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Primeiro período: planos de melhoramento e embelezamento

_A formação das localizações em Fortaleza e o planejamento urbano excludente

2.1 O espaço urbano desigual em Fortaleza: a produção das localizações frente a (não) consolidação do planejamento urbano

2.1.1 Primeiro período: planos de melhoramento e embelezamento

Durante o primeiro período, os planos representavam realmente as ações do Estado e seguiam os desejos das classes dominantes, visto que o planejamento urbano era fortemente controlado, impondo novos valores estéticos mais condizentes com a modernização das cidades (VILLAÇA, 2004). Inspirada no que estava acontecendo na Europa, a modernização proposta consistia em intervenções higienistas e de embelezamento urbano centradas na infraestrutura. Essas intervenções, no entanto, consideravam somente parte da cidade, a que interessava àquelas classes.

As ações previstas por esses planos, além de intervenções pontuais e estéticas, representaram também concessões ao setor privado para sua execução (LEME, 2005). As ações resultantes dos planos eram concentradas em obras, não previam nem a discussão acerca da propriedade da terra nem intervenções em relação às habitações precárias dos migrantes e trabalhadores. Os códigos de obras e posturas por vezes tratavam da questão da habitação precária, entretanto, mais como ação reguladora e punitiva do que propositiva para solucionar a problemática.

Apesar da consonância entre plano e prática, alguns planos possuíam discursos ideológicos não condizentes com os reais interesses das classes dominantes e, consequentemente, com as ações do Estado. Em discurso, essas ações buscavam atender às necessidades das cidades; na prática, atendiam aos interesses das classes dominantes (VILLAÇA, 2004).

Foi a partir desses primeiros planos que nasceu o planejamento urbano no Brasil, sendo o ano de 18758 o marco inicial, segundo Villaça (2004). Entretanto, em Fortaleza, durante o século XIX, foram elaboradas algumas plantas e alguns planos, que se configuraram como as primeiras tentativas de ordenação e planejamento da expansão urbana.

A primeira planta da cidade foi desenvolvida por Silva Paulet, em 1813 (Figura 01). Caracteriza-se muito mais como uma tentativa de representar a cidade e ordenar as primeiras construções e atividades da época do que como um planejamento de expansão, ou crescimento. De acordo com a

8 Segundo Villaça (2004, p. 193-194), define-se o ano de 1875 como marco inicial porque foi nesse “ano que foi produzido o

primeiro documento de importância, no qual são utilizados os dois conceitos-chave anteriormente indicados: o de ‘plano’ e o de ‘conjunto’, ‘geral’ ou ‘global’, associados ao espaço urbano; essas ideias aparecem na expressão plano geral. […] O documento mencionado é o primeiro relatório, apresentado a 12 de janeiro daquele ano, pela Comissão de Melhoramento da Cidade do Rio de Janeiro” (grifos do autor).

divisão temporal de Villaça (2004), essa planta é anterior ao período de início dos planos.

FIGURA 01. Planta de Silva Paulet

Fonte: CASTRO (1982)

A planta, apesar de muito imprecisa devido às limitações tecnológicas da época, já destacava os principais elementos existentes: a Fortaleza Nossa Senhora de Assunção (edificação em formato de estrela, no centro da planta), os recursos hídricos (limitantes do crescimento da cidade) e os principais caminhos que davam acesso às cidades vizinhas e ao interior do estado. A planta marcava também o assentamento formal existente, ou seja, o núcleo urbano oficial, abaixo da fortaleza, de onde partiam as estradas. É importante destacar que a planta registra um assentamento a leste do aglomerado urbano consolidado, próximo ao mar. Ela não faz referências a esse assentamento, mas em uma planta posterior, a de Adolfo Herbster, considera-se já ser um registro da existência do assentamento do Outeiro da Prainha, cujas casas eram de palha e a ocupação, irregular e espaçada.

Em 1823, Fortaleza foi elevada à categoria de cidade. Nessa mesma década, consolidou-se como principal núcleo político-administrativo do Ceará, tornando-se capital do estado e marcando sua importância em relação às demais cidades.

Nesse novo contexto, foi desenvolvida a segunda planta, em 1856, pelo padre Antônio Manoel Rêgo. Propunha-se a ser um levantamento fiel da situação existente, mas não o foi, devido à precariedade das técnicas utilizadas. O seu resultado, portanto, não representa a realidade.

