O planeamento territorial surge na história como o meio de reajustar o processo de desenvolvimento espacial a novas formas de produção, utilização e apropriação do território.
O método e a teoria do planeamento têm as suas origens nas ideias iluministas e no pensamento técnico e racional. A tradição iluminista de progresso e modernidade fundamentou a definição de objectivos de planeamento e o desenvolvimento dos ideais utópicos do sec. XIX. O pensamento técnico-racional forneceu o instrumento para a construção de um processo de planeamento capaz de interpretar e justificar tomadas de decisão e procedimentos.
Ele estrutura-se por duas ideias principais: a definição de objectivos de desenvolvimento implica uma coordenação dos diversos interesses através de formas de acção colectiva, e para atingir estes objectivos é imperiosa a existência de um programa de trabalhos e uma sequência coerente e hierarquizada de acções.
O modelo de planeamento tradicional começou a ser contestado em meados dos anos 60, pelo excessivo determinismo, pouca flexibilidade, incapacidade de atender à diversidade de valores e interesses da sociedade, em que a componente económica ganhava uma importância crescente.
Podemos salientar como factores contextuais sentidos a partir da década de 70, que contribuíram para a alteração da dinâmica urbana e territorial, os seguintes:
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Tendência para a urbanização generalizada, pela concentração das populações nas cidades e nos aglomerados urbanos, e difusão exacerbada dos valores e consumos urbanos no meios rurais;
Abertura e democratização das sociedades, reclamando-se uma maior participação dos cidadãos e dos actores sociais no processo de planeamento e uma maior transparência no governo e na gestão das cidades, bem como a concertação e contratualização com os agentes e investidores urbanos;
Emergência e consolidação do conceito de governança, entendida como o conjunto de mecanismos que estimulam e propiciam a intervenção dos cidadãos e das organizações da sociedade civil no governo e gestão das cidades;
Aumento do ritmo, da amplitude e da incerteza das mudanças tecnológicas, políticas, económicas e culturais;
Reforço da concorrência entre empresas e territórios em virtude da internacionalização e da globalização económica e comunicacional;
Crescente complexificação dos mercados, das grandes organizações e dos fenómenos sociopolíticos;
Consciencialização da escassez de recursos naturais, energéticos e financeiros.
No domínio da crítica aos métodos tradicionais de planeamento, Jorge Wilheim publicou em 1969 a sua obra “Urbanismo no Subdesenvolvimento”33, que constituiu um livro pioneiro e importante
sobre a relação do Urbanismo com o desenvolvimento e sobre o entendimento do “Urbanismo como estratégia”. Wilheim ressalta a importância da reflexão estratégica no Planeamento e Gestão do Território, considerando que os métodos tradicionais de planeamento:
Procuram “um racionalismo cartesiano frequentemente superior ao nível de racionalidade vigente nas instituições que o promovem”;
“Alienam-se da realidade por não se dedicarem à sua compreensão e sim à sua quantificação”;
“São inoperantes porque não objectivam iniciar processos de transformação”;
“Tentam enquadrar a realidade numa idealização, preferindo impedir os processos de transformação”;
3.2.1 Limites do planeamento tradicional
Estas mudanças económicas, políticas, sociais, tecnológicas e culturais, vieram revelar os limites do planeamento convencional para responder aos desafios e necessidades das novas dinâmicas territoriais, e determinaram, nas palavras de Ferreira, a urgência de passar do plano como produto para o planeamento como processo.
Na década de 80, a emergência das novas ideias associadas a transformações nas formas de intervenção dos Estados, traduziu-se em alterações na prática do planeamento com a descentralização, e o surgimento de novos níveis de planeamento sectoriais e espaciais, de forma a enquadrar diferentes formas de governo local e regional.
Emergiram assim, novas abordagens no planeamento, mais centradas na eficácia da prática do planeamento e menos na questão do modelo teórico adoptado, propondo-se conferir um papel
33 Editora Saga, 1969
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determinante ao processo de implementação, à procura do consenso e ao papel do planeamento como forma de aprendizagem.
Verificou-se desta forma, a consciencialização da necessidade de ajustar o território e a sociedade em estruturas dinâmicas, e de que os sistemas de planificação tradicionais, resultantes do crescimento urbano do pós-guerra, onde predominava uma lógica de ordenamento do território e do desenho urbano com carácter fortemente impositivo e regulador, embora válidos e necessários à administração e gestão urbanística, suscitavam inúmeras dificuldades em conciliar as diferentes estratégias dos agentes, que se determinavam como factores decisivos de resposta à mudança (quadro 3.3).
Quadro 3.3 - Críticas planeamento territorial tradicional Fonte: Soares e Lebre, 2000
Podemos apontar como limites dos sistemas tradicionais de planeamento:
A excessiva regulamentação em detrimento da fraca estimulação;
A concentração em organismos legalmente definidos do poder de decisão, ao invés de repartir a responsabilidade na iniciativa e no consenso pelos vários actores;
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O elegerem a modificação da estrutura construída como meio de transformar a cidade, em detrimento da actividade social, económica e cultural da comunidade;
O facto de arbitrarem conflitos de interesses no processo de participação mas dificilmente se constituírem como plataformas para acordos de acções a empreender conjuntamente; e,
O facto de se imporem na modelação do futuro mas mostrarem-se pouco ágeis na readaptação que as mudanças sempre exigem.
