• Nenhum resultado encontrado

_A formação das localizações em Fortaleza e o planejamento urbano excludente

MAPA 05. Mancha urbana, loteamentos e localização das favelas no início da década de

2.1.3 Terceiro período: planejamento participativo

A mudança em relação ao caráter dos planos diretores se deu a partir da aprovação da Constituição Federal de 1988, que incluiu dois importantes artigos no capítulo da Política Urbana. A Carta descentralizou a gestão territorial, repassando para os municípios a responsabilidade do planejamento e da gestão do seu território, e definiu o Plano Diretor como instrumento máximo de planejamento urbano, trazendo de volta a crença do Plano Diretor como objeto essencial do planejamento urbano no Brasil.

A partir da década de 1990, consequentemente, várias cidades voltaram a produzir seus planos, agora transformados em leis. Esses, devido às exigências da Constituição Federal, trouxeram muitos dispositivos inovadores, instrumentos urbanísticos e outras ferramentas com intuito de fazer cumprir a função social da propriedade. As inovações propostas pela Constituição só se efetivaram (e com limites) depois da aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001, que apresentou os instrumentos urbanísticos de maneira mais completa e estabeleceu como estes deveriam ser apropriados pelos planos diretores.

A Constituição Federal e o Estatuto da Cidade representaram, portanto, importantes avanços. Foram conquistados com muitas dificuldades, mas suas consequências não foram as esperadas; isso porque

as inovações trazidas por essas leis iam de encontro aos interesses hegemônicos. Segundo Ferreira (2010), a aplicação dos Instrumentos do Estatuto da Cidade pelo Estado iriam atuar no sentido inverso à história da formação da sociedade brasileira, à sua lógica patrimonialista de defesa dos interesses dominantes.

Em Fortaleza, o plano que representa esse período é o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU-FOR, Lei no 7.061, de 16 de janeiro de 1992) e sua revisão, após aprovação do Estatuto da Cidade, na forma do Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDP-FOR, Lei Complementar no 62, de 13 de março de 2009).

O PDDU-FOR foi desenvolvido após a aprovação da Constituição Federal, e das leis de parcelamento do solo, federal e municipal. O plano, já em sua apresentação, identificou a existência de grandes desigualdades no espaço urbano, propondo-se a solucioná-las.

A produção do espaço urbano retrata essas desigualdades, configurados no acesso e forma de apropriação da terra.

[...]

O reconhecimento das carências existentes, a fragilidade das bases do desenvolvimento econômico, a situação de escassez dos recursos públicos, a degradação do meio ambiente, a ocupação e a expansão urbanas sem a implantação correspondente de infra-estrutura dos serviços básicos, constituíram os elementos delineadores da definição das diretrizes do Plano. Portanto, a proposta teve como pressupostos básicos a cidade existente e suas efetivas possibilidades de transformação.

[...]

Reconheceu-se o processo de uso e ocupação diferenciados do solo urbano, pela consideração dos Conjuntos Habitacionais de Interesse Social e os Assentamentos Espontâneos (favelas), que suscita a questão da regularização da cidade ilegal. [...]

A compreensão de que a cidade deve ser planejada com a participação dos diversos grupos sociais que a compõem e de que o Plano Diretor é o instrumento de mediação dos conflitos urbanos, levou à definição dos canais de integração da sociedade com o Poder Público. (FORTALEZA, 1992, p. 13-15).

Dessa forma, o plano incluiu diversos assuntos, sendo mais amplo e geral do que os planos anteriores, o que é uma forte característica desse período. Ele assegurou, em suas diretrizes gerais, o cumprimento da função social da terra urbana, a regularização fundiária, a participação popular a partir de conselhos, o fundo de terras municipal, entre outros assuntos. Para garantir isso, tratou da regulamentação da produção do espaço, abordando o zoneamento com seus indicadores de ocupação e tipos de usos permitidos, os vazios urbanos, o sistema de transporte e os sistemas viário e de circulação, a infraestrutura urbana e o sistema de planejamento e gestão. O plano apresentou ainda,

pela primeira vez e mesmo antes da aprovação do Estatuto da Cidade, alguns instrumentos urbanísticos, como: Regularização Fundiária, Solo Criado, Operação Urbana Consorciada (OUC), Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios, Contribuição de Melhoria e Imposto Progressivo no Tempo.

Os instrumentos propostos, entretanto, não foram capazes de democratizar a apropriação e produção do espaço urbano. Muitos deles não foram sequer utilizados e outros não foram aplicados corretamente de forma a promover alterações significativas.

Não houve planos ou programas de regularização fundiária para os assentamentos precários, nem mesmo para os conjuntos habitacionais construídos pela própria prefeitura. Propôs-se somente uma OUC durante o período de vigência desse plano, a OUC do Riacho Maceió. Entretanto, ela só foi executada após a aprovação do plano seguinte. Os instrumentos de cumprimento da função social da propriedade não foram utilizados e os de participação popular, como os Conselhos, foram utilizados, mas não promoveram uma real democratização da gestão, visto que eram muitos, criados de forma desconectada, a maioria não deliberava e representavam muito mais instrumentos informativos do que de tomada de decisão e construção coletiva. Na área urbana foi criada a Comissão de Avaliação Permanente do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (CPPD), já prevista pela Lei Orgânica do Município, em seu artigo 160, e em vigor até hoje.

O plano tratou ainda da zona de expansão sudeste da cidade, para onde estavam indo os investimentos imobiliários privados, classificando-a como Zona Adensável e estabelecendo que:

Art. 41.

II – zona adensável é aquela atendida em parte pelo sistema de abastecimento d'água, sem sistema de coleta de esgotos, onde se verifica uma tendência de expansão das atividades urbanas, com possibilidade de ordenamento e direcionamento da implantação da infra-estrutura, sem prejuízo da ocupação existente (FORTALEZA, 1992, p. 54).

Dessa forma, o PDDU-FOR consolidou aquela área de expansão, direcionada inicialmente pela iniciativa privada, e determinou que fossem feitos investimentos públicos em infraestrutura urbana nessa direção. Entretanto, essa expansão se deu com grandes impactos para a estrutura urbana, que ainda não era adequada, e para o meio ambiente, muito frágil nessa área, provocando a necessidade de ampliação da infraestrutura, o que valorizou ainda mais as localizações nesse eixo.

Esse período resultou, portanto, na concentração da população de rendas média alta e alta no setor leste da cidade (Mapa 04), com tendência de expansão para sudeste. A existência de grande fragilidade ambiental, caracterizada pela presença do rio Cocó (principal recurso hídrico que corta a cidade), promoveu também a convergência de ocupações em áreas de risco. O deslocamento nesse sentido resultou ainda em uma alta quantidade de assentamentos precários dispersos pelo território.

2.2 O lugar dos pobres na cidade de Fortaleza: a política habitacional e a falta de