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Temos preferência por apresentar a Valsa do Desassossego em ambientes abertos, de livre acesso, nos quais transitam pessoas que não costumam assistir a espetáculos de dança. A maioria das apresentações acontece ao ar livre (ver Tabela 1), sendo que os lugares fechados não são teatros, são barracões, praças de convivência e salões adaptados para receberem a apresentação.

Tabela 1 – tipos de espaço e número de apresentações realizadas em cada um deles.

TIPO DE ESPAÇO No DE APRESENTAÇÕES

AO AR LIVRE 18

COBERTO, MAS ABERTO NAS LATERAIS 3

Os lugares variam quanto a tamanho, nível de ruído e arquitetura. Os espaços ao ar livre são principalmente praças nas regiões centrais das cidades, mas também apresentamos em um estacionamento, um parque e uma quadra de esportes. As apresentações são predominantemente de dia (ver Tabela 2), sendo que aquelas noturnas contam apenas com recursos básicos de iluminação.

Tabela 2 – Período do dia e número de apresentações realizadas em cada um deles.

PERÍODO DO DIA No DE APRESENTAÇÕES

DE DIA 18

À NOITE 8

Sempre temos um cuidado em acomodar o público, montando arquibancadas móveis ou colocando cadeiras, colchonetes ou tapetes para as pessoas sentarem. Em algumas apresentações chegamos a distribuir sombrinhas e chapéus para ajudar a proteger as pessoas do sol. Este cuidado não passa despercebido pelas pessoas da platéia, algumas vêm nos agradecer a atenção.

Em uma apresentação, no entanto, nos é dito pela produção do local que colocar cadeiras para o público sentar iria contra a "natureza" do teatro de rua e isso descaracterizaria o projeto deles, cujo objetivo é apresentar espetáculos de rua. De nossa parte não há uma preocupação quanto a enquadrarmo-nos em uma conceituação do que é ou não considerado teatro de rua e sim, em estabelecer uma relação com as pessoas do lugar, sensibilizando-as, tratando-as bem, proporcionando-lhes a fruição de um espetáculo cênico o qual dificilmente teriam oportunidade de ver se estivesse acontecendo no interior de um teatro (ver Figura 29).

Filmagens: Camila Bronizeski Fotos: Pedro Peixoto Ferreira

São Carlos, SP, junho de 2006 (still de vídeo). Campinas, SP, agosto de 2005 (foto).

São Paulo, SP, agosto de 2006 (still de vídeo). Campinas, SP, agosto de 2004 (foto).

Figura 29 – Exemplos de diferentes espaços de apresentação.

DANÇAR "NO TEMPO" – A CÉU ABERTO

Ao fazermos o primeiro ensaio da Valsa do Desassossego ao ar livre sinto um grande impacto. Este ensaio ocorre após a estréia do espetáculo, nas preparações para as apresentações no estacionamento do Departamento de Artes Corporais da UNICAMP130.

Temos a oportunidade de ensaiar no local em um fim de semana antes dos dias das apresentações, quando o campus está relativamente vazio e silencioso. Mesmo assim, sinto um desconforto pela falta de privacidade – as pessoas param para assistir o ensaio – e

130

Ver ANEXO 4 (Estacionamento do Departamento de Artes Corporais da UNICAMP; e UPA – Universidade de Portas Abertas – Estacionamento do Departamento de Artes Corporais da UNICAMP).

mais ainda por estar "no tempo", isto é, debaixo de um sol quente e sob a ação de um vento constante.

O sol faz com que meu tônus muscular baixe e eu me canse muito mais rápido do que quando estou em lugares cobertos; o vento é um incômodo por ser um estímulo ininterrupto na pele, nos olhos, além de causar transtornos no cenário, fazendo os panos do andaime voarem e enroscarem nos figurinos, as cortinas abrirem e fecharem sozinhas, as fitas emaranharem-se e invadirem o espaço cênico, os lixos do cenário serem carregados para longe, entre outros. Em um primeiro momento parece-me impossível dançar nestas condições.

A diretora orienta-me em adaptações para lidar com este espaço. Temos mais um dia de ensaios antes da apresentação e podemos testar e elaborar as mudanças. Realizamos adaptações no cenário, como por exemplo, selecionar os lixos mais pesados, colocar velcros para prender as cortinas e pesos para segurar os panos. Testamos como lidar em cena com estas novas adaptações. A diretora também trabalha comigo em questões mais diretamente relacionadas à performance, como o alcance da voz, as mudanças nos sentidos decorrentes da relação com o novo espaço, a expansão do corpo, dentre outras.

Nos espaços ao ar livre, temos que nos acostumar com o "público" nos ensaios e aprender a usar isso a nosso favor, já aproveitando para divulgar a apresentação, observar as pessoas e testar o alcance da voz. Além de saber que não teremos privacidade, temos sempre que pensar na segurança, pois o cenário é montado várias horas antes da apresentação e precisa haver alguém permanentemente no local para assegurar que ninguém mexa na estrutura cênica e nos equipamentos de luz e som até o momento da performance.

Durante as apresentações ao ar livre é preciso aprender a lidar com as várias interferências, como os barulhos de carros, ônibus e motos passando, propagandas em auto- falantes, pessoas que buzinam, gritam, entre outros. Estas interferências acabam fazendo parte do espetáculo, sendo incorporadas nos sentidos da personagem e fazendo com que determinadas falas precisem ser repetidas, cada vez voltadas para uma direção, ou precisem aguardar o término de ruídos mais altos para serem ditas.

A diretora recomenda que a cada apresentação eu perceba a acústica do local, teste o quanto a voz precisa ser projetada para alcançar as pessoas que estão mais longe. É preciso ter uma referência do mínimo de intensidade no volume da voz para que esta seja ouvida por todos. Nos lugares mais barulhentos e com as pessoas mais afastadas a voz precisa ser o tempo todo muito intensa o que restringe a possibilidade de variações no trabalho vocal.

A maior modulação no trabalho vocal está relacionada a uma maior modulação nos sentidos do corpo como um todo. Nos lugares muito ruidosos a fala precisa ser o tempo todo "atirada" longe, para todas as direções, assim como os gestos, o olhar, as intenções dos movimentos. O corpo precisa ser mais rápido e enérgico em uma atuação multifocada.

No entanto, também há interferências do ambiente que ajudam nos sentidos do espetáculo, combinando-se harmonicamente com eles. Por exemplo, em uma apresentação ao ar livre o sol ficou forte durante todo o espetáculo. Apenas no final do roteiro, no momento da cena da "morte do cisne" no qual Dalva é baleada e diz "eu acho que eu vou ter que ir", o céu nublou subitamente fazendo o sol desaparecer. Na hora, este escurecimento do ambiente fez parte do espetáculo, intensificando o sentido de morte que estava ocorrendo em cena.