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[...] sob a perspectiva do método BPI [...] o corpo do pesquisador é o meio de absorção da realidade pesquisada e o corpo do Outro, o lugar do encontro.

Graziela Rodrigues e Regina Müller43

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Algumas das referências audiovisuais pesquisadas são: Boca de Lixo (1992); Ilha das Flores (1989);

Morayngava (1997); Mundança (1998); e Saforai (1996).

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Para mais, ver Rodrigues (1997, p.147-149; 2003, p.105-120).

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Após este primeiro laboratório dirigido por Graziela Rodrigues, parto para a pesquisa de campo. Durante o período da pesquisa de campo dou início às outras atividades indicadas: começo a ler os livros e assisto a vídeos emprestados pela diretora44 e vídeos retirados na biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas-IFCH da UNICAMP45. O estudo deste material influencia meu olhar na pesquisa de campo: eu observo na realidade fatos que me remetem a estas referências e reflito sobre eles.

Os conteúdos surgidos nos laboratórios de movimento realizados até este momento também despontam em meu corpo durante as vivências da pesquisa de campo. Observo em campo realidades que se relacionam com estes conteúdos internos mobilizados. Por exemplo, paisagens urbanas e miseráveis, situações de violência, pessoas delirando, casas com cortina na porta, cabaninhas de plástico, vozerios. Todavia a pesquisa de campo também traz novos conteúdos, muitos dos quais eu só virei a conhecer quando aflorarem em meu corpo no retorno aos laboratórios da fase Estruturação da Personagem.

A pesquisa de campo dura doze dias. São dez idas a campo:

• 07-07-2003 – Centro de Campinas: Praça do Fórum, Largo do Rosário, Praça da Catedral; • 08-07-2003 – Campinas: UNICAMP (Restaurante Universitário, Ciclo Básico I, Teatro de Arena);

• 10-07-2003 – Centro de Campinas: Ferroviária, Museu da Cidade, Praça da Catedral; • 11-07-2003 – Campinas: procura do Lixão;

• 12-07-2003 – Campinas: Praça do Fórum, Largo do Rosário, Estação Anhumas;

• 13-07-2003 – São Paulo: visita às aldeias indígenas Guarani Morro da Saudade e Krukutu;

• 14-07-2003 – Campinas: UNICAMP (dentro do Restaurante Universitário, Ciclo Básico I, Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica-IMECC, Casa do Lago e estacionamentos do Ginásio Multidisciplinar, do Instituto de Artes-IA, do Instituto de Estudos da Linguagem-IEL e do IFCH,);

• 16-07-2003 – São Paulo: Praça da Sé, Teatro Municipal, Bairro da Liberdade;

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A diretora empresta-me fitas VHS de vídeos de pesquisas da antropóloga Regina Polo Müller com os Asuriní do Xingu.

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• 17-07-2003 – Campinas: Estação Guanabara;

• 18-07-2003 – São Paulo: Bairro Bom Retiro, Oficina Cultural Oswald de Andrade, Pinacoteca do Estado, Parque da Luz, Estação da Luz.

Na pesquisa de campo da fase Co-habitar com a Fonte do método BPI, o intérprete deve estabelecer uma relação cinestésica com os corpos pesquisados, além de manter sempre o contato com suas próprias sensações. O Co-habitar com a Fonte permite que o intérprete aprofunde o seu Inventário no Corpo. "O Co-habitar com a Fonte possibilita uma rica interação entre corpos [...] O pesquisador ao estabelecer uma fina sintonia no contato com o outro poderá sintonizar-se consigo mesmo e se conhecer" (RODRIGUES, 2003, p.105)

Este tipo de pesquisa de campo exige uma preparação do corpo. Durante o período da pesquisa mantenho meu trabalho corporal e realizo laboratórios. O trabalho corporal baseia-se na Estrutura Física do método BPI. Nas palavras de Rodrigues (1997, p.148):

A preparação para o campo exige centração, com todos os atributos do que seja eixo: postura, neutralidade e um estar presente (= envolvimento com a realidade, despojado dos pré-conceitos, relacionados à dança). Ao mesmo tempo há que se ter um corpo aberto para o recebimento do material da pesquisa em si mesmo. Há que se ter fôlego e paciência para pesquisar "o corpo que dança" em todo o seu contexto.

