edwards & McGrattan, 2010). A força de segurança destacada para controlar esta marcha foi o Regi- mento de Paraquedistas do exército britânico, uma força treinada para “atirar primeiro e fazer as perguntas depois67”, como refere o autor Richard Killeen. Segundo o mesmo autor (2012), “of all the regiments in the army, they were probably the least appropriate to deploy in a tense law-and-order situation” (p. 290). Este acontecimento foi muito po- lémico e levou o Governo a abrir um inquérito de forma a averiguar os responsáveis. Este inquérito foi conduzido pelo juiz Lord Widgery, que concluiu que os manifestantes esta- vam armados. Só em 2009, com o relatório do Lord Saville, é que foi provado que as forças do exército britânico dispararam contra 14 pessoas desarmadas, cidadãs do Reino Unido (Killeen, 2012). No entanto, este continua a ser um tópico muito polémico e sem consenso, uma vez que continua presente nos meios de comunicação social, como já foi referido na introdução deste estudo68. Contudo, apesar de não se saber quem fez o pri- meiro disparo, existem diversas versões dos acontecimentos que chocaram a Irlanda do Norte, em 1972. Por exemplo, os autores A. Edwards e C. McGrattan (2010), acreditam que o IRA poderá ter iniciado os disparos, uma vez que se encontrava ativo naquela área:

66 http://www.bbc.co.uk/history/bloody_sunday. Consultado a 09.12.2017. 67 Killeen, 2012, p. 290 – Tradução da autora.

68 “Former British soldier held over Bloody Sunday killings released on bail”, Notícia presente no Jornal

The Guardian a 11 de novembro de 2015. Segundo a mesma notícia, um dos ex-soldados presente no Do-

mingo Sangrento, foi preso e libertado após o pagamento da sua fiança. Este ex-soldado, agora reformado e com 66 anos foi o primeiro a ser detido em sequência das investigações sobre a morte dos 14 marchantes presentes no Domingo Sangrento. Este ex-soldado é acusado da morte dos jovens: William Nash, 19 anos; John Young, 17 anos e Michael McDaid, 20 anos. Para além disso, o suspeito é acusado de tentativa de homicídio, uma vez que disparou sob Alexander Nash, pai de William Nash, que correu até à barreira para salvar o filho, mas acabou por ser baleado no braço e no corpo. Notícia completa em: http://www.theguar- dian.com/uk-news/2015/nov/11/former-british-soldier-held-over-bloody-sunday-killings-released-on-bail. Consultado a 08.12.2015.

“the best account of the day indicates that IRA were active in the area at the time and most likely opened fire on the army” (Edwards & McGrattan, 2010, p. 24).