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5.2 Deficiências e disfunções do sistema de ordenamento e planeamento territorial português considerações

5.2.2 Tipos de disfunções

5.2.2.2 Disfunções institucionais /organizacionais

Neste âmbito serão focadas as principais deficiências existentes no domínio institucional/organizacional e na coordenação das entidades intervenientes nos processos de ordenamento do território. Consideramos que os diagnósticos do planeamento territorial e das suas ineficiências têm, de uma forma geral, conferido primordial enfoque à necessidade de reformulação dos instrumentos de gestão territorial. Embora tal não seja falso de todo, consideramos que os problemas são bem mais vastos e complexos do que a perspectiva citada. Efectivamente, de nada servem bons instrumentos, sem boas instituições pois são estas que procedem à sua aplicação e à efectiva gestão do território. Ora, se estas falham, por melhor, mais idóneo e dinâmico que seja o plano, nunca se alcançará o objectivo almejado.

Pelo exposto, postulamos uma reforma abrangente e alargada das entidades intervenientes nos processos de gestão territorial, que passa acima de tudo pela adopção de uma nova visão e postura perante os constantes reptos lançados pelo território.

Apontamos assim as seguintes deficiências que geram as disfunções institucionais referidas: 1. Promiscuidade das atribuições das entidades intervenientes na gestão do território

No domínio do ordenamento do território, do ponto de vista organizacional há uma complexidade gerada pela intervenção de diferentes órgãos com diferentes âmbitos territoriais e

71 Como chama a atenção, Pardal (2004) «nos segmentos que interessam mais à promoção privada vão-se observando excedentes de oferta enquanto nos restantes a procura contínua por satisfazer».

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diferentes atribuições, decorrente do «condomínio de atribuições» entre as entidades intervenientes (Estado, autarquias locais e Regiões Autónomas), estabelecendo-se constitucionalmente o desígnio de as diversas entidades actuarem de forma concertada.

Tanto a LBPOTU como o RJIGT consagraram na legislação ordinária este preceito constitucional, impondo a necessidade de coordenação de intervenções das diferentes entidades, referindo que a organização do sistema de gestão territorial se opera num quadro de interacção coordenada das diversas intervenções públicas. O RJIGT determina que o dever de coordenação das intervenções obriga as entidades públicas competentes a compatibilizarem entre si as respectivas opções territoriais a contemplar em instrumento de gestão territorial.

No entanto, a despeito de se preconizar o respeito pelas atribuições e competências dos diversos agentes na elaboração dos vários instrumentos de planeamento, o que se vem constatando na prática é a violação sistemática deste respeito, quase sempre em prejuízo da autonomia e da esfera das competências municipais. Desta forma, no âmbito dos processos de elaboração, aprovação e revisão dos PMOT é necessária a clara demarcação da esfera de competências municipais e da Administração Central, devendo cada plano territorial possuir o conteúdo próprio e adequado ao seu nível de intervenção.

A conjugação territorial das competências do nível municipal e do nível da Administração Central tem causado situações de conflitualidade, bloqueios sistemáticos e originado situações de falsas tutelas e usurpação de poderes que impossibilitam o exercício consciente e responsável das atribuições e competências de cada instituição, e que conduzem inevitavelmente à desresponsabilização e diluição de responsabilidades.

Segundo Soares, a gestão do território é uma área de descoordenação e difícil concertação, o que se deve, nomeadamente à sobreposição e deficiente delimitação de competências das entidades que intervêm e tutelam interesses públicos com repercussão territorial, ao centralismo de muitas das decisões adoptadas na administração pública, em paralelo com a dispersão dos poderes e centros de decisão do Estado sobre o ordenamento do território; ao sistema labiríntico e pouco transparente dos procedimentos da administração do território com uma forte diluição das responsabilidades das entidades envolvidas; às deficientes estruturas técnicas e administrativas dos serviços, agravadas pelas dificuldades em renovar os respectivos quadros técnicos e em prover a sua formação e qualificação.

2. Falta de dinamismo, criatividade e inovação da Administração Pública

Os planos de nada servem sem boas instituições que os apliquem da maneira mais idónea. É prioritário um esforço para a constituição de instituições sólidas, competentes, com recursos humanos fortemente qualificados, dotadas de flexibilidade e de um orçamento ajustado às suas necessidades.

Considera-se também fundamental a promoção da inovação, empenho e criatividade individuais, fazendo uma aposta no capital social e humano, aspectos tradicionalmente descurados pela Administração Pública, mas cujo investimento trará inevitavelmente benefícios a médio e longo prazo. Hoje em dia, a Administração Pública, bem como o processo de planeamento territorial encontram-se descredibilizados, e são olhados pelos cidadãos com desconfiança, pelo que há que superar tal deficiência introduzindo elementos de dinamização, criatividade e inovação nas actuações públicas.

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3. Tecnocracia, Burocracia e Morosidade

As instituições padecem de extrema tecnocracia e burocracia, encobrindo, com os procedimentos burocráticos pejados de pareceres técnicos e científicos, o exercício camuflado de poderes que condicionam e desvirtuam a própria acção do poder político, que se vê cerceado. Esta tecnocracia e burocracia pesada instaladas no sistema administrativo atingem de forma relevante os direitos privados dos particulares.

