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A legislação portuguesa urbanística moderna das décadas de 70, foi parcialmente alterada em 70 e 80, mas só veio a ser integralmente revista com a publicação do decreto-lei nº 69/90 de 02.03 que regula a elaboração, aprovação e ratificação dos planos municipais de ordenamento do território (PMOT).

Inicialmente, o Decreto-Lei nº 208/82 de 26.05 conferiu expressão legal aos planos directores municipais, tendo sido posteriormente regulamentado pela Portaria nº 989/82 de 21.10 e pelo Decreto-regulamentar nº 91/82 de 29.11.

Segundo Ferreira (2005), o plano director municipal constituiu um inegável progresso para o sistema urbanístico português porque:

 Dotava finalmente os municípios de um instrumento de planeamento territorial que lhes concedia um apreciável grau de autonomia;

 Abrangia o conjunto do território concelhio, permitindo uma adequada articulação entre os espaços rural e urbano, bem como a compatibilização com a REN e RAN;

 Permitia uma articulação com o planeamento económico e social e sugeria um enquadramento estratégico, ultrapassando a tradicional natureza físico-espacial do planeamento urbanístico;

 Contemplava a programação dos investimentos a realizar para a concretização do plano e a programação dos inerentes recursos e fontes de financiamento;

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 Reforçava o princípio e as oportunidades de participação pública no processo de planeamento, através do inquérito público;

 Estimulava a pluridiciplinariedade das equipas responsáveis pela sua elaboração;

 Apelava à concertação entre as administrações local e central, atribuindo um papel específico às comissões técnicas de acompanhamento.

A concepção do Decreto-Lei nº 208/82 de 26.05 beneficiou da experiência de elaboração do PDM de Évora, que decorreu entre 1978 e 1981, tendo alguns técnicos que integraram a equipa técnica do PDM de Évora participado na concepção e formatação do diploma.

No entanto, a eficácia da primeira legislação sobre os PDM revelou-se extremamente limitada e contida. Nos seus oito anos de vigência foram apenas aprovados cinco PDM: Évora, Mora, Ponte de Sôr, Moita e Oliveira do Bairro.

2.9.1 Os entraves e bloqueios no processo de elaboração dos PDM

Durante os cerca de 20 anos de vigência da legislação de 1971 poucos foram os instrumentos de gestão territorial aprovados, apenas 36 planos de urbanização e de pormenor. A promoção de planos urbanísticos pelas autarquias deparava-se com um longo e complexo processo de apreciação, tutelado por uma multiplicidade de entidades da administração central. Podemos salientar como exemplo o Plano Geral de Urbanização de Lisboa, concluído em 1965 e aprovado em 1977. Muitos planos não chegavam a ser concluídos ou então, quando finalmente almejavam a aprovação, já se encontravam obsoletos e ineficazes, ultrapassados pela dinâmica real dos processos sociais, económicos e urbanísticos (ironicamente, se bem que, com alguns contornos diversos, esta situação permanece até hoje!)

Tal explica-se pelas dificuldades técnicas, potenciadas pelas excessivas exigências de fundamentação estatística, para as quais não existia informação, e também de cartografia, cujas bases eram inexistentes ou estavam desactualizadas, bem como por aspectos institucionais que se prendiam com as tutelas administrativas excessivas exercidas pela administração central sobre o processo de acompanhamento e de aprovação dos PDM.

De outra perspectiva, o processo de elaboração assentava num moroso e complexo faseamento: estudos sumários, proposta de plano, projecto preliminar, estudos prévios, projecto-base e projecto de plano. Todas estas etapas contemplavam apreciações e aprovações parcelares pelo executivo camarário e pela comissão técnica de acompanhamento (CTA) que criavam entraves ao procedimento. Nos estudos sumários e no projecto de plano exigia-se também a aprovação pelas assembleias municipais.

De destacar igualmente, do ponto de vista institucional, como principais entraves ao processo de elaboração dos PDM, as consabidas debilidades das estruturas técnicas municipais e os entraves supra-referidos, provenientes das comissões técnicas de acompanhamento. A estas competia transmitir as linhas orientadoras o desenvolvimento nacional e regional e outras prescrições sectoriais e normativas emanadas da administração central no sentido de compatibilizar os PDM entre si, e estes com os planos regionais e os planos sectoriais.

Mas, a despeito das boas intenções do legislador, o trabalho das comissões técnicas de acompanhamento e a elaboração dos PDM depararam-se com a falta de definições, de normas e de orientações objectivas por parte da Administração Central. A ausência dos principais instrumentos de

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enquadramento dos PDM, os planos regionais do ordenamento do território (PROT) constituiu desde logo uma dificuldade insanável, sendo necessário esperar até à publicação do Decreto-Lei nº 176- A/88 de 18.05 para ser concluído e aprovado em 1991, o PROTAL (Plano Regional de Ordenamento do território do Algarve), que foi o primeiro PROT aprovado em Portugal.

Na maioria das vezes, as comissões técnicas de acompanhamento integravam um número exagerado de membros e assentavam numa lógica de funcionamento baseada na imposição de metodologias de abordagem da elaboração dos planos e numa perspectiva de tutela relativamente a opções que competiam ao poder local, o que dificultou a sua operacionalização e funcionamento.

Desta forma, a despeito de se visar que as CTA contribuíssem para a elaboração dos PDM e para a concertação de interesses e soluções entre a administração central e a administração local apenas se logrou que estas fossem meros agentes de bloqueio (Ferreira 2005).