Segundo Teixeira (2007, p.7) na pesquisa de campo do BPI o pesquisador deve estar preparado para:

[A]brir o olhar de todo o seu corpo [...] capturar, como uma antena parabólica, todos os sinais de campo, ou seja, o máximo da paisagem, uma abrangência dos cheiros, dos sons, dos movimentos, dos gestos, de tudo o que é visível e, ainda, do que não é visível, os significados.

Durante a realização desta nova pesquisa de campo indicada pela diretora, o

"observação" do que de "ação", não há uma pessoa ou grupo de pessoas o qual eu acompanhe, esteja junto nos seus afazeres e converse.

Em cada espaço de pesquisa eu observo as pessoas e o modo de elas se movimentarem, suas expressões faciais, olhos, postura, tônus, gestos, jeito de andar, roupas. Busco enxergar o que elas expressam, se estão mais abertas ou fechadas, cabisbaixas, apressadas, esperando, quais são suas emoções, como se relacionam com o lugar e com as outras pessoas, o que fazem, se o corpo parece "maltratado pela vida", apático, revoltado, revigorado.

Procuro lugares abertos, cheios de gente, das mais variadas pessoas, quero ir "onde o povo está". As Praças da Catedral e do Fórum em Campinas, a Praça da Sé em São Paulo e a rua da frente do Teatro Municipal em São Paulo são os lugares pesquisados com os quais mais me identifico para apresentar.

A noção do que possui relação com os conteúdos que estão surgindo em meu corpo guia-me na escolha dos objetos que adquiro nos lugares da pesquisa de campo. Alguns dos objetos recolhidos em campo são: boneca de plástico, radinho de pilha, esteira de palha, cobertor cinza, cabo de vassoura, xale e velas.

Durante a pesquisa posso sentir como é estar nas praças por um longo período de tempo e como é ver a praça e as pessoas de diferentes ângulos. Eu não estou mais "de passagem". É difícil sentir-me um pouco mais à vontade para ficar parada nas praças. No início, sinto-me o tempo todo observada, "destoando" do lugar. Não encontro lugares nos quais possa ficar discretamente.

Com o tempo em campo sinto-me mais à vontade, vou pertencendo mais às praças e ruas e, inversamente, sinto-me deslocada quando saio do espaço da rua, entrando em algum recinto fechado (por exemplo, no Teatro Municipal de São Paulo ou na Pinacoteca do Estado). As paisagens de campo passam a fazer parte do meu corpo, começo a co-habitar.

Por um momento o pesquisador vive aquela paisagem da pesquisa de campo como se pertencesse a ele. Isto significa que ele está co- habitando com a fonte. Neste patamar ocorrem apreensões de elementos fundamentais, não verbais, que o corpo assimila e guarda

e que só serão expressos no trabalho de laboratório (RODRIGUES, 2003, p.107).

A seguir, colocamos uma síntese do que foi apreendido na pesquisa de campo, dividindo os conteúdos em "cronologia", "paisagens" e "personagens" (pessoas presentes na pesquisa de campo). A divisão nestes temas é uma das propostas utilizadas no BPI para a organização dos conteúdos da pesquisa de campo.

Cronologia na pesquisa de campo

muitos

muitos são os dias num só dia

fácil de entender

mas difícil de penetrar

no cerne de cada um desses muitos dias porque são mais do que parecem

Ferreira Gullar46 Durante a pesquisa de campo observo que no centro da cidade, nas praças, parece que o tempo não acontece em ordem cronológica. Não vemos seqüências, vemos

cenas. A sensação é de que os fatos não se "grudam", são diversos fatos pequenos e

isolados. Há as pessoas que passam e as pessoas que ficam paradas. Vários tempos ocorrendo simultaneamente: o dos moradores de rua, das pessoas que trabalham no local, das que passam, dos carros, dos pombos, dos auto-falantes. "É impossível dizer/ em quantas velocidades diferentes/ se move uma cidade/ a cada instante" (GULLAR, 2001, p.59).

A maioria das pessoas está em um fluxo apressado, sempre indo e indo, seguram seus corpos, suas bolsas, fechadas, parecem não estar realmente ali. Algumas vão em um fluxo mais lento, mas mesmo assim vê-se que não estão à vontade, não se apropriam daquele lugar, parecem não sentir que a cidade lhes pertence.

