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Assim que a diretora começou a conduzir o processo criativo trabalhamos com uma grande gama de materiais para intensificar a mobilização interna do corpo – suas emoções e imagens – e a exteriorização destes conteúdos em movimento. Dentro deste contexto foi feito o Co-habitar com a Fonte complementar e as pesquisas dos livros, dos vídeos, dos espaços e dos objetos.

Com a Estruturação da Personagem há uma síntese dos conteúdos internos,

aliados aos da pesquisa de campo, e uma condensação deles no corpo. Através da personagem trazemos o seu espaço, surgem novos elementos, vamos abrindo o "baú" da sua história e conhecendo cada vez mais seu corpo. Depois vamos selecionando os conteúdos da personagem, observando quais são mais fortes em seu corpo e quais insistem em aparecer.

O que caracteriza o método BPI é que nele este processo todo ocorre sempre de dentro para fora, não há um modelo externo a ser alcançado, nem quanto às formas de movimento nem quanto à personagem que será criada ou ao conteúdo que será dançado. O conteúdo que virá à tona no corpo do intérprete será algo novo e não premeditado, tanto para ele quanto para o diretor.

O BPI inova por legitimar o corpo do bailarino como o eixo do processo criativo. A comunicação de aspectos simbólicos ocorre no contexto do ritmo, das cores, das formas, dos tamanhos, enfim, da criação artística integrada no corpo do bailarino. A criação está na originalidade de cada corpo (RODRIGUES, 2003, p.160).

O foco é o que o corpo do intérprete tem para exprimir naquele momento, de maneira integrada, isto é, considerando suas sensações, emoções, memórias e sua história. O foco não está nos desejos e expectativas do intérprete, nem do diretor. "O que o corpo expressa ou deixa de expressar irá possibilitar a estruturação da personagem e não o desejo,

a inspiração, enfim a projeção do diretor no intérprete" (RODRIGUES, 2003, p.133). O diretor precisa ter uma percepção apurada do intérprete e saber receber o que está vindo dele sem restrições. Rodrigues (2003, p.93) ressalta que:

[A] atitude da direção, de estar centrada e em interação com as pessoas que estão vivenciando o Processo, é fundamental. Trata-se de uma aceitação desses corpos, não importando como eles se apresentem – sem censurá-los, sem classificá-los – acolhendo-os, para conduzi-los a uma descoberta que é deles. [grifos nossos] Faz parte do processo BPI o trabalho das emoções, sensações e do histórico de vida do intérprete, que constituem seu Inventário no Corpo. Este trabalho leva a uma maior consciência do intérprete sobre si mesmo. Porém, através da personagem, o intérprete vai além das suas vivências pessoais, ele contacta e agrega dimensões que lhe são maiores, envolvendo os níveis social e simbólico. No caso de Dalva, por exemplo, há, no nível social, a ligação com as meninas de rua, a exploração infantil, os catadores de lixo e os moradores de rua. No nível simbólico, há a ligação com São Jorge e o Dragão, com o Dilúvio, com Vênus, com Ogum, Iansã, entre outros.

Na etapa do fechamento do roteiro há uma atenção especial quanto ao percurso que será vivido pela personagem. Esta atenção vai além das questões dramatúrgicas, pois o BPI considera de central importância o que este percurso irá significar para o desenvolvimento pessoal do intérprete: o roteiro tem uma importância no âmbito interno para o intérprete que irá vivenciar aquele percurso emocional.

Neste sentido, a dramaturgia, na forma como é trabalhada

tradicionalmente, é deixada em segundo plano no método BPI, pois mesmo que um

roteiro funcione muito bem a nível dramatúrgico, ele será descartado se for contraproducente para o desenvolvimento do intérprete. Por exemplo, se levar o intérprete a um percurso de autodestruição, de imobilização ou de afirmação da falta de saídas para o seu próprio desenvolvimento pessoal. Esta é uma opção deliberada no método BPI, é parte inerente do método e diz respeito a todos os roteiros criados neste Processo. Rodrigues (2003, p.162) enfatiza que o BPI tem como um de seus princípios básicos "garantir à arte

um espaço legítimo de evolução da pessoa. Portanto, não se deve estar preso a condições formais ou a outros interesses que fujam da rota proposta desde a sua origem".

Melchert (2007, p.24) nos diz sobre a dramaturgia no BPI: "[a]qui a dramaturgia não é conceitual (uma idéia externa), pois a estruturação do trabalho respeita o material que emergiu como original e singular do corpo do intérprete, fruto de várias elaborações de suas sensações e emoções geradoras de movimentos". A autora cita o diretor e dramaturgo Antoine Pickels77 (apud MELCHERT, 2007, p.20) como alguém que critica a dramaturgia de conceito: "[p]ara o autor a imposição de idéia temática [característica da dramaturgia de conceito] pode negligenciar a realidade corporal do bailarino, tentando impor a ele uma dramaturgia criada intelectualmente, a qual nega a sua individualidade".

A dramaturgia no BPI irá provir daquela pessoa, ou seja, daquele intérprete específico visto o máximo possível de maneira integrada: "o intuito é alcançar um corpo que dança no seu mais profundo sentido de existência" (RODRIGUES, 2003, p.123). Procura-se construir e entrever a identidade corporal do intérprete naquele momento, a qual não é vista como algo dado ou imutável, e sim, como algo flexível. Segundo Rodrigues (2003, p.91) busca-se no BPI "a maleabilidade desse eixo [do intérprete] para possibilitar ao corpo sofrer metamorfoses. É importante insistir no movimento que possibilite contato com o próprio corpo, ou melhor, distintos contatos". Nagai (2008, p.95) ressalta:

O método BPI prevê e realiza um espaço de acolhimento para o artista encontrar-se com a verdade de sua carne e não apenas de suas idéias. A síntese se conquista na integração do corpo e não na idéia de corpo ou de identidade. Neste processo, identidade é aquilo que está vivo em mim.

Neste contexto, difere muito a atuação do diretor no método BPI, pois ele estará com sua atenção voltada primeiro para a pessoa e segundo para a cena e o produto artístico. Para conseguir realmente olhar para a pessoa, neste nível de

aprofundamento do qual estamos falando, o diretor precisa ser alguém que conheça seus próprios processos pessoais de forma a estar atento às suas projeções.

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PICKELS, A. Lê Corps a ses raisons (que le dramaturge ignore). In: ADOLPHE, J.M. et.al. Dossier danse et Dramaturgie. Nouvelles de Danse. Bruxelles: Contredansa, n. 31, 1997. p.26-30.

Uma questão importante para a qualidade desse diretor é que ele já tenha feito um reconhecimento das suas impressões corporais, aberto mão delas e buscado uma transformação, saindo do seu

script78 em termos corporais. Sem isso ele não poderá suportar e nem facilitar o processo de transformação que ocorre em laboratório (RODRIGUES, 2003, p.154).

LABORATÓRIOS VOLTADOS PARA A PESQUISA DOS