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O ordenamento do território constitui atribuição simultânea do Estado, das Regiões Autónomas e dos Municípios, apresentando-se, deste modo, como uma tarefa partilhada. Enquanto função pública, ele visa coordenar articuladamente as diversas decisões e actividades que incidem sobre o território.55 Assim, ele tem de perspectivar os problemas territoriais de um modo global, devendo

apresentar-se como uma actividade dotada de um carácter horizontal, integrador, transversal e de síntesedas restantes funções públicas com incidência no território.

Face a estas atribuições paralelas e concorrentes das diversas entidades intervenientes, é essencial proceder à delimitação precisa da repartição de competências entre elas.

Para o efeito, torna-se imprescindível conciliar os ditames decorrentes do princípio da descentralização, com os da subsidiariedade, reconhecendo atribuições específicas neste domínio às regiões e a outras colectividades locais, mas assegurando ao Estado um papel determinante, conciliador das suas actividades essenciais (Oliveira 2009).

4.10.1 O princípio da coordenação

O princípio da coordenação assume-se como um dos princípios de ordenamento do território e urbanismo constantes do artigo 5.° da LBPOTU, estando concretizado nos artigos 20° a 22.° do RJIGT.

De acordo com o mesmo, determina-se o dever de o Estado e as autarquias locais coordenarem as respectivas intervenções em matéria de gestão territorial, sendo que tal coordenação se verifica especialmente no âmbito da elaboração dos vários instrumentos de gestão territorial, estando as entidades públicas responsáveis obrigadas a identificar e a ponderar nos diversos âmbitos (nacional, regional e municipal), os planos, programas e projectos incidentes sobre a área em análise, de forma a assegurar as necessárias compatibilizações. Na elaboração dos instrumentos de gestão territorial, as várias entidades não podem ignorar as actuações de planeamento já empreendidas ou em curso pelas outras entidades administrativas que igualmente assumem competências em matéria de elaboração de planos.

O RJIGT distingue a coordenação interna(artigo 21 °) da coordenação externa(artigo 22.°).A primeira refere-se à coordenação entre instrumentos de gestão territorial integrados no mesmo âmbito de interesses (nacional, regional ou municipal); a segunda à coordenação entre cada um dos referidos âmbitos.

No que se refere à primeira, incumbe ao Estado a articulação das várias políticas consagradas no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), nos planos sectoriais (PSECT) e nos planos especiais (PEOT); às comissões de coordenação e desenvolvimento regional na coordenação das políticas regionais consagradas nos PROT; e às câmaras municipais e associações de municípios a coordenação das políticas municipais expressas nos planos municipais e nos planos intermunicipais de ordenamento do território.

A coordenação deve também funcionar numa vertente de coordenação externa, pressupondo uma articulação adequada entre as políticas nacionais, regionais e municipais com incidência territorial. É de suma relevância a coordenação entre o Estado e as autarquias locais, tal como

55 (Art. 9º, alínea e) da CRP).

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determina o n.º 2 do artigo 22.° do RJIGT, nos termos do qual "O Estado e asautarquias locais têm o dever de promover, de forma articuladaentre si, a política de ordenamento do território, garantindo, designadamente:

a) O respeito pelas atribuições na elaboração dos instrumentos de gestão territorial nacionais, regionais e municipal;

b) O cumprimento dos limites materiais impostos à intervenção dos diversos órgãos e agentes relativamente ao processo de planeamento nacional, regional e municipal;

c) A definição, em função das estruturas orgânicas e funcionais, de um modelo que permita uma interlocução coerente em matéria de gestão territorial.

4.10.2 A coordenação e a concertação na elaboração dos instrumentos de gestão territorial

O princípio da coordenação assume especial relevância e acuidade no domínio do procedimento de elaboração dos instrumentos de gestão territorial, especialmente no acompanhamentoà sua elaboração.

A fase de acompanhamento à elaboração dos instrumentos de gestão territorial visa garantir a intervenção e colaboração, nos procedimentos de planeamento, de entidades públicas com interesse na área em causa, visando acautelar uma melhor consideração e uma mais eficaz ponderação dos distintos interesses públicos que possam ser afectados pelo plano em elaboração. A esta fase, a versão inicial do RJIGT veio acrescentar uma outra, subsequente e autónoma, de concertação entre estas entidades e a responsável pela elaboração do plano com o objectivo de garantir que se obtém o mais amplo consenso entre todas elas.

O Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro, a despeito de não alterar substancialmente o procedimento de elaboração dos distintos instrumentos de gestão territorial, veio, contudo, alterar algumas das fases do acompanhamento, de molde a garantir uma maior cooperação e eficiência no procedimento de planeamento, e também uma maior simplificação e agilidade do mesmo. Assim, deu-se uma fusão entre acompanhamento e concertação, sendo que o acompanhamento passou a integrar a concertação que lhe era subsequente, solução que pretende que as opções de planeamento sejam "partilhadas" desde o início pelas várias entidades com atribuições na área, potenciando que as mesmas contribuam, de forma prepositiva, para o projecto do plano (Oliveira 2009).56 Não obstante a

concertação integrar agora a fase de acompanhamento, admite-se a ocorrência de uma segunda concertação facultativa posterior à emissão do parecer da entidade que acompanha o plano e sempre antes da discussão pública.

Para além destes aspectos, verifica-se, relativamente ao acompanhamento, uma diferenciação de regime aplicável a este trâmite consoante estejam em causa instrumentos directamente vinculativos dos particulares (planos municipais e especiais de ordenamento do território) ou instrumentos apenas vinculativos de entidades públicas (todos os restantes).

No que concerne aos planos com eficácia plurisubjectiva, o RJIGT determina que a elaboração dos planos directores municipais e dos planos especiais seja acompanhada por uma comissão de acompanhamento,cujos membros são exclusivamente públicos. As restantes entidades representativas de interesses privados de ordem económica, social ou ambiental que podiam integrar as comissões

56 Com esta opção, poupa-se, ainda, comparativamente com a solução anterior, um conjunto de trâmites tendentes ao desen- cadeamento da concertação, que correspondiam, em boa verdade, a uma repetição desnecessária de actos.

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mistas de coordenação, passam a intervir apenas nas fases especificamente previstas para a intervenção do público em geral (participação preventiva, participação ao longo do procedimento e discussão pública) por se considerar que a sua intervenção naqueles organismos mistos não se traduziu numa maior eficácia dos mesmos tendo, pelo contrário, tornado o funcionamento dos mesmos mais pesado e, por isso, tendencialmente mais moroso (Oliveira 2009).

As CCDR fazem sempre parte da comissão de acompanhamento e, no caso dos planos directores municipais, em regra presidem-na (n.° 1 do artigo 9.° da Portaria n.° 1474/2007, de 16 de Dezembro). Esta Portaria integra na comissão de acompanhamento a câmara municipal, enquanto entidade responsável pela elaboração ou revisão do plano, o que se compreende por ser no âmbito do acompanhamento que se promove a concertação de interesses.

Faz também parte da comissão de acompanhamento um representante da assembleia municipal, que é o órgão competente para aprovação do plano director municipal.57

Sistema de Delegação de Poderes

Destaca-se como relevante novidade promovida pelo Decreto-Lei nº 316/2007, de 19 de Setembro, e melhor descrita no capítulo 6 desta dissertação, a instituição de um sistema de delegação de poderes que confere aos membros da comissão de acompanhamento verdadeiros poderes de representação das entidades a que pertencem, pelo que a posição que assumam vincula aquelas (artigo 75. °-B). Trata-se de uma solução relevante no âmbito dos procedimentos de elaboração de instrumentos de gestão territorial, uma vez que antes das presentes alterações, porque os representantes das entidades não estavam dotados dos devidos poderes de representação, as suas opiniões não vinculavam as entidades a que aqueles técnicos pertenciam e que, por isso, não dispensavam, no final, a emissão de um parecer que traduzisse a posição da entidade em causa.