E quem se sente à vontade e se apropria dos lugares? Principalmente os moradores de rua, eles fazem da praça sua casa, encostam-se nos lugares, deitam-se, tomam

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banho; e também os catadores de lixo, os desempregados, os velhos aposentados, as crianças e, em menor grau, os trabalhadores da praça: engraxates, fotógrafos, taxistas. Enquanto nos trabalhadores há alguma ação, nos moradores de rua muitas vezes há um longo "estar" que parece sem fim.

Também percebo durante a pesquisa uma sobreposição de tempos devido aos objetos impregnados de uso, vestígios que trazem as pessoas que já utilizaram aqueles objetos ou deixaram suas marcas pelos lugares. É o caso, por exemplo, dos objetos antigos na Estação Ferroviária de Campinas e ainda, de lugares muito encardidos da cidade, lugares com restos ou com objetos abandonados.

Paisagens na pesquisa de campo

Muita informação: muitas pessoas passando em todas as direções. As falas, cada dupla ou grupo que passa um assunto, um estado. Muitos pombos voando [...] buzinas, sirenes de vez em quando. Placas das lojas, grandes, coloridas, preços [...] camelôs que gritam, crianças que choram. Prédios, fios de eletricidade, lixeiras [...] Despertadores tocando, orelhões que avisam para pegar o cartão. Músicos de rua. Passos no chão. Carros de polícia.

Trecho de diário de campo47 Encontro em campo muitas "misturas" e "excesso". De materiais, de gente, de cores, sons, texturas, cheiros. O centro está sempre cheio, dá impressão de tudo amassado, pressionado. Há muito lixo espalhado no chão. Pedestres, carros, pedintes, catadores de lixo e ambulantes disputando espaço nas ruas e calçadas, tudo apertado. Confusão. Muitos carros estacionados e querendo estacionar. Barulho constante das obras, das britadeiras, dos martelos. Vejo casas feitas nos lugares mais variados e usando diversos tipos de materiais: lata, papel, plástico, madeira, roda de bicicleta, poste, árvore, banco, espuma e panos.

Há locais que são "saídas" da movimentação da cidade. Reparo no ambiente de dentro das barraquinhas dos camelôs. Estas barraquinhas lotadas de objetos por todos os lados às vezes formam um espaço meio fechado, no meio delas, que cria um outro mundo.

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Fica isolado da vista da cidade e até do barulho parece isolar um pouco. Vejo pessoas ali dentro, comendo, vendo revistas ou se arrumando.

Da mesma forma, apresentam essa característica de "saídas" da movimentação, sacadas em galerias de comércio do bairro Bom Retiro em São Paulo das quais se vê a confusão e se ouve o burburinho da rua de cima, "de fora", e também escadinhas estreitas que dão para lojas no andar de cima das lojas da rua.

Outra característica relevante no campo pesquisado são os "contrastes". Estes espaços relatados acima também se caracterizam em contrastes, pois há de um lado a confusão e de outro a tranqüilidade, de um lado a exposição, de outro o resguardo.

A vivência mais significativa neste sentido dos "contrastes" é minha ida até o Teatro Municipal de São Paulo. É um percurso no qual eu co-habito com a fonte. Após estar com o corpo sintonizado com a rua, a sujeira, a pobreza, o barulho, olhar para dentro do Municipal pelo lado de fora, pelo vidro da porta, contrasta muito. Há luxo lá dentro e limpeza, quietude, organização. A sensação é de um mundo fechado dentro do teatro, do qual eu, estando do lado de fora e tendo passado dias indo para a rua, não posso fazer parte. Ao pegar a Rua Direita para voltar para a Praça da Sé, a rua cheia, muito movimento e vozerio. Há duas fileiras de vendedores na rua. À medida que eu passo pelo meio, eles ficam me empurrando mercadorias. Sinto a rua pulsando. Sinto que aquelas pessoas estão a ponto de explodir.

Destacam-se também nas paisagens da pesquisa de campo as carroças de catadores de lixo enfeitadas com pinturas, fitas amarradas e outros elementos. Chamam-me a atenção ainda cachorros de moradores de rua com roupinhas feitas de plásticos coloridos e fitas no pescoço, além de barracos enfeitados com objetos achados nas ruas. Estas pessoas personalizam seus objetos e animais e parecem ter uma preocupação estética com estes. Fica evidente durante a pesquisa o valor do lixo e suas possibilidades de transformação.

