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_A (Des)Construção das ZEIS em Fortaleza

MAPA 10. Vazios urbanos identificados pelo PLHIS e ZEIS

Fonte: Dados Vazios: FORTALEZA, 2010a; Dados ZEIS: FORTALEZA, 2009

6.4 As ZEIS do tipo 1: assentamentos precários

A definição e delimitação das ZEIS do tipo 1, segundo maior parte dos entrevistados, se deu de acordo com a proposta feita pelos movimentos sociais individualmente, e pela rede NUHAB, em coletivo. Foi consenso entre os entrevistados que a equipe que desenvolveu o PDPFor não teve tempo suficiente para desenvolver um diagnóstico aprofundado das questões habitacionais e, portanto, aproveitou o trabalho já previamente feito pelos movimentos sociais.

Dessa forma, na aprovação do PDPFor, foram definidos 44 poligonais. Nenhuma das propostas apresentadas no Congresso do Plano Diretor foi recusada, ou modificada, segundo entrevistado 06. Entretanto, há uma questão relevante a ser destacada e que não é consenso entre os entrevistados: uma das mais antigas e consolidadas ocupações de Fortaleza, o Lagamar, não foi definida como ZEIS na lei do plano diretor. Segundo os entrevistados dos movimentos sociais, da academia, e principalmente as lideranças da própria comunidade, houve representação dessa comunidade nos

eventos, incluindo o Congresso do Plano Diretor92. O motivo do não reconhecimento como ZEIS se deu, então, pois o poder público tinha planos de intervir na área o que iria conflitar com a delimitação da zona especial. Para os representantes da Prefeitura da época, o motivo foi por que essa comunidade estava desarticulada, e não participou do processo de maneira efetiva, organizada. Ainda de acordo com eles, não houve uma representação significativa, e a proposta de inserção do Lagamar não foi feita durante os eventos participativos. De acordo com o entrevistado 06, a proposta de inclusão do Lagamar como ZEIS foi feita quando o projeto de lei foi discutido na câmara municipal, e reforçada pela Prefeitura, entretanto, foi negada pelos vereadores. Em sua opinião, o motivo de não ter sido aceito foi o mesmo que os moradores do Lagamar alegaram, aqueles conflitos de interesses.

Apesar desses fatos, em 2010, através da Lei Complementar no 0076, o Lagamar foi finalmente transformado em ZEIS do tipo 1, e essas passaram a contabilizar 45 poligonais.

As principais mudanças que apontam para a desconstrução dessas ZEIS, após sua aprovação, se deram, inicialmente a partir de mudanças na própria lei, e em seguida devido às transformações urbanas e ameaças aos seus territórios. Essas modificações se dão, pois existem conflitos diretos entre essas zonas e outros interesses existentes na cidade, imobiliários e político-econômicos, visto que algumas dessas poligonais estão definidas em área centrais, ou mesmo da zona litorânea da cidade.

A mudança inicial na legislação representa os interesses imobiliários e fundiários, visto que existem terrenos vazios dentro de áreas de ZEIS 1, e que estão localizados em porções valorizadas da cidade. Dessa forma, a Lei Complementar no 0108 de 30 de maio de 2012, retira os imóveis e terrenos vazios da função de ZEIS, quando localizados dentro de uma ZEIS do tipo 1. Essa perda é significativa para essas zonas, pois são áreas muito adensadas e carentes de equipamentos urbanos, o que demanda terrenos livres dentro de seus limites para atender a essas demandas. De acordo com o texto da lei:

Art.1° Fica acrescido ao art.125 o §4°, e os §§1°, com os incisos I e II, 2° e 3° ao

art. 126, todos da Lei Complementar no 0062, de 02 de fevereiro de 2009, que passam a vigorar com a seguinte redação:

(…)

“Art. 126 ………

§ 1° São inválidas e sem eficácia como Áreas de Zona Especial de Interesse Social – 1 (ZEIS – 1) as áreas que, embora situadas dentro dos limites da ZEIS – 1, sejam constituídas de:

92 Não encontramos comprovações desse fato, pois não tivemos acesso às listas de presença dos eventos participativos do

PDPFor. Segundo a Prefeitura, com a mudança de gestão (atualmente há uma gestão de oposição àquela da elaboração do plano), nem todos os registros foram repassados.

I - imóveis vazios, não utilizados pela população do assentamento irregular, desde que comprovada a regularidade da propriedade;

II - imóveis ocupados por qualquer atividade, que não sejam utilizados pela população do assentamento irregular, desde que comprovada a regularidade da ocupação.

§ 2° Aplica-se a esses terrenos de que trata o § 1° a que dispõe a legislação urbana para a zona em que se situam as mesmos.

§ 3° O enquadramento desses terrenos será feito pelos órgãos municipais competentes, quando solicitado pelo interessado, através de parecer técnico." (FORTALEZA, 2012).

Além dos interesses imobiliários e fundiários de pequenos grupos, que ficam claros com a mudança na lei apresentada anteriormente, há outros que também conflitam com as ZEIS do tipo 1, como por exemplo os interesses políticos que se demonstram a partir do caráter estratégico com que Fortaleza tem sido governada nos últimos anos, no intuito de consolidá-la como um importante destino turístico nacional, e até internacional, principalmente a partir dos anos 1990, mas intensificando-se a partir de 2000.

