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O lugar dos pobres na cidade de Fortaleza: a política habitacional e a falta de diálogo com o planejamento urbano

_A formação das localizações em Fortaleza e o planejamento urbano excludente

MAPA 05. Mancha urbana, loteamentos e localização das favelas no início da década de

2.2 O lugar dos pobres na cidade de Fortaleza: a política habitacional e a falta de diálogo com o planejamento urbano

A precariedade habitacional em Fortaleza, é importante destacar novamente, aparece nas plantas da cidade desde o século XIX. Inicialmente, ela é identificada como casas de palha, mas já no século XX, quando volta a aparecer nas plantas e nos planos oficiais, já está representada como favelas. Entretanto, não há propostas concretas nos planos para essa problemática.

A iniciativa privada – o mercado imobiliário – também não teve interesse em promover habitação popular, pois o objetivo desse agente é o lucro, o que as classes baixas não podem oferecer; por conseguinte, elas nunca conseguiram se inserir nas transações imobiliárias formais.

Apesar disso, o Estado, por vezes nacional e mais recentemente municipal, interviu diretamente na questão habitacional, mas de modo descolado do planejamento urbano. As intervenções mais significativas se deram a partir da construção de novos conjuntos habitacionais; poucos foram os investimentos para garantir a permanência da população no local através de urbanizações ou melhorias habitacionais.

As políticas implementadas em Fortaleza seguiram uma racionalidade e temporalidade nacionais, elas aconteceram como um reflexo do que acontecia no restante do país.

A primeira produção pública de Habitação Social aconteceu no fim da década de 1940, financiada incialmente pela Fundação da Casa Popular (FCP), mas também com investimentos próprios. Essa produção foi muito insignificante diante da problemática da época, e só é possível identificar um conjunto na cidade (MÁXIMO, 2012).

A atuação estatal mais importante nesse período em Fortaleza foi financiada pelo Instituto de Aposentadoria e Pensão (IAP), e aconteceu do final da década de 1940 até a década de 1960. Foram construídos 10 conjuntos, com caráter modernista, de pequeno porte, e algumas vezes extrapolando a malha urbana, na busca por terrenos mais baratos (MÁXIMO, 2012, p. 104). Além do preço dos terrenos, interferiu na escolha da localização também o fato de que a maior parte da terra urbana já era propriedade privada, os proprietários não tinham a intenção de vender com esse objetivo, e o Estado não tinha meios para interferir naquela propriedade. Devido à dimensão do problema habitacional da época essa produção também foi inexpressiva.

Até a década de 1950, já eram registradas 11 favelas na cidade, que abrigavam mais de 154 mil pessoas, o que correspondia a 30% da população de Fortaleza (CEARÁ apud MÁXIMO, 2012, p. 111). Esses assentamentos localizavam-se principalmente em áreas de fragilidade ambiental, como margens de rios e lagoas, dunas e nas faixas de praia, e também nas margens da via férrea, áreas essas que não interessavam ao mercado fundiário e imobiliário. Assim, diante dessa realidade, a produção desse período não teve grandes impactos.

Ao fim da década de 1960, também aconteceram algumas ações de desfavelamento, conduzidas pela Fundação do Serviço Social de Fortaleza (FSSF), caracterizadas pelo reassentamento em conjuntos habitacionais. Ao todo foram construídos 5 conjuntos, com 2.742 unidades habitacionais, pela própria prefeitura. As ações de remoção se davam em consequência das obras de urbanização, principalmente aquelas relacionadas às intervenções viárias e à implantação de equipamentos urbanos (MÁXIMO, 2012, p. 117). Essas ações continuaram durante as décadas de 1970 e 1980, mas organizadas dentro de um novo programa, o Programa Integrado de Desfavelamento da Cidade de Fortaleza.

Alguns conjuntos foram construídos a partir de outros programas de urbanização, todavia eles não são relevantes. Essas iniciativas mais intensificaram a problemática habitacional do que buscaram soluções.

A grande produção habitacional do século XX, entretanto, aconteceu a partir da década de 1970. Desenvolveu-se durante o período do governo militar, dentro do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e financiada pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), efetivando-se, em Fortaleza, através da Companhia Estadual de Habitação do Ceará (COHAB-CE).

Em Fortaleza, foram construídos ao todo 9 conjuntos habitacionais, em grande escala, com muitas unidades cada um. Alguns extrapolaram os limites do município, ocupando os vizinhos da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), tanto pelo preço e pela disponibilidade dos terrenos quanto porque estava sendo implementada uma política de consolidação da RMF.

A implantação desses conjuntos teve grandes impactos urbanos: 1) a inserção deles em si modificou os seus arredores, criando novas localizações; 2) devido à quantidade populacional relocada para eles foi necessária a expansão da infraestrutura urbana que terminou por valorizar os terrenos localizados entre os conjuntos e o centro da cidade. Entretanto, a extensão da infraestrutura não foi imediata, nem igualitária entre os conjuntos, o que, por um lado, gerou áreas de precariedade e degradação, mas, por outro, consolidou alguns deles como grandes e importantes bairros existentes até hoje, apesar de já terem sido bastante modificados.

A posição periférica desses conjuntos habitacionais em Fortaleza, e na RMF, representou uma lógica perversa, pois não considerou os assentamentos precários existentes na cidade – que já eram muitos, e eram situados em áreas mais centralizadas, próximas à infraestrutura urbana, aos serviços disponíveis e à oferta de empregos (Mapa 03). Assim, a construção desses grandes conjuntos habitacionais e a inserção da população moradora deles se deu em consonância com significativas remoções populacionais de diversas áreas da cidade de Fortaleza.

Algumas mudanças aconteceram durante a década de 1990, em relação à política habitacional. Na década de 1980, houve a extinção do BNH e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), o que diminuiu os financiamentos nacionais para os conjuntos habitacionais. Além disso, a aprovação da

Constituição Federal de 1988 deu aos municípios maior autonomia no planejamento e na gestão do território, conforme comentado anteriormente. Dessa forma, aconteceram alguns programas de menor porte, mas eles não foram tão relevantes para a solução do problema em Fortaleza, como o Programa de Ação Imediata para a Habitação (PAIH), programa nacional desenvolvido durante o governo do Presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), e que significou uma primeira tentativa de inserir o mercado imobiliário privado na produção de Habitação de Interesse Social. Além disso, algumas experiências de urbanização de favelas foram feitas nessa mesma década, através do Programa Habitar Brasil BID (HBB), que contemplou algumas favelas em Fortaleza, mas não foi tão significativo. A década de 2000 trouxe diversas mudanças, a partir da aprovação do Estatuto da Cidade, da criação do Ministério das Cidades, da implementação de novos programas habitacionais federais e em consequência da ascensão de governos de esquerda ao poder, tanto em nível federal, quanto em nível municipal, em Fortaleza.