Em 1859, uma nova planta foi feita, dessa vez pelo engenheiro-arquiteto Adolfo Herbster. Desenvolvida a partir de um levantamento rigoroso, foi a primeira planta considerada como uma representação fiel da realidade, sendo portanto chamada Planta Exacta da Capital do Ceará (Figura 02).

FIGURA 02. Planta de Fortaleza desenvolvida pelo engenheiro-arquiteto Adolfo Herbster, em 1959

Fonte: CASTRO (1982)

A planta de Adolfo Herbster reforça algumas referências já contidas na planta de Silva Paulet: a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, os caminhos de ligação com outras cidades e os recursos hídricos existentes (com destaque para o rio Pajeú, mancha escura a leste do núcleo urbano e que representava um dos principais limitantes de crescimento da cidade para esse sentido); além disso, destaca o assentamento principal no centro da planta, que representa o centro urbano, e também o assentamento do Outeiro da Prainha, observando a existência de uma ocupação irregular naquela área, com casas de palha espaçadas (ANDRADE, 2012, p. 76). Essa demarcação remete ao desenho de Silva Paulet, que identifica em formato de desenho uma ocupação nessa área. A planta destaca que essa ocupação não é a única com casas de palha irregulares. Há também uma grande concentração

fora da área consolidada da cidade, representada pelos pontos escuros desenhados na planta. Segundo Castro (1979),

a cidade era totalmente circundada por `casas de palha ́, em número realmente impressionante. Ressalte-se, curiosamente, que entre o circuito das palhoças e a parte construída da cidade se desenvolvia uma cinta aparentemente despovoada, talvez constituída por sítios ou zonas por arruar, funcionando como uma espécie de cordão de isolamento social. Havia, porém, casebres na zona urbana, aliás assinalados em planta, ocupando geralmente o trecho final de algumas ruas norte- sul. Assim, a denominação `rua do Fogo ́ imposta a uma parte da atual Major Facundo (entre a praça do Ferreira e a rua Pedro Pereira) faz transparecer a presença de edificações incendiáveis, isto é, de palhoças (apud ANDRADE, 2012, p. 72, grifos do autor).

Na planta de Exercício de Reconstituição Cartográfica feita por Andrade (2012, p. 74) é possível perceber que as casas de palha eram numerosas (destacadas em vermelho) e localizavam-se, prioritariamente, na periferia do núcleo urbano (Figura 03). A autora comenta sobre o impacto quantitativo dessas casas em relação ao total da cidade na época:

Thomaz Pompeu, em seu ensaio, descreve a cidade com 16.000 habitantes, “contando com os subúrbios ocupados por casas de palha”, possuindo “960 casas de tijolo alinhadas e entre estas uns oitenta sobrados, e fora do alinhamento, 7.200 casas cobertas de palha”, o que corresponde a 88% de choupanas (1997:22). Aqui merecem algumas perguntas: como as palhoças seriam incorporadas ao plano de Herbster? Houve uma política de reassentamento e inclusão da população excluída pelo plano? Ao que indica, o plano e as posturas municipais induziram à eliminação das palhoças nas novas áreas arruadas cabendo à iniciativa privada comprá-las e reedificar novas edificações com materiais construtivos mais duráveis (apud ANDRADE, 2012, p. 79, grifos do autor).

Dessa forma, verifica-se a existência e identificação em planta de moradias precárias, representadas pelas casas de palha, e percebe-se que elas estão marcadas na planta de Adolfo Herbster, já em 1859, mas na representação não fazem parte do núcleo urbano original.

FIGURA 03. Exercício de Reconstituição Cartográfica. Planta Exacta da Capital do Ceará. Autora: Margarida Andrade

Fonte: ANDRADE (2012, p. 74)

Em 1863, Adolfo Herbster desenvolveu uma nova planta para a cidade, configurando-se como uma proposta de expansão do núcleo urbano (Figura 04) e se antecipando ao período estabelecido por Villaça (2004). Segundo Andrade (2012, p. 79), essa proposta não considerava o existente fora do núcleo urbano consolidado, passando por cima das casas de palha e desconsiderando também caminhos de ligação com as cidades vizinhas.

FIGURA 04. Planta de Adolfo Herbster, 1963

FONTE: CASTRO (1982)

A proposta de Herbster consolidou o núcleo urbano existente e propôs sua expansão principalmente para leste e oeste, incluindo a área da cidade além do rio Pajeú, mas também um pouco para o sul. Nessa planta, entretanto, não foram marcadas as casas de palha, nem feitas propostas de reassentamento. O assentamento no Outeiro da Prainha não foi mais identificado, sendo feita uma proposta de ordenamento para aquela área.