Personagens (pessoas presentes na pesquisa de campo)

Pessoas sem casa, com casa, mas sem comida. Pessoas amputadas, deformadas, expondo feridas.

Pessoas fechadas. Uma vida particular que não trazem para este mundo.

Pessoas que trabalham aqui: garis, engraxates, guardas, lojistas. Pessoas "ricas" bem vestidas.

Homens cobiçando mulheres. Mulheres fechadas em si

Crianças, só elas trazem ludicidade. Brincadeira, alegria. Polícia. Casal. Violência.

Trecho de diário de campo48 Os mais diferentes tipos de pessoas passam, ou ficam, nos espaços pesquisados: emboladores, bêbados, prostitutas, moradores de rua, casais, crianças, ciganas, índios, judeus, coreanos, japoneses, catadores de lixo, vendedores, pastores, policiais. Pessoas de diferentes extratos sociais, idades e sexos. Pessoas com sacolas, mulheres de saltos, homens engravatados carregando pastas. Bichos: gatos, galinhas, patos, cachorros, pombos.

Vejo pessoas fazendo de tudo nestes espaços: vendendo mercadorias, comprando ouro, pregando a "palavra de Deus", tocando instrumentos, dando autógrafos, cortando o cabelo, lavando roupa, fazendo a barba, tomando banho. Vejo ainda, policiais prendendo um homem dentro de um camburão, mulheres sendo vigiadas para não roubarem e diversas pessoas olhando dentro dos lixos, às vezes remexendo neles, para ver se há algo que presta.

Há muitas pessoas carregando lixos em carroças e carrinhos, mas também nas mãos, em grandes sacos. Os lixos passam a ter propriedade, cada um com a sua carroça

possui o "seu lixo". Os catadores lotam tanto suas carroças que é difícil conseguir

equilibrar todo o lixo ali em cima e também arcar com aquele peso. Há um grande esforço físico. Ficam sempre ajeitando seus lixos nas carroças.

Pessoas vestindo placas de propaganda no corpo; de pé segurando placas nas mãos; sentadas em banquetas no meio do calçadão com placas na mão; e com microfones usando sua voz incessantemente para fazer propaganda de alguma loja. Sinto estas pessoas

vendendo seus corpos como objetos.

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Lendo os diários agora, vejo diversas referências a crianças, contudo na época eu não havia percebido como elas haviam me chamado a atenção. A sensação que eu tenho é que durante a pesquisa, de certa forma, eu não considerava as crianças "tão parte da pesquisa" quanto os adultos. Eu reparava nelas e tinha afeição por elas, seja quando as via brincando, seja quando as via sujas catando lixo, mas talvez eu achasse esta uma relação mais pessoal do que de "pesquisadora".

Durante a pesquisa, chamam-me mais a atenção as pessoas pobres, os camelôs, os moradores de rua, os catadores de lixo e pessoas que ficam paradas nos bancos das praças, a olhar o vazio. Encontro moradores de rua, prostitutas e catadores de lixo reciclável em quase todos os lugares. Vejo pés pretos e corpos faltando pedaços. Presencio brigas entre casais de moradores de rua e entre prostitutas e gigolôs. Vejo pessoas com feridas nas pernas pedindo dinheiro, às vezes com bastante agressividade. Na Praça da Sé é onde encontro um maior número de moradores de rua, há uma parte da praça que é território deles.

Reparo em como os moradores de rua são ignorados pelas outras pessoas, estas parecem querer esquecer que eles existem. Vejo em alguns deles a exclusão, o desamparo, a invisibilidade. Em laboratórios da fase Estruturação da Personagem surgirão em mim estes sentimentos.

Minha percepção da realidade durante a pesquisa de campo

Amor, não vi amor nestes lugares. Um pouco ainda têm as crianças, amor pelas coisas do mundo. Elas brincam.

Trecho de diário de campo49 A pesquisa de campo realizada no método BPI está fortemente ligada à subjetividade de cada pesquisador. Rodrigues (2003, p.106) esclarece que "não é o campo de pesquisa que trará a resultante do trabalho artístico e sim a relação do pesquisador com o

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mesmo, que é única para cada pessoa [...] não se está querendo trazer elementos teóricos do campo e sim buscar a originalidade desse corpo que co-habita".