Ora, agora, estando os representantes das várias entidades devidamente dotados de poderes de representação, as posições que assumam no seio da comissão de acompanhamento vinculam aque- las, substituindo os pareceres que as mesmas devessem emitir, a qualquer título, sobre o plano. Conferência Procedimental Instrutória

O acompanhamento apresenta-se assim, como verdadeiro momento de coordenação e concertação entre as diversas entidades públicas com interesses na área, o que decorre do facto de a comissão de acompanhamento assumir a natureza de uma conferência procedimental instrutória reunindo todas entidades administrativas envolvidas no acompanhamento, para emissão de um único parecer sobre a proposta de plano, o qual substitui todos os pareceres que aquelas entidades devessem emitir.58 A emissão deste parecer único sobre o projecto do plano que substitui os vários

pareceres sectoriais que devessem ser emitidos por cada uma daquelas entidades, corresponde à consagração de uma nova lógica de actuação do Estado que se traduz na necessidade de este se dever pronunciar de uma vez, e a uma só voz,quando os seus vários sectores tenham de intervir num determinado procedimento, o que incentiva a uma concertação.

57 Segundo Oliveira, a intervenção de um representante da assembleia municipal, enquanto órgão responsável pela aprovação do plano director municipal na comissão de acompanhamento visa garantir que este órgão detém conhecimento pleno das várias questões suscitadas durante a elaboração do plano, de molde a garantir o cabal exercício da respectiva competência e já não o acompanhamento em sentido estrito na elaboração do plano director municipal.

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No que concerne à elaboração dos planos de urbanização e dos planos de pormenor, o acompanhamento é facultativo, competindo à câmara municipal solicitá-lo à CCDR territorialmente competente. No entanto, a despeito de o acompanhamento ser facultativo terá sempre de ocorrer a convocação de uma conferência de serviços e a emissão de um parecer final que reúna a posição de todas as entidades representativas de interesses a ponderar, garantindo-se a concertação da câmara municipal com as mesmas.59

No que concerne ao acompanhamento à elaboração dos planos sem eficácia plurisubjectiva, a mesma cabe, à excepção dos planos sectoriais, a comissões consultivas onde podem participar representantes dos interesses económicos, sociais, culturais e ambientais, e a cujo funcionamento não se aplicam as regras previstas para a conferência de serviços.

No que respeita aos planos sectoriais, o acompanhamento corresponde à mera elaboração de pareceres pela CCDR, entidades e serviços da administração central, representativas de interesses a ponderar e câmaras municipais abrangidas, tendo deixado de ser acompanhadas, como até aqui, por uma comissão que integre os representantes de cada uma daquelas entidades. No entanto, a entidade responsável pela elaboração do plano pode optar pela conferência de serviços.

4.10.3 A coordenação nas relações entre os vários instrumentos de gestão territorial

A coordenação exigida na elaboração dos instrumentos de gestão territorial, encontra-se igualmente presente nas relações entre estes vários instrumentos de gestão territorial. Não obstante cada entidade tenha a oportunidade de intervir no procedimento da elaboração das restantes entidades, sempre que tal não suceda, valem as regras de relacionamento entre os instrumentos de gestão territoriais que correspondem no fundo, a regras de relacionamento entre as entidades res- ponsáveis (Oliveira 2009).

Segundo a mesma autora, embora vigore o princípio da hierarquia entre os vários instrumentos de gestão territorial, o mesmo encontra-se bem mais mitigado, traduzindo a ideia de que, mais importante do que a existência de uma hierarquia de planos, em que os planos inferiores devem obediência aos planos superiores, é a articulação entre eles e a coordenação das entidades responsáveis pelos diferentes instrumentos, para que não estejam em vigor sobre uma mesma área planos com soluções de ordenamento do território opostas, suscitadoras de conflitos institucionais, mas antes, pelo contrário, soluções que são ponderadas e discutidas entre as várias entidades responsáveis na matéria.

59 No que concerne ao acompanhamento à elaboração dos planos de urbanização e de pormenor, pode concluir-se que a desnecessidade de acompanhamento durante a elaboração técnica do plano não se traduz numa equivalente dispensa de as entidades externas se pronunciarem acerca do mesmo, mantendo-se esta, aliás, como formalidade essencial do procedimento. O que muda, e em obediência aos objectivos da maior autonomia e descentralização, com a correspectiva maior responsabilização dos municípios e ao vector da simplificação dos procedimentos que nortearam as alterações legislativas, é o paradigma subjacente à forma de emissão dos pareceres das entidades.

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4.11 RELAÇÕES ENTRE OS INSTRUMENTOS DE GESTÃO TERRITORIAL