Conforme estudo feito pela planta de Exercício de Reconstituição Cartográfica do plano de Herbster na planta de Fortaleza de 1859 desenvolvida por Andrade (2012, p. 82), a extensão da cidade se dá de forma a reproduzir a forma urbana existente, desconsiderando aquela constituída espontaneamente pela ocupação (Figura 05).

FIGURA 05. Exercício de reconstituição cartográfica do plano de Herbster na planta de Fortaleza 1859. Autora: Margarida Andrade

Fonte: ANDRADE (2012, p. 82)

A proposta não se constituiu como um planejamento de expansão da cidade, pois não chegou a ser desenvolvida e, consequentemente, aplicada. Em 1875, Adolfo Herbster elaborou uma nova planta, a

Planta Topográfica da Cidade de Fortaleza e Subúrbios, uma outra proposta de expansão da cidade,

que trouxe elementos diferente dos apresentados anteriormente. Ela se consolidou como o primeiro verdadeiro planejamento para a expansão da cidade no século XIX, o que coincide com o período que Villaça (2004) define como aquele em que são desenvolvidos os primeiros planos para as cidades brasileiras, mas que não possui esse nome. A proposta sugeriu a ultrapassagem do rio Pajeú, o que só aconteceria no início do século XX, ratificou o núcleo urbano existente, transformou os caminhos para as outras cidades em estradas, estabelecendo as primeiras radiais de acesso ao centro urbano, e consolidou e ordenou a ocupação do Outeiro da Prainha (Figura 06).

FIGURA 06. Planta de Adolfo Herbster, 1875

FONTE: CASTRO, 1982

A expansão ocorreu reproduzindo a malha ortogonal existente, eliminando várias radiais, mas mantendo as principais, formando, assim, uma malha radioconcêntrica. Destacam-se principalmente os

boulevards periféricos ao núcleo urbano existente, que hoje representam importantes vias de

delimitação da área central da cidade.

A planta apresentou também a existência de alguns equipamentos públicos já consolidados na cidade, como a Estação Ferroviária, em conjunto com a nova linha de trem que fazia a ligação entre Fortaleza e as cidades a sul, e o Passeio Público, tal como é conhecido hoje, ainda que a inauguração oficial das obras ocorresse apenas em 5 de junho de 1888 (BRASIL et al., 2012).

Ainda no século XIX, Adolfo Herbster desenvolveu uma última planta da cidade, em 1888, que consolidou a forma urbana da cidade naquela época, a mesma que persiste no centro de Fortaleza até o momento. A planta representou somente uma atualização daquela de 1875, propondo uma pequena

expansão física em relação a anterior (Figura 07). Boa parte das quadras presentes nela, entretanto, não estavam construídas (ANDRADE, 2012).

FIGURA 07. Planta de Adolfo Herbster, 1888

Fonte: CASTRO (1982)

Segundo o censo de 1887, já foi identificada “a mais antiga forma de pré-favelamento que a cidade conheceu” (CASTRO, 1982 apud ANDRADE, 2012, p. 164) e que dará origem à favela Moura Brasil. Também é possível identificá-la na planta do Adolfo Herbster, ao centro, próximo ao litoral. Mas esse plano de expansão não apresentava propostas para essa temática. Apesar da existência daquele núcleo, é possível perceber que não são mais apresentadas as ocupações irregulares, nem as casas precárias de palha.

Fortaleza se destacou nesse cenário em consequência da presença do porto, sendo a cidade de onde partiam as exportações, além de capital do estado. Devido à existência do porto, nesse período, Fortaleza firmou-se a partir do comércio e algumas famílias começaram a se sobressair a partir dessa atividade.

Essas famílias foram as principais responsáveis pelas primeiras grandes interferências no espaço urbano, através da aquisição e transformação da terra, ou seja, da produção de localizações. As ações de transformação do espaço estavam ainda muito relacionadas com as atividades do porto e as comerciais, principais atividades econômicas da cidade. Além disso, havia o comércio local, para funcionamento da própria cidade.