Paralelamente, assiste-se a um reconhecimento da incerteza quanto ao futuro e à crise do paradigma da cidade moderna e dos modelos das cidades tradicionais, que acarreta a necessidade de compreender a complexidade dos territórios e identificar as dinâmicas e factores de mudança, e ressalta a importância do território nas estratégias de desenvolvimento regional e urbano.
A qualidade e eficiência dos territórios é um factor decisivo da sua atractividade e capacidade competitiva, e o governo do território padece de uma elevada complexidade nas sociedades abertas, democráticas e globalizadas, complexidade que atenta precisamente contra a coesão socio- urbanística.
Assim sendo, assume particular acuidade a necessidade de desenvolver inovadoras capacidades políticas e técnicas para novas formas de governar, bem como a importância da liderança e da capacidade mobilizadora por parte das entidades públicas que gerem o território, preconizadas pelo planeamento estratégico.34
Assim, o conceito de planeamento estratégico postula que um território se possa tornar atractivo a novos recursos, nomeadamente pessoas, investimentos, equipamento, turistas, etc, pela sua capacidade de criar ou de aproveitar potenciais e de gerar processos de inovação (quadro 3.4). Nesta nova prática de planificação, os planos têm de superar a mera repartição e classificação do uso do solo e a correspondente programação financeira, características da perspectiva tradicional de planeamento.
A abordagem estratégica procura atenuar a planificação centralizada, conferindo uma maior relevância às entidades descentralizadas, que melhor conhecem a realidade local e que podem agir mais rápida e eficazmente.
A componente estratégica no planeamento traduz uma mudança de atitude porque:
Postula uma visão global e intersectorial do sistema urbano a longo prazo;
Identifica tendências e antecipa oportunidades;
Formula objectivos prioritários e concentra recursos limitados em temas críticos;
Preconiza o diálogo e o debate interno;
Gera consenso, apela à concertação e ao compromisso comunitário para a acção;
Promove a coordenação entre administrações;
Fortalece o tecido social e promove a sua mobilização e participação;
Amplia a perspectiva da política social;
34 Cabral e Marques (1996) defendem que «o planeamento estratégico promove uma visão para o território fundamentada num diagnóstico prospectivo e numa gestão de longo prazo (...) constrói uma ideia de planeamento como lugar de convergência da sociedade civil, do estado e dos mercados, promovendo a participação, as iniciativas em parceria e a descentralização do processo de deliberação, decisão e implementação».
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A convicção e base teórica do planeamento estratégico é de que se mostra necessário entender e actuar sobre as próprias condições socio-económicas do desenvolvimento urbano, e não apenas sobre as suas consequências (segregação, desemprego, reestruturação económica, especulação imobiliária, degradação ambiental, etc.).
Quadro 3.4 - Recursos endógenos capazes de influenciar a atractividade de um território Fonte: Adaptado de Guell, 2000.
RECURSOS ELEMENTOS ATRACTIVOS
Formação
Amplitude de oferta educativa
Difusão e aprendizagem de novas tecnologias Relação entre centros de formação e empresas
Adequação entre oferta profissional e procura de emprego Estrutura social Nível de marginalização social
Eficácia dos serviços sociais
Força dos movimentos associativos e sindicais Coesão da estrutura familiar
Força da identidade local
Economia Competitividade e custos de produção Nível de produtividade
Adequação da estrutura empresarial ao meio Esforço de inovação tecnológica
Eficácia dos canais de comercialização Ambiente social e do trabalho
Transportes e telecomunicações
Grau de acessibilidade a partir do exterior Mobilidade no interior do território
Disponibilidade e centros intermodais de passageiros e mercadorias
Oferta adequada de transportes colectivos
Nível de oferta de infra-estruturas de telecomunicações Difusão e qualidade dos serviços de telecomunicações Qualidade de vida Diversidade e qualidade dos equipamentos colectivos
Disponibilidade e qualidade das infra-estruturas básicas Oferta equilibrada de habitação
Qualidade o meio ambiente
Preservação do património histórico e natural Tipo de clima
Apoio público Aproveitamento das ajudas públicas no desenvolvimento local Existência de estratégias de desenvolvimento local
Modernização da gestão/qualidade dos serviços públicos
A questão está em criar as condições necessárias para promover o desenvolvimento urbano e económico, de competitividade, consumo e qualidade de vida, de atracção de funções de decisão, de negociação e mobilização, orientando-se por princípios de cultura de transformação urbana e de desenvolvimento sustentado, visando evitar todas as formas de segregação e exclusão, recuperar e requalificar todo o património existente, estimular as iniciativas em parceria, e a participação dos cidadãos na discussão e concretização dos projectos de transformação da cidade.
O planeamento territorial tradicional aborda essencialmente os elementos físicos, usos do solo, infra-estruturas e equipamentos. Os fundamentos teórico-conceptuais do planeamento estratégico
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visam alcançar um projecto de cidade (quadro 3.5), reforçar a competitividade e melhorar a qualidade de vida.
Esse projecto de cidade valoriza a participação pública, promove a coordenação de actuações públicas e privadas e estabelece um quadro coerente de mobilização e cooperação dos actores sociais urbanos. Constitui um projecto de futuro para uma cidade ou região e sobretudo um contrato de gestão entre actores políticos, económicos e sociais, direccionado para a promoção e valorização de um território.
Quadro 3.5 - Planeamento estratégico enquanto projecto de cidade Fonte: Ferreira, 2005