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5.2 Deficiências e disfunções do sistema de ordenamento e planeamento territorial português considerações

5.2.2 Tipos de disfunções

5.2.2.3 Disfunções culturais

As disfunções culturais constituem uma parte relevante do actual estado de crise do ordenamento e planeamento territorial. Efectivamente, a mudança cultural e de perspectivas assume- se como uma condição imprescindível para a mudança nos processos territoriais envolvendo a Administração Pública, a sociedade civil, as empresas privadas e os cidadãos em geral. A modernização social e territorial passa pelo desenvolvimento da componente cultural e exige cidadãos conscientes, responsáveis e com uma cultura de exigência, bem como uma administração pública ágil, preparada e competente que estabeleça com os mesmos um interface positivo. Há então que proceder ao reforço da sociedade civil, á capacitação dos actores e promover a participação mais activa e influente dos cidadãos. De seguida apontamos quatro deficiências que a nosso ver provocam as aludidas disfunções culturais.

1. Défice de cultura territorial

O défice de cultura territorial é notório na sociedade portuguesa, porquanto não se valoriza o território como um relevante recurso natural nem as suas potencialidades de desenvolvimento. Os decisores políticos e técnicos, promotores, e também cidadãos revelam baixos níveis de exigência no que se refere à qualidade e sustentabilidade das formas de ocupação, uso e organização do território. Não existe uma devida percepção e compreensão dos valores territoriais, o que leva a não conferir o tratamento adequado e merecido ao território. Tal visão sobre o território reflecte-se de forma negativa no processo de planeamento e depois ulteriormente, na prática administrativa de gestão territorial.

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Impõem-se profundas mudanças de atitudes na forma como os portugueses encaram, projectam, utilizam e transformam o território, designadamente assumindo uma visão prospectiva, coerente e sustentada, integrada e europeia do mesmo, do seu planeamento e ocupação, e privilegiando nas políticas públicas, o desenvolvimento sustentável em termos ambientais, económicos, sociais e regionais e revendo as relações com os ecossistemas ambientais.

Desta forma, atendendo às virtualidades do actual processo de planeamento, mas reconhecendo as suas deficiências e o contexto deficitário, há que procurar colectivamente melhores soluções, adoptando uma perspectiva diversa sobre o território, respeitando-o, valorizando-o, trabalhando numa óptica de co-responsabilização.

2. Desfasamento temporal das mentalidades

A realidade territorial encontra-se em constante mutação. Comparativamente, a mudança de mentalidades é temporalmente desfasada relativamente às mudanças materiais, económicas, sociais, tecnológicas, comunicacionais, bem como às concepções e às utilizações do território.

No caso português, tal desfasamento é intenso e flagrante, o que se explica em parte pelo nosso país ter sofrido um processo de veloz urbanização nas últimas décadas, sem paralelo nos países ocidentais. Tal implica um atraso crónico nas mentalidades comparativamente às mudanças que vão ocorrendo, o que cria um desfasamento entre as formas de actuar e pensar o espaço global em que vivemos, não se tomando consciência que fazemos parte de um conjunto mais vasto, e que o território é de todos nós.

3. Ausência de opinião pública consistente e de uma cidadania exigente

O processo de planeamento, ordenamento e gestão territorial é olhado com desconfiança ou indiferença pela opinião pública. Os cidadãos não detêm uma opinião fundada, consistente e determinada sobre as questões territoriais, e não raro demitem-se das funções de participação em tais processos que lhe são facultadas, e só depois criticam as opções tomadas, a despeito de nelas, por opção, não terem participado.

Existe uma ausência de interesse, de conhecimento sobre as questões territoriais e sobretudo quanto ao papel dos cidadãos nas mesmas.

De molde a colmatar esta deficiência há que fomentar o desenvolvimento de uma opinião pública consistente e de uma cidadania exigente, responsável e participativa nos processos de planeamento territorial. Há também que proceder ao reforço das organizações, instituições e redes territoriais como associações, agências de desenvolvimento regionais, associações culturais, comunidades urbanas e intermunicipais, organizações ambientalistas e outras estruturas de participação cívica, política e económica dos cidadãos.

4. Débil formação académica e profissional de quadros técnicos com elevada capacidade de compreensão, de concepção e gestão das políticas públicas.

É notório no seio da Administração Pública, e também das empresas um défice de competências que se prende com a débil formação académica, mas também profissional de quadros técnicos com capacidade de compreensão, concepção e gestão de políticas públicas. A falta de formação acarreta

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muitas das vezes o desconhecimento total ou parcial das correctas formas de actuar, de pensar e de equacionar os problemas. Tal impede uma resposta adequada e em tempo útil, às necessidades e requisitos dos processos de planeamento, reflectindo-se negativamente no ordenamento do território.

