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A configuração do público durante a apresentação faz parte da construção do espaço da personagem. A coreografia precisa ser adaptada de acordo com a disposição do público, mais próximo ou afastado, mais para um lado ou outro do espaço cênico.

Nas apresentações diurnas ao ar livre há uma relação diferenciada com o espaço do público, pois este ganha expansão e visibilidade. Nestas apresentações eu me relaciono com pessoas e paisagens em diferentes distâncias e níveis, há aquelas que estão ao longe e outras a um metro de mim, aquelas sentadas no chão e aquelas no alto de sacadas e rampas. Posso enxergá-las bem, perceber seus movimentos, relacionar-me com quem passa por trás do espaço cênico ou com quem assiste apenas enquanto passa de carro. A coreografia

ganha novas pontuações e expansões ou recolhimentos de acordo com os direcionamentos do corpo na interação com as pessoas em diferentes distâncias.

Notamos que poder enxergar as pessoas durante a apresentação, falar com elas olhando nos seus olhos e ver suas reações favorece o estabelecimento de uma relação mais direta com o público, as pessoas que assistem não permanecem incógnitas.

As pessoas que estão mais longe tendem a conversar mais entre si e se distrair. Nas primeiras apresentações eu não me relacionava tanto com elas, considerando como público apenas aquelas que estavam mais próximas, atentas ao espetáculo. Com a experiência das apresentações meu corpo vai se ampliando e abarcando cada vez mais todo o espaço, lançando pontes que buscam alcançar mesmo quem está ao longe ou apenas de passagem, procurando capturar sua atenção e envolver estas pessoas na ação.

Dinâmicas do espaço

Expusemos no item "O espaço de Dalva" (p.82) que o espaço criado pela personagem é uma projeção de seu próprio corpo. A imagem corporal não se limita ao tamanho do corpo, podendo expandir-se para abarcar um espaço maior. Quando nos relacionamos com outras pessoas existe uma interação de imagens corporais, Schilder (1999, p.261) considera que "[p]odemos descrever as relações entre as imagens corporais de diferentes pessoas através da metáfora de um campo magnético com forças que se espraiam em todas as direções". A amplitude das forças deste campo estão ligadas não apenas ao fator da distância espacial, como também ao fator emocional: "toda emoção relativa a outra pessoa nos aproxima de sua imagem corporal" (ibid., p.261). Schilder (1999, p.268) destaca que nesta aproximação de imagens corporais não importa se a reação emocional é de amor ou de ódio, ambos aproximam as pessoas.

Na atuação da personagem no espetáculo no método BPI, os conteúdos agenciados pela personagem transbordam o espaço cênico. Como em mergulhos no ambiente ao redor, o espaço da personagem vai e volta, cresce e encolhe, lança tentáculos. É como se houvesse uma região no centro, delimitada pelo espaço cênico propriamente dito, que é mais condensada em termos de projeções de conteúdos, mas há toda a região em

volta cujo desenho varia de acordo com as intenções da personagem e as projeções de seus gestos. O quanto este espaço expande-se, como e para quais direções, depende da cena do roteiro, das circunstâncias, do que está chamando a atenção da personagem em cada momento e do público, tanto sua localização quanto sua receptividade.

Com relação à localização do público, o espaço irá expandir-se para abarcar os locais nos quais há público, adquirindo diferentes formas de acordo com estas localizações. Na Valsa do Desassossego o espaço poderá, por exemplo, prolongar-se em um "tentáculo" quando a personagem se relaciona com alguém que ela vê passando ao longe (ver Figura 30).

Figura 30 – Ilustração da ampliação do espaço cênico de acordo com a localização do público.

Quanto à receptividade do público é como se as pessoas que apresentam uma maior receptividade a todo o momento puxassem a atenção da personagem para si, o que faz com que o espaço da cena cresça em sua direção e as abarque. O espaço criado nesta relação fica mais denso, vívido, cresce o trânsito de informações, fica mais fluido e mutável. Quando a pessoa está demonstrando muito incômodo, também chama a atenção da personagem para si. Nos lugares nos quais há pessoas mais fechadas aos conteúdos do espetáculo, o espaço cresce até as pessoas e pára diante delas confrontando-a, fica mais rígido, há um embate. A ampliação do espaço em direção a estas pessoas pode ser sentida por elas como uma agressão (ver Figura 31).

Figura 31 – Ilustração da configuração do espaço cênico de acordo com a receptividade do público.

Por outro lado, as diferentes cenas do roteiro também têm suas peculiaridades quanto à dinâmica do espaço criado. Há cenas, por exemplo, que tendem a puxar mais as pessoas para dentro do espaço cênico, enquanto outras expandem este espaço projetando-o para além do público. Podemos exemplificar a primeira situação através do início da cena da "morte do cisne", quando a personagem está encurralada (ver Figura 32), e o segundo caso através da cena "final" quando a personagem rodeia o espaço com a bandeira (ver Figura 33).

Figura 33 – Ilustração da configuração do espaço na cena "final" quando a personagem rodeia com a bandeira.

Esta expansão e recolhimento do espaço cênico de acordo com os conteúdos do roteiro não se dá sempre da mesma forma, há expansões mais redondas e outras pontiagudas, há vibrações e rodamoinhos na dinâmica dos espaços criados (ver Figuras 34, 35 e 36).

Figura 35 – Ilustração da configuração do espaço na cena "luta com o dragão" quando a personagem luta no chão.

Figura 36 – Ilustração da configuração do espaço na cena "arrastão" quando a personagem dança após falar "eu vô dançá".