Devido à sua localização no Nordeste do país e ao seu clima quente-úmido com poucas variações ao longo do ano, Fortaleza tem se destacado na política de turismo nacional, segundo governantes. Dessa forma, tanto Governo Estadual, quanto Municipal, têm feito investimentos na cidade no intuito de construir uma imagem atrativa e dotá-la de equipamentos e infraestrutura necessários para o desenvolvimento da atividade turística. Essa estratégia não tem sido particular de nenhum governo, observa-se que perpassa diversas gestões, mesmo de partidos e ideologias diferentes93. Esse discurso turístico, portanto, legitima as ações do Governo.

O turismo de lazer, férias e praia, entretanto, não têm sido o único setor dos investimentos, há a intenção de construir, também, o destino de turismo de negócios e eventos, em escala nacional, mas também internacional. Busca-se mostrar a cidade para o mundo e inseri-la num contexto de investimentos. Para estimulá-los, têm sido realizados diversos tipos de eventos: feiras, exposições, shows etc. Em 2002 aconteceu o primeiro evento internacional importante na cidade dentro dessa conjuntura: uma reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Recentemente, entre os dias 15 e 16 de julho de 2014, aconteceu um encontro do BRICS (Potências Emergentes da Economia Global, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e estiveram presentes os principais chefes de Estado desses países e de outros. O último e mais importante desses eventos foram os

93 Para ler mais acerca da construção da cidade turística de Fortaleza, ver: BRASIL, Amiria. Lotearam o sol do Ceará: a

captura do Estado pela atividade turística e a exploração do litoral de Fortaleza pelo Capital Imobiliário. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2009.

jogos da Copa do Mundo de Futebol, também em 2014.

Os investimentos com aqueles objetivos seguem a lógica do planejamento estratégico, visto que nem toda a cidade é interessante para a divulgação do potencial turístico, somente algumas áreas são escolhidas para recebê-los e estimula-se que aqueles tenham como foco parcerias com a iniciativa privada. Dessa forma, os investimentos se dão de forma pontual, considerando somente as partes da cidade que se relacionam com essa lógica turística, à despeito do que define a Política Urbana através do Plano Diretor. A localização das intervenções muitas vezes é escolhida independente do que o plano estabelece como áreas prioritárias, que necessitam de infraestrutura, etc., ou das áreas para onde ele determina que a cidade deva se desenvolver. Ao contrário, são aproveitados espaços que tem alguma potencialidade a ser aproveitada para aquela atividade, independente do que estabelecem as diretrizes urbanas daquela lei. Essa lógica não é exclusiva de Fortaleza, e tem sido utilizada também em outras cidades do mundo, resultado do que se tem desenvolvido como urbanismo contemporâneo. Segundo del Rio (2000):

(...) ele [urbanismo contemporâneo] permite a gestão da cidade segundo uma lógica neoliberal, cuja prática urbanística passa a ser fragmentada e dispersa, de acordo com as oportunidades, as vantagens competitivas e as respostas de um mercado consumidor cada vez mais globalizado, embora de expressões localizadas como, por exemplo, na instituição de espacialidades propícias para novos pólos financeiros e imobiliários transnacionais, ou de intenso turismo cultural-recreativo. 

No caso de Fortaleza, mas não somente nessa cidade, muitos desses investimentos conflitam com áreas de moradia da população local, inclusive com áreas de ZEIS. E quando isso acontece, são violados diversos direitos dessas comunidades.

Nos últimos anos os investimentos com esse caráter se intensificaram em Fortaleza, em consequência dos jogos da Copa do Mundo de Futebol, e foram retomadas algumas propostas que haviam sido pensadas anteriormente, mas que não haviam sido implementadas até aquele momento, complementadas por algumas proposições novas.

A intenção de mostrar Fortaleza para o mundo formando uma imagem atrativa, tanto para os investidores e para o público da Copa do Mundo de Futebol, quanto para o turista em geral, terminou por consolidar uma visão estratégica para a cidade que destoa do que planejou o PDP-For, com as ZEIS, por exemplo. O objetivo principal daqueles investimentos passou a ser a publicidade da cidade e a preparação desta para receber aquele evento, conforme estabelecem os conceitos do planejamento estratégico. Nessa lógica, segundo Sassen (1998, p. 50):

Colocar as cidades no mapa do mundo passou a ser uma meta recorrente dos governos locais, um objetivo ordenador das “ações estratégicas” que concentram na cidade-mercadoria a possibilidade de “transcender as crises” produzidas pela reestruturação econômica e construir um futuro de progresso e recuperação

econômica sintonizado com as exigências da nova ordem mundial, de modo a viabilizar o crescimento econômico em novos parâmetros.

Os principais investimentos recentes com o viés estratégico da cidade, justificados pelos jogos da Copa, estão concentrados na faixa litorânea, ou, atualmente, no caminho da Arena Castelão. Grande parte desses investimentos é em mobilidade urbana, como exige a FIFA, e parte está voltada para equipamentos que atraiam os turistas, não só para esse evento, mas criando novas oportunidades a partir dele. Conforme podem ser vistos na Figura 53, eles não consideram a cidade de forma plural e integrada, como comentamos anteriormente, nem respeitam o que há no lugar onde irão acontecer, criando conflitos com o que existe em cada lugar.

FIGURA 53. ZEIS 1 e ZEIS 3 e investimentos do plano estratégico turístico de Fortaleza

Fonte: Base Google Earth – modificada pela autora

Esses investimentos pontuais, portanto, confrontam com algumas áreas de ZEIS, criando‐se o conflito entre planejado pelo PDPFor, de maneira participativa (salvo as considerações feitas no capítulo anterior), e o plano estratégico turístico, imposto de cima para baixo, ampliando as desigualdades já