Nessa época, era possível observar a existência das principais atividades em Fortaleza: residência, comércio, uso misto, serviços, edifícios públicos, religiosos e militares, que ocupavam pequenos e estreitos lotes, localizados naquele núcleo urbano delimitado no mapa. Era possível também observar que nesse período já existiam casas para aluguel, e que boa parte dos imóveis pertenciam a negociantes e capitalistas. O litoral era ocupado pelas atividades portuárias – o porto em si e alguns galpões que lhe davam suporte – e pelas moradias dos pescadores, cujas casas eram precárias e a ocupação irregular, situavam-se na área do Outeiro da Prainha, conforme destacado desde o plano de Adolfo Herbster de 1856 (ANDRADE, 2012, p. 83).

Os grupos dominantes naquele período, ainda segundo Andrade (2012, p. 103), eram os comerciantes, visto que essa era a principal atividade econômica de Fortaleza, e estes eram também os donos dos imóveis para alugar, o que caracterizava a existência de um embrião de mercado imobiliário rentista. Em 1880, segundo Andrade (2012, p. 161), 70% da população morava em casas alugadas, visto que a concentração fundiária e imobiliária era grande. Dessa forma, os setores médios da população – trabalhadores e artesãos livres – alugavam os imóveis onde viviam dos seus proprietários, de classes mais altas (ANDRADE, 2012, p. 106).

Durante esse período, a riqueza adquirida a partir da atividade comercial foi sendo direcionada para outros setores da economia, como por exemplo a terra urbana (SILVA, 1999). Foram encontradas escrituras de compra e venda de terras desde 1861 em Fortaleza (SILVA, 1999, p. 88). Os comerciantes, que também eram proprietários de escravos, sítios e chácaras, passaram a comprar muitos terrenos e o dinheiro das atividades rurais e do comércio sendo aos poucos transformado em investimentos urbanos, na terra urbana. Esse processo começou a se conformar a partir do investimento de algumas famílias, com destaque para a família Gentil, principal concentradora de terras durante o fim do século XIX e início do século XX, e que permanece dona de muitas terras até hoje.

A formação do mercado de terras pela família [Gentil] na cidade, concomitante ao comércio, contribui para que não se pense a constituição e transferência de riqueza

como momentos separados, ou seja, primeiro deu-se o comércio, em seguida os investimentos na cidade, a partir do sistema de crédito da casa bancária. O lucro subtraído no comércio num processo concomitante foi imobilizado na terra, esta foi ganhando atribuições de reserva de valor. “Ou seja, a terra é apropriada apenas

com fins especulativos e não para produzir. Ou seja, os capitalistas, em decorrência da inflação quase permanente em nossa economia, vêem na terra um ‘investimento seguro’, que não se ‘desvaloriza.’ É assim que se retém terrenos urbanos vazios e latifúndios inaproveitáveis”. O desenvolvimento do sistema de crédito e a sua

aplicação como uma forma de investimento dessa riqueza no imobiliário nos ajuda na interpretação da cidade quando esta passa a ser redefinida e organizada a partir de desapropriações, arrendamentos, transferências de créditos, expropriações, confissões de dívidas, compra de espólios, fianças, etc. Isto permite identificar que a cidade econômica têm como substrato essencial a terra como uma mercadoria,

definida a partir de um grupo econômico familiar, com apoio do Estado. Assim

a terra entra na racionalidade do mercado e é comprada e vendida de várias maneiras: em grandes extensões, em pequenos lotes e em m2. (SILVA, 1999, p. 81- 82, grifos nossos).

A família Gentil, a partir da atividade comercial, constituiu uma casa de crédito, a Casa Gentil, posteriormente transformada no Banco Frota Gentil e, no início do século XX, mais precisamente em 1934, na Imobiliária Frota Gentil, que terá papel fundamental na consolidação do processo de mercantilização da terra nessa cidade. O patrimônio da família, por exemplo, foi, então, constituindo-se a partir das terras urbanas. Ela as foi adquirindo por meio de hipotecas não pagas, compras de terras disponíveis de outros proprietários ou, até mesmo, pela compra de terras públicas em leilões, como terrenos da Marinha etc. (SILVA, 1999, p. 98). As terras foram, assim, concentrando-se nas mãos de poucos proprietários.

O início do processo de mercantilização – e, por conseguinte, comercialização – da terra em Fortaleza se dá no litoral, área onde se concentravam as principais atividades comerciais, ligadas ao porto. Entretanto, as terras nessa área pertenciam à Marinha, com muitos pescadores lá residindo.