Há que intensificar a formação dos quadros técnicos com responsabilidades no planeamento e gestão do território de acordo com uma cultura de exigência, proporcionando-lhes formação adequada para as funções que visam desenvolver. Há que promover a cultura do empenho e da exigência.

Quanto a este aspecto refere Soares (2004): «A confusão e as ambiguidades que se estabeleceram sobre o processo de projectar a Cidade reflecte-se na polémica sobre as competências profissionais no planeamento do território e, mais especificamente, no urbanismo. Reconhece-se de uma forma generalizada que o planeamento do território, centrado na regulação das incidências territoriais dos processos económicos, sociais e políticos, é uma actividade pluridisciplinar que exige uma grande interdependência de conhecimentos e de técnicas e, consequentemente, uma lúcida e eficaz coordenação de equipas.(…) Admite-se que não haja uma disciplina ou uma profissão única ou dominante na direcção das equipas de planeamento e que esta pode ser exercida por diversos tipos de profissionais exigindo, antes, capacidade de visão globalizante e de síntese das diversas leituras e contribuições especializadas. Estas condições não podem ser aplicadas da mesma forma ao urbanismo como aqui o entendemos.(…) O urbanismo exige capacidade de entender e de conceber as formas urbanas através do Desenho Urbano. Seja para criar novos espaços urbanos, seja para intervir na renovação ou na reabilitação dos espaços existentes. Neste sentido, o urbanismo identifica- se essencialmente com a Arquitectura da Cidade, o que não significa que os arquitectos sejam os únicos ou os profissionais mais habilitados para a prática do urbanismo.(…)Historicamente, e mesmo recentemente, verifica-se que diversos profissionais e diversas disciplinas estiveram na base de projectos e de intervenções urbanísticas que marcaram positivamente as cidades. O que tem existido de comum nestas profissões é a capacidade de dominar as componentes físicas do espaço urbano, de entender o carácter estruturante e estético do espaço público, de relacionar as formas urbanas e as tipologias arquitectónicas com os conteúdos sociais, económicos e culturais. Trata-se de arquitectos, de engenheiros civis, de paisagistas ou, mesmo de artistas plásticos. O urbanismo necessita de profissionais especificamente preparados para o seu exercício independentemente da sua raiz disciplinar.(…) O que não se pode continuar a confundir é pl aneadores do território com urbanistas. Embora com diversas vertentes comuns e com complementaridades evidentes, os objectos da sua intervenção, os conteúdos, as técnicas e o saber fazer, são diferentes.»

Representa-se graficamente no quadro infra (quadro 5.1), os tipos de disfunções apontadas ao planeamento territorial português e as deficiências concretas correspondentes a tais disfunções.

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Quadro 5.1 - Disfunções do sistema de planeamento territorial português Disfunções normativas

1.Dispersão e dificuldade de aplicação da legislação

2.Multiplicidade e proliferação de instrumentos de gestão territoriais aplicáveis e eficazes

3.Fragmentação e desarticulação entre planos 4.Problemas de compatibilização entre planos 5.Sobreposição geográfica de planos 6.Repetições de conteúdo

7.Rigidez das normas ínsitas nos planos 8.Idealização do Plano como fim 9.Utilização abusiva do PDM

10.Secundarização da execução dos planos, ou “planocentrismo” 11.Deficiente sistema de execução dos planos

12.Falhas na implementação dos planos 13. Ausência de política de solos eficaz Disfunções

institucionais/organizacionais 1.Promiscuidade das atribuições das entidades intervenientes na gestão do território

2.Falta de dinamismo, criatividade, e inovação da Administração Pública 3.Tecnocracia, Burocracia e Morosidade

4.Fraca governança territorial

5.Desresponsabilização política e diluição de responsabilidades 6.Gestão casuística comprometida com a agenda política

7.Permeabilidade entre os interesses privados de cariz político-económico e o interesse público

8.Confusão de discricionariedade com arbitrariedade 9.Ausência de um compromisso com a solução 10.Organização centrada em funções e competências 11.Visão fragmentária e localista dos problemas territoriais 12.Ausência de prospectiva territorial

Disfunções culturais

1.Défice de cultura territorial

2.Desfasamento temporal das mentalidades

3.Ausência de opinião pública consistente e de uma cidadania exigente 4.Débil formação académica e profissional de quadros técnicos com elevada

capacidade de compreensão, de concepção e gestão das políticas públicas.

6| DA CRISE DO PLANEAMENTO AO CAMINHO PARA A MUDANÇA – A RECENTE EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

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DA CRISE DO PLANEAMENTO AO CAMINHO PARA A MUDANÇA -

A RECENTE EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

«(…) os problemas colocados pelo ordenamento das cidades evoluem com o tempo, e a forma de os resolver tem de acompanhar esse dinamismo. Assim se compreende que os poderes públicos se vejam na contingência de modificar com frequência a legislação e a regulamentação.»

Miranda, 2002.