A burocracia e a tecnocracia apoderam-se e cercam as instituições intervenientes no processo de planeamento, bloqueando o poder político, tolhendo-o, e instalando irracionalidades que se repercutem no desordenamento do território.

4. Fraca governança territorial

A finalidade da governança territorial consiste em reforçar a capacidade das instituições num contexto territorial e temporal mais vasto, e de aumentar a sua margem de manobra institucional, constituindo novas formas de actuação.

A governança territorial prende-se com o aspecto institucional e de decisão da acção territorial, nomeadamente com as estruturas e os modos de decisão aplicados para conceber e realizar a estratégia territorial.

Esta abarca aspectos fundamentais da acção territorial como a identificação e definição de desafios territoriais, antecipação das evoluções, definição das orientações estratégicas e prioridades, elaboração dos programas plurianuais e os meios financeiros e humanos para atingir os seus objectivos. Para alcançar uma sólida governança territorial, há que recorrer a instrumentos, metodologias e instrumentos de gestão adequados.

A governança territorial necessita da aplicação de estruturas decisórias territoriais alicerçadas em novas formas de consulta e de participação social dos actores, e envolve as relações entre a sociedade civil e as estruturas políticas e administrativas e as articulações entre as diferentes escalas de intervenção territoriais (locais, regionais, nacionais e comunitários).

Consequentemente, a governança territorial como instrumento de gestão territorial visa a melhoria da capacidade para as autarquias fomentarem o diálogo entre os actores do planeamento territorial e o interface como interlocutor com os vários níveis de decisão, aumentando a eficácia das suas políticas e decisões.

5. Desresponsabilização política e diluição de responsabilidades

A coadunação territorial de competências distintas do nível municipal e central, se não for estruturada, compartimentada, claramente definida e correctamente procedimentalizada, degenera numa conflitualidade, em falsas tutelas e em usurpação de poderes que impossibilitam o exercício consciente e responsável das tarefas que competem a cada instituição. Daí a desresponsabilização generalizada sobre o ordenamento: não há autores, não há responsáveis, não há culpados; entra-se no domínio da fatalidade.

Há que instituir um regime claro e eficaz de responsabilização das decisões tomadas no domínio do planeamento territorial de forma a evitar a diluição de responsabilidades.

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6. Gestão casuística comprometida com a agenda política

Constata-se muitas vezes, em especial nas autarquias locais, que a gestão territorial municipal é influenciada por questões de cariz político e que se prendem com a agenda política. São secundarizados e relativizados os interesses que devem nortear os procedimentos de planeamento e gestão territorial como o interesse público, o correcto ordenamento do território, o desenvolvimento sustentável e a preservação dos recursos naturais, em detrimento de interesses políticos subjacentes e da oportunidade da tomada das decisões.

7. Permeabilidade entre os interesses privados de cariz político-económico e o interesse público Decorrente do acima descrito existe uma notória e inadmissível permeabilidade dos interesses políticos e económicos nas decisões territoriais. Urge clarificar e tornar mais transparente as relações entre a Administração Pública e os privados, atentas as relações ambíguas de interesses e competências que se estabelecem quando a estes são cometidas e facultadas funções de planeamento e de execução de operações urbanísticas.

8. Confusão de discricionariedade com arbitrariedade

No âmbito da gestão e planeamento territorial compete à lei suprimir a arbitrariedade e reduzir ao mínimo necessário o poder discricionário em matéria de decisão, tornando as decisões tão transparentes e neutras quanto possível relativamente a interesses em presença, sempre norteados pelo paradigma da prossecução do interesse público e do menor sacrifício dos direitos dos particulares.

Os municípios devem possuir uma esfera decisória autónoma com uma equilibrada dose de discricionariedade para decidir sobre as regras da planificação urbanística, porquanto tais decisões devem obedecer à procedimentalização estabelecida por lei, de modo a dar transparência e rigor à gestão dos valores e interesses envolvidos. Quanto mais procedimentalizadora for a lei nesta matéria, mais espaço e confiança haverá para a autonomia da gestão municipal. No entanto, a discricionariedade postulada não equivale a arbitrariedade, nem tão pouco a uma gestão territorial permissiva. Implica sim uma margem de manobra das entidades públicas para aplicarem os instrumentos à realidade territorial em constante mudança. Contudo, tal discricionariedade estará sempre devidamente balizada pela lei e pelo princípio da prossecução do interesse público.

9. Ausência de um compromisso com a solução

As entidades públicas intervenientes na gestão territorial devem efectuar um compromisso com a solução dos problemas territoriais, definindo as medidas e acções a efectivar mediante os planos de acção que asseguram a solução dos problemas, e tal não sucede efectivamente. Estas não devem refugiar-se na atitude cómoda e perversa de exercer o poder de proibir, obstacularizar e confundir com uma panóplia de falsas regras e conceitos indeterminados desviando-se do essencial, que é solucionar os problemas territoriais.