A Marinha foi então repassando o domínio de suas terras a algumas famílias de comerciantes através de leilões, sendo a Casa Gentil a principal beneficiária (SILVA, 1999). A terra começou, então, a adquirir valor de troca. Os terrenos passaram a ser parcelados, pelas famílias, e revendidos, pois precisavam dar um retorno financeiro àqueles que os adquiriram. Teve-se, durante esse período, uma grande apropriação privada de terras públicas (SILVA, 1999).

Os pescadores começaram a ser expulsos do litoral, uma vez que sua atividade não importava às negociações que agora aconteciam naquele espaço. Os grandes comerciantes tornam-se os “donos da praia” e a terra passa a ser reserva de valor (SILVA, 1999). Estava se formando o mercado de terras na cidade. Durante esse período, a família Gentil era a grande proprietária das terras e um importante grupo de comerciantes, além de dona da casa comercial. Entretanto, Silva (1999) destaca que algumas outras poucas famílias também eram donas de terras, o que foi identificado ao serem analisados os limites dos terrenos dos Gentil contíguos a terrenos de propriedade de outras famílias, como a

Gradvhol.

Esse mercado se fixou até a década de 1930, quando era possível identificar que o centro da cidade dividia-se em hipotecas. Assim, até aquela década, a cidade ficou dividida entre algumas famílias, essencialmente comerciantes (SILVA, 1999, p. 143).

A cidade, por meio da terra urbana, passou a ser um negócio, e foi crescente, a partir de então, o processo de valorização do seu espaço. A urbanização fez parte, portanto, do processo de potencialização do preço da terra urbana, ao transformá-la em localização. E conforme comentado anteriormente, o plano de Adolfo Herbster não interferiu nesse processo, nem tratou desse assunto. Assim, já no início do século XX, os grupos dominantes passaram a investir na urbanização, através de acordos com o Estado, visando lucro próprio. A partir da década de 1930, a cidade de Fortaleza começou a viver um intenso processo de expansão urbana, resultado desses investimentos.

A expansão urbana foi acompanhada por um acentuado aumento populacional9. Esse crescimento foi resultante principalmente de migrações vindas do campo, em consequência das secas, problema que não foi suficientemente equacionado pelo Estado. A expansão da cidade também não foi acompanhada pelo planejamento urbano, e o próximo plano só foi desenvolvido em 1933, fazendo parte do segundo período do planejamento urbano no Brasil, conforme a categorização adotada nesta tese.

No início do século XX, foram realizadas grandes obras de infraestrutura, que não estavam previstas em planos e que foram de responsabilidade da iniciativa privada, dos grupos dominantes: ampliação do porto, ferrovia, água, luz, bonde e ônibus. A construção se dava em troca de privilégios para os grupos investidores (ANDRADE, 2012, p. 131).

Além desses investimentos, o começo do século XX foi marcado pelo início do processo oficial de parcelamento do solo, fora da zona litorânea, conforme destaca Andrade (2012, p. 143-144):

Ressalta-se, também, alguns sítios e fazendas em processo de parcelamento por seus proprietários, principalmente às margens das estradas empedradas do Arronches, Messejana e Soure, futuras áreas de expansão urbana da cidade, fora do traçado proposto por Herbster.

Conclui-se que também existia no subúrbio, principalmente junto das antigas estradas, um “mercado de terras” incipiente realizado pelos próprios proprietários de fazendas, sítios e chácaras, que tomavam a iniciativa de parcelar e transformar o uso de suas terras.

Entretanto, a cidade e sua legislação ainda não estavam preparadas para esse excessivo parcelamento do solo, intensificado a partir de 1930 e fazendo com que a cidade sofresse diversas

9 Até 1930, Fortaleza já possuía uma população de mais de 100 mil habitantes, configurando-se como uma das cidades

consequências, fortalecendo a segregação social e produzindo valorizações desiguais no espaço urbano.

A segregação social resultante da produção privada do espaço urbano foi reforçada pelo Código de Obras de 1932, a primeira legislação de Fortaleza que trata dos assentamentos precários. Esse documento passou a disciplinar as casas populares, destinando um capítulo para elas. Não havia uma proposta de reconstruí-las, ou construir outras em melhores condições para aquela população; entretanto, ficou destacado no Código que essas casas deveriam localizar-se fora do núcleo urbano, marcando desde então a segregação daquela população.

O Código de Posturas do Município, de 1932, dedica capítulo específico às casas populares, permitindo a sua construção no perímetro suburbano “a uma distancia

nunca inferior a cem metros da zona urbana” (ANDRADE, 2012, p. 129, grifos da