É importante que em campo o pesquisador esteja atento não só ao que ele percebe ao seu redor, como também ao que está acontecendo no seu próprio corpo nesta interação. Teixeira (2007, p.79) salienta que "o que mais importa nessa investigação [da pesquisa de campo no método BPI] são os registros que o bailarino-pesquisador-intérprete trará no seu corpo a partir da sua interação com os pesquisados".

Na minha experiência com este campo de pesquisa, sobressai-se a percepção de uma realidade massacrante e ao mesmo tempo algo em ebulição, prestes a explodir. Sinto que falta espaço para todos viverem.

Depois que cheguei em casa fiquei com uma sensação como se tudo o que estava sendo espremido, amarrado, pressionado em SP (minha cabeça, meu corpo) agora estivesse se dilatando, saindo para fora, querendo voltar ao seu lugar normal com a diminuição da pressão externa (Trecho de diário de campo de 18-07-2003).

Ouvindo as pessoas em campo falando sobre a situação da vida não há relatos positivos. Lembro-me do momento no Bairro Bom Retiro no qual vejo chegando uma bandinha tocando marchinhas de carnaval. Reparo que um senhor perto de mim sorri e comento com ele "alegra, né?" ele responde: "ajuda".

Nos metrôs vejo as pessoas sérias, cabisbaixas, apertadas. Ninguém se olha, estão todos ensimesmados. Na rua, dá-me a impressão das pessoas estarem fechadas, limitadas, "encaixotadas". Vejo as pessoas sozinhas, não vejo solidariedade, abertura. Percebo um desdém das pessoas umas com as outras.

Parece-me que as pessoas estão formatadas, como se elas estivessem carregando seus corpos, indo e indo, sem verem alternativas de para onde ir. Sem escolhas, uma falta de ampliar os horizontes. Uma perda dos sentidos, ficando apenas na superfície, nas aparências.

Fica forte para mim uma angústia por ver as pessoas paradas, com os olhos olhando o nada. Posso senti-las no meu corpo. Pessoas que parecem muito sofridas, muito pesadas. Pessoas tão sem esperança, sem vida nos olhos. Pessoas com o olhar vazio.

Pessoas que podem ser consideradas publicamente "invisíveis", como os "homens invisíveis" pesquisados por Costa (2004, p.154): "o homem tornado invisível [...] parece encarnar o sentimento de não existir. Como que faleceu, uma espécie de morte. Perde graça em seus movimentos, deixa escoar a vitalidade de seu corpo [...] Seu próprio olhar parece morrer, recolhe-se, não irradia, fica baço".

Pensamentos sobre o produto artístico durante a pesquisa de campo

Quero dançar a vida viva, a realidade em seus vários planos. Quero dançar compartilhando histórias, emoção, superação, modos de viver.

Trecho de diário de campo50 Durante a pesquisa de campo, realizo a indicação dada pela diretora de observar as pessoas que transitam pelos lugares nos quais eu gostaria de dançar e refletir sobre o que eu gostaria de dizer para elas com a minha dança.

É próprio do método BPI estimular o intérprete a ter uma postura reflexiva quanto ao fazer artístico da dança, investigando o que o leva a dançar, para que dançar, para quem, dentre outros aspectos. A pesquisa da relação do intérprete com a dança e com seu próprio corpo que dança, inicia na fase do Inventário no Corpo e é retomada ao longo de todo o processo. Deste modo, a reflexão realizada durante o Co-habitar com a Fonte foi uma entre várias, em diversas etapas do processo criativo a diretora solicita novamente que eu reflita sobre isso. Esta reflexão não visa servir como ponto de partida para a construção do espetáculo, e sim, fazer-me atentar para este aspecto, criar em mim um estado de pesquisa, de questionamento, quanto a o que será comunicado.

Fica evidente que esta fase [Co-habitar com a Fonte] irá possibilitar a criação de uma Dança que não começa com a idéia fora do corpo e sim de um manancial de conteúdos que emergem do próprio corpo do pesquisador, acionado pelo seu Co-habitar com a Fonte. Esta experiência tem demonstrado uma vitalidade corporal que até o

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presente momento não foi encontrada em outras formas de agir (RODRIGUES, 2003, p.108).

Durante a pesquisa, vendo a "realidade como ela é" nos centros das cidades, fico apreensiva em dançar nestes lugares. Os principais motivos são a falta de segurança, o