O decreto-lei nº 69/90, de 02.03 veio contudo imprimir maior coerência e consistência ao sistema de planeamento territorial, procedendo a uma revisão simplificadora do processo e dos requisitos de formatação dos PDM, visando essencialmente abreviar o seu processo de elaboração. Este diploma veio a reduzir o faseamento da elaboração, reforçou a autonomia dos municípios na condução do processo e dispensou os inúmeros estudos sectoriais, criando-se assim uma maior agilidade e dinâmica no sistema de planeamento. Nos finais de 1996, mais de 250 concelhos, dos 275 existentes no continente, tinham o seu PDM aprovado, tendo, no entanto, a cobertura integral do País com estes instrumentos ocorrido apenas em 2003.

2.9.2 Da dispersão legislativa à unificação - A Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo

Porém, a despeito de toda esta proliferação legislativa verificava-se ainda uma grande desconexão e dispersão legislativa e a ausência de critérios conformadores, que só vieram a ser atenuadas com a publicação Lei nº 48/98, de 11 de Agosto, designada Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo (LBPOTU), conferindo-se assim alguma estruturação e consistência ao sistema dos instrumentos de gestão territorial.

No domínio do ordenamento do território, foi durante o XIII Governo Constitucional (1995- 1999), que finalmente se iniciaram os trabalhos direccionados ao enquadramento político da panóplia de instrumentos de planeamento, que sucessivamente foram sendo instituídos, sujeitos a várias tutelas e sem qualquer articulação entre si. Assim, em 1996, constituiu-se um grupo de trabalho para o Estudo de Contributos para a Elaboração de Normas de Base do Ordenamento do Território. O Movimento «O Partido da Terra» apresenta uma Proposta de Lei de Bases do Ordenamento do Território que foi a discussão na Assembleia da República; o anteprojecto, foi a discussão pública, onde resultaram vários pareceres e comentários; e finalmente, em 1998, foi aprovada a Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo (LBPOTU).28

A necessidade e vontade de instituir legalmente uma lei de bases do ordenamento do território encontra-se plasmada nas Grandes Opções do Plano de 1997 e no próprio Programa do Governo. As Grandes Opções do Plano para 1997, contêm um capítulo sobre Planeamento e Administração do Território onde uma das principais linhas de acção é “(...) dotar o país de uma lei de bases do

28 Esta lei enuncia “(…) os fins, os princípios e os objectivos que o ordenamento do território e urbanismo deverão prosseguir no território nacional e cria um sistema de gestão territorial que se organiza num quadro de intervenção coordenada em três âmbitos territoriais: nacional, regional, municipal.

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ordenamento do território, sendo a Assembleia da República a instância adequada para a produção desse novo enquadramento jurídico, cabendo ao Governo a elaboração e aprovação dos normativos complementares.”

2.9.3 A Regulamentação da LBPOTU- O Regime Jurídico dos Instrumentos de gestão territorial

A regulamentação da LBPOTU é feita no ano seguinte ao da sua publicação, com o D.L. n.º 380/99, de 22 de Setembro, onde são definidos o regime de coordenação dos âmbitos do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial.29

No âmbito da nova regulamentação, a política de ordenamento do território e do urbanismo assenta sobre um sistema de gestão territorial, organizado em três âmbitos distintos – o nacional, o regional e o municipal, que de um modo coordenado interagem entre si. Este sistema é concretizado através de um conjunto de instrumentos de gestão territorial, definidos conforme a natureza e função que desempenham em instrumentos de desenvolvimento territorial, os instrumentos de planeamento territorial, os instrumentos de política sectorial e os instrumentos de natureza especial.

Este diploma veio assim proceder à definição do regime aplicável aos instrumentos de gestão territorial criados ou reconduzidos ao sistema pela lei de bases, bem como, no que respeita aos instrumentos já existentes, à revisão dos regimes vigentes.

Através dele pretendeu-se delimitar as responsabilidades do Estado, das autarquias locais e dos particulares relativamente a um modelo de ordenamento do território que assegurasse o desenvolvimento económico e social e a igualdade entre os portugueses no acesso aos equipamentos e serviços públicos, num quadro de sustentabilidade dos ecossistemas, de solidariedade intergeracional e de excepcionalidade.

Com a aprovação do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial titulados pelo Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, foi dado mais um relevante passo na consolidação da cultura de planeamento territorial português. No entanto, a prática administrativa ulterior, cedo veio a revelar, a despeito de todas as virtualidades do diploma, uma insuficiência crónica na implementação concreta das suas directrizes, bem como distorções de compatibilização nas várias esferas e âmbitos territoriais de planeamento, que serão analisadas com maior detalhe no Capítulo 5.

29 Foi finalmente instituída uma base de referência para todas as políticas de planeamento e ordenamento. Jorge Gaspar (1995) chama a atenção para uma alteração nos valores daquilo que era, e é hoje o planeamento regional e o ordenamento do território

3 | PLANEAMENTO TERRITORIAL: A BUSCA DE UM CONCEITO – PLANEAMENTO TRADICIONAL VS PLANEAMENTO ESTRATÉGICO

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PLANEAMENTO TERRITORIAL: A BUSCA DE UM CONCEITO -

PLANEAMENTO TRADICIONAL VS PLANEAMENTO ESTRATÉGICO

«O planeamento estratégico aplicado a qualquer actividade humana consiste fundamentalmente, em conceber um futuro desejado e em programar os meios concretos para alcançá- lo»

Guell, 1997

« (...) o plano estratégico não pode ser encarado como um ritual metodológico, mas sim como um processo flexível visando dotar a cidade de uma estratégia consistente que proporcione notoriedade e singularidade à cidade e, sobretudo, que garanta o comprometimento dos principais actores urbanos, isto é, aqueles que têm capacidade para transformar a cidade.»

Pascual Esteve,1995