10. Organização centrada em funções e competências

A organização e postura das entidades envolvidas nos processos territoriais encontra-se centrada numa visão que privilegia exclusivamente a actuação de acordo com a sua esfera legal de atribuições e competências, descurando os resultados e objectivos que visa alcançar. Tal implica que a sua actuação é sempre coarctada em função das suas atribuições, não definindo como horizonte a atingir os resultados desejáveis, métodos, formas de acção e reavaliações do futuro ambicionado.

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11. Visão fragmentária e localista dos problemas territoriais

As instituições envolvidas nos processos territoriais adoptam a maioria das vezes, uma visão fragmentária e localista dos problemas, circunscrevendo-os exclusivamente ao território sobre o qual exercem as suas atribuições e competências. Tal denota a assunção de uma visão redutora e não integrada dos problemas, que implica concomitantemente a adopção de soluções segmentadas e pouco eficazes, despidas de uma visão transversal das disfunções existentes. Um dos princípios determinantes da nova gestão territorial é complementar a busca de eficácia económica com preocupações de equidade, de durabilidade, de criatividade nas diferentes escalas de desenvolvimento territorial que decorrem da lógica de desenvolvimento sustentável.

Neste novo contexto, uma entidade pública não pode conformar-se com a realização de um projecto, um programa ou uma política de forma isolada, examinando a sua coerência num quadro sectorial ou num perímetro geográfico circunscrito à sua área de influência.

Assim e segundo Quévit (2003), há que:

 Perceber as evoluções e as necessidades dos utilizadores ou beneficiários das acções a empreender, tendo em conta o contexto mais vasto no qual se inserem;

 Propor um programa coerente e adaptado apesar da multiplicidade de instâncias frequentemente concorrentes num dado domínio;

 Assegurar o acompanhamento e a avaliação das acções efectuadas de acordo com a nova coerência ditada pelo desenvolvimento sustentável;

 Criar a adesão dos beneficiários e nomeadamente dos cidadãos em redor das políticas efectuadas.

 A organização e a gestão operacional das políticas territoriais estruturam-se em procedimentos, mecanismos e métodos de aplicação de políticas, programas e projectos de forma integrada e global.

12. Ausência de prospectiva territorial

Actualmente não há prospectiva territorial no ordenamento e gestão do território, porquanto os planos são elaborados com uma margem temporal estática do território em análise, o que implica que frequentemente, aquando da entrada em vigor dos instrumentos de gestão territorial eles já não são idóneos para a realidade que visam regular, pois a mesma sofreu entretanto mudanças significativas.

Assim, numa visão de desenvolvimento duradoura, a prospectiva territorial constitui um instrumento indispensável para encetar uma acção coerente no tempo e para medir as evoluções do espaço territorial e o seu ambiente externo. A gestão territorial acarreta a necessidade de dotar os actores envolvidos no processo, de instrumentos de análise e de normas de execução com uma visão permanente de prospectiva territorial.

Numa sociedade complexa, com mutações rápidas, e face a um futuro incerto, o planeamento urbanístico funcionalista, que ainda enforma o nosso sistema de planeamento territorial, perde operacionalidade. Há que encarar o planeamento e a gestão do território em termos prospectivos e de acordo com as metodologias do planeamento estratégico. Pela sua pertinência e actualidade

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transcreve-se aqui um extracto de François Ascher sob a epígrafe “Da planificação urbana à gestão estratégica urbana”:

“O urbanismo moderno definia um programa de longo prazo para uma cidade e fixava os princípios de organização espacial (sob a forma de planos directores por exemplo) daí deduzindo os planos de urbanização, que visavam “encaixar” as realidades futuras nesse quadro pré definido. Os planos e os esquemas directores tinham como objectivo dominar o futuro, reduzir a incerteza, realizar um projecto de conjunto (global). O novo urbanismo apoia-se em procedimentos mais reflexivos, próprios de uma sociedade complexa e de um futuro incerto. Elabora uma multiplicidade de projectos de natureza diversa, esforça-se por torná-los coerentes, constrói um processo estratégico para a sua realização conjunta e tem em conta, na prática, os acontecimentos que vão ocorrendo, as evoluções que se desenham, as mutações que se encadeiam, pronto a rever, se necessário, os objectivos predefinidos ou os meios inicialmente fixados para os realizar.

Transforma-se, assim, num processo de gestão estratégica urbana que integra a crescente dificuldade de reduzir as incertezas e os acasos de uma sociedade aberta, democrática e marcada pelas acelerações da nova economia. A gestão estratégica urbana articula, de forma inovadora, por aproximações sucessivas, o longo e o curto prazo, a grande e a pequena escala, os interesses gerais e os interesses particulares. É um processo simultaneamente estratégico, pragmático e de oportunidades. A noção moderna de projecto está, cada vez mais, no coração deste urbanismo. Mas o projecto não é, somente, um desígnio tornado desenho. É, também, um instrumento cuja elaboração, expressão, desenvolvimento e execução revelam as potencialidades e os constrangimentos que a sociedade, os actores em presença, os sítios, as circunstâncias e os acontecimentos impõem. O projecto é, também, um analisador e um instrumento de negociações.”