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_O Plano Diretor Participativo de Fortaleza: o que tem de novo?

3. Título III – Do Sistema de Planejamento e Gestão: Capítulo I – Da Estrutura Funcional

5.2 A primeira revisão do PDDU: uma visão tecnocrática

5.2.2 O conteúdo do PDDUA

Não é objetivo desta tese analisar o conteúdo do PDDUA. Entretanto, é importante destacar duas questões tratadas por ele acerca das temáticas abordadas neste trabalho, que englobam a reforma urbana e o conteúdo que está sendo discutido.

Inicialmente, esse plano tratava, desde suas diretrizes, da construção coletiva da cidade e da participação popular como fundamento essencial para o planejamento urbano e ambiental daquela, apesar de isso não ter sido valorizado quando da elaboração da proposta, conforme discutido anteriormente. Essa diretriz também não se rebatia no conteúdo do plano, pois o “Título VI – Da Participação Popular”, apesar de buscar garantir a “participação direta da população no processo de gestão da política urbana”, previa o Sistema Municipal de Gestão do Planejamento (GEPLAN), que seria composto pelo

Conselho de Planejamento Estratégico – CPE e pelo Conselho de Orientação Político-Administrativo do Município (COPAM), pelas Secretaria Municipal de Planejamento e Orçamento (SEPLA), Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Infra-estrutura (SEINF), Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano (SEMAM), Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), e pelos órgãos de execução representados pelas entidades integrantes da administração direta, indireta, fundacional e administrações regionais. Além disso, de forma vaga e genérica, indica-se que também comporiam o GEPLAN os conselhos e as comissões instituídos no âmbito do Município.

Os Arts. 208 a 211 indicam a existência de duas comissões e dois conselhos que parecem inscrever-se no Sistema de Planejamento: a Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor (CPPD); a Comissão Normativa de Desenvolvimento Urbano – CNDU; o Conselho Municipal de Meio Ambiente – COMAM; o Conselho Municipal de Habitação Popular – COMHAP (MACHADO, 2010, p. 272).

Assim sendo, percebe-se que não foram previstos, para participar do Sistema, os movimentos sociais, alijados, mais uma vez, dos processos de planejamento e gestão da cidade. Ainda naquele título, estavam previstos os mecanismos de participação popular, que não continham nada além do previsto pelo Estatuto da Cidade, citando, simplesmente, os seguintes instrumentos:

Audiências públicas; Projetos de lei de iniciativa popular referentes a planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; Conselhos instituídos no âmbito do Município; Referendo; Plebiscito; Fórum Adolfo Herbster79; Conferência da Cidade; Conferência Municipal de Meio Ambiente (MACHADO, 2010, p. 272).

Em segundo lugar, em relação aos assentamentos precários, o plano não previa as ZEIS, como define o Estatuto da Cidade, mas estabelecia, entre as áreas especiais do zoneamento, as Áreas de Interesse Social (AIS). De acordo com o PDDUA, as áreas especiais são aquelas “cujas características peculiares as tornam impróprias para a ocupação, ou cuja ocupação só pode ocorrer se forem obedecidos parâmetros mais rigorosos, além de áreas destinadas à regularização fundiária” (MACHADO, 2010, p. 266). Os limites dessas áreas, entretanto, não foram definidos espacialmente, e a sua regulamentação ficaria para depois da aprovação do plano, estando no texto do projeto de lei que essas áreas,

por exigência de detalhamento e em função das suas especificidades, serão objeto de estudos e, se necessário, planos urbanísticos, quando ficarão sujeitas à aplicação das diretrizes da política urbana através dos instrumentos definidos nesta Lei, sendo assegurada a participação da população da zona especial na elaboração e execução de cada plano urbanístico referido (PDDUA/FOR apud MACHADO, 2010, p. 266).

Apesar de estarem inseridas no documento, o projeto de lei previa que os limites das Áreas de Interesse Social poderiam ser alterados de acordo com os interesses do poder público, não vinculando à aprovação da própria comunidade, apesar de na citação anterior estar assegurada a participação popular. Dessa forma, não fica claro no texto como se daria essa participação. Assim, o plano afirma que

[os] perímetros das áreas especiais poderão ser alterados por lei, mediante proposta de um dos poderes municipais, com os pareceres da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Infraestrutura – SEINF, da Secretaria Municipal de Meio

79 O Fórum Adolfo Herbster foi um fórum de debate da cidade, existente na década de 1980, quando da abertura política,

mas ainda durante o governo militar. Ele se propunha a discutir temas relevantes para a cidade, mas não se configurou como um real espaço de participação popular. O plano propunha, portanto, retomar esses espaços de debate, mas não apresentava um formato para que eles acontecessem.

Ambiente e Controle Urbano – SEMAM, com posterior apreciação da CPPD e do COMAM, em função da: I. Degradação das condições naturais do ambiente; II. Poluição em suas várias manifestações; III. Saturação das densidades de usos; IV. Sobrecarga na infraestrutura (PDDUA/FOR apud MACHADO, 2010, p. 267).

Além dessas áreas para moradia popular, o PDDUA também previa os conjuntos habitacionais como solução para os projetos de urbanização de áreas onde seriam implantados programas habitacionais. Percebe-se, dessa forma, uma maior valorização, mais uma vez, da construção de conjuntos em detrimento da manutenção e do melhoramento das casas existentes, além do respeito à permanência no lugar. Assim estabelecia o texto do projeto de lei:

“conjuntos habitacionais de interesse social”, definidos como “projetos destinados a urbanização de áreas para implantação de programas habitacionais, incluindo a infra-estrutura”, devendo ser “enquadrados pelas entidades governamentais federais, estaduais e municipais para atendimento da população de baixa renda” (PDDUA apud MACHADO, 2010, p. 266, grifos do autor).

A definição em relação à construção e à localização dos conjuntos habitacionais de interesse social, entretanto, seria feita de forma bastante centralizada pela prefeitura – seja pela SEINF, seja pela SEMAM – e marcada pela falta de espaços de participação popular nas decisões, apesar de as diretrizes do plano apontarem para o contrário, conforme se percebe nas passagens a seguir:

Art. 96

Parágrafo Único – O Chefe do Poder Executivo definirá os critérios para enquadramento como Conjunto Habitacional de Interesse Social, quando se tratar de empreendimentos da iniciativa privada ou de comunidades através de suas entidades representativas.

Art. 97 O pedido de aprovação dos projetos de construção de Conjuntos Habitacionais de Interesse Social deverá ser precedido de solicitação de Análise de Orientação Prévia – AOP, à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Infraestrutura – SEINF, devendo o pedido de aprovação definitiva ser encaminhado somente depois de obter o parecer favorável.

Art. 98 Após a Análise de Orientação Prévia, os projetos para construção dos Conjuntos Habitacionais de Interesse Social deverão ser submetidos à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano – SEMAM, sendo permitida a sua aprovação somente em bloco, compreendendo o parcelamento do solo, edificações e infra-estrutura (PDDUA/FOR apud MACHADO, 2010, p. 298).

Assim, essas áreas especiais de interesse social e a proposta para os conjuntos habitacionais de interesse social representavam, no PDDUA/FOR, a fragilidade e a falta de prioridade das áreas de moradia popular, para regularização fundiária e reforma urbana. As ZEIS, já previstas na legislação federal, deveriam garantir a efetividade desses direitos, mas essas áreas não poderiam promovê-los. Dessa forma, percebe-se que em termos de conteúdo o plano não contemplava o que estabelece o Estatuto da Cidade, principalmente em seus objetivos principais: o cumprimento da função social da propriedade, o direito à cidade e a participação popular.