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Neste sentido, importa-nos definir desde já a questão a que nos propomos responder, que interroga: “qual o nível de integração programática e organizativa das diferentes Organizações?” Estando nós a tratar de Organizações, que não têm propriamente uma institucionalização concreta, isto é, não têm estatutos, não se fazem reger por estatutos próprios, nem por isso é de excluir uma certa complexidade orgânica, como por exemplo a existência de cargos dirigentes, ou a delegação de tarefas, mas também a existência de um programa político e/ou ideológico, que em última análise norteei a ação dessa mesma Organização.

Dito isto, importa-nos abordar desde já a origem das Organizações, que dão corpo ao nosso estudo. Existe com efeito, um eixo que nos extremos tem aquilo que podemos designar como “origem casuística” e a “origem programada”. Recorrendo às entrevistas realizadas, podemos observar que no caso do RiseUp Portugal é claramente um caso enquadrável num episódio circunstancial, descrito por um dos ativistas (RU1) nos seguintes termos:

“É assim, nós primeiro não somos propriamente uma Organização. E a história se calhar, começa pelo meu perfil. Há um dia no café que eu estou a ver notícias, são aquelas notícias que nós vemos todos os dias e saiu-me alguns comentários que são aqueles comentários depreciativos, que todos nós fazemos certo tipo de notícias. Comentários depreciativos à sociedade em que estamos neste momento inseridos ao estarmos aqui e não estarmos noutro lado. E esses comentários saíram-me ah e foram imediatamente copiados por um filho meu. Ou seja, eu estava a passar uma carga enorme de negativismo à criança. E isto deu-me um clique, porque eu aprendo um bocado com ele” (RU1: 191).

O que sobressai desde logo destas palavras é a existência de um momento, não programada, não planeado, que serviu de “ponto de ignição” a uma situação que já estava latente para aquilo que iria dar corpo ao RiseUp Portugal. Por seu lado, a Organização Que se Lixe a Troika parece emergir da vontade de um grupo, que começou por ser constituído por 29 subscritores. Neste caso, existe uma condição prévia, a vontade/necessidade de organizar uma manifestação, tal como é afirmado pelo testemunho recolhido, desta Organização

“O que existia na altura era uma vontade de organizar uma grande manifestação e houve um conjunto de pessoas que foram contatadas para organizar esta manifestação. Pronto, surgiu inicialmente a partir de um grupo de 29 pessoas” (QSLT:254).

Contudo, de acordo com o depoimento, houve necessidade de alargar o espectro de apoio a um conjunto de indivíduos. De acordo com este testemunho, o segundo ponto de viragem é resultado do enorme sucesso da manifestação de 15 de Outubro e que pelo seu alargado espectro em termos de base de recrutamento abriu uma “janela” para o fortalecimento e consolidação desta Organização.

É a 20 de Janeiro que surge finalmente o conjunto de 133 subscritores:

“E então a 20 de Janeiro, finalmente, depois de um processo de contatos para alargar o grupo surgem os 133 subscritores atuais, que tem flutuado, porque também alguns já saíram e outros entraram.” (QSLT:254).

Recorde-se que, por exemplo, tanto a Organização 15 de outubro, como os Indignados de Lisboa surgem na “ressaca” da Acampada do Rossio, que foi um evento no centro de Lisboa, que decorreu durante várias semanas, onde se realizou um intenso debate, entre cidadãos, mas também intelectuais e académicos como Boaventura Sousa Santos.

Na sua respetiva página de Facebook, cada Organização tinha/tem oportunidade de fazer uma pequena apresentação, quer das suas origens, quer das circunstâncias históricas que envolveram o seu aparecimento. No Gráfico 1 podemos observar a distribuição das pontuações atribuídas a estas várias Organizações. Estas resultam, de forma sucinta da avaliação feita no âmbito da análise de conteúdo.

Sendo a distribuição pontual maioritariamente de nível intermédio, apraze-nos advogar que as Organizações fazem um uso médio desta ferramenta. São apenas duas as organizações (RiseUp Portugal; Artigo 21º) que apresentam uma avaliação mais reduzida. Nos antípodas está O Povo é Quem Mais Ordena que obtém avaliação 6.47

Ainda assim podemos estabelecer uma ordem de causalidade acerca destas Organizações, no que se reporta à sua organização interna, mais precisamente a distribuição e delegação de tarefas. Neste âmbito, o que podemos desde já dizer é que há delegação de tarefas. Ora vejamos, no Que se Lixe a Troika, por exemplo:

“Há distribuição de tarefas. Há distribuição de tarefas e a ideia é que sejam o mais rotativas possível. Sendo que há sempre áreas em que pessoas gostam de trabalhar mais e isso faz todo o sentido. Se aquele gosta de fazer aqui, faz aquilo. Pronto, essencialmente não há líderes” (QSLT:257).

Todavia, pudemos apurar através de um testemunho48 do 15 de Outubro, que no Que se Lixe a

Troika não há rotatividade de quem fala e emite comunicados para os meios de comunicação social, sendo esta tarefa realizada sempre por um grupo restrito. Este grupo encerra grande importância, se considerada a relação da organização com a sociedade e o meio que a envolve.

Uma outra forma de organização interna, no que toca à distribuição e execução de tarefas passa pela existência e dinamização do núcleo, como por exemplo o de comunicação, de ação etc.. É isso que se passa, a julgar pelos testemunhos dos respetivos ativistas, nos Indignados

47 Nesta questão em particular, bem como nos restantes indicadores 2.1; 3.1 e 4.1 a avaliação

ponderada será sempre igual à absoluta, em face do valor de ponderação.

48 Esta consideração foi feita em conversa após a entrevista, sendo que há neste caso uma dupla

de Lisboa e 15 de Outubro. Ou de uma forma um pouco mais informal como é o caso no Democracia e Dívida ou RiseUp Portugal, em que a identificação de gostos e motivações dentro dos vários elementos da Organização leva de uma forma natural a que determinado ativista centre a sua ação ou o seu contributo em determinado(s) domínio(s).

Por muito elementar que possa ser, uma qualquer Organização independentemente do domínio em que exerce a sua ação terá um ideal, norteador da sua atividade. É precisamente isso que procurámos, tanto nas entrevistas, como na análise de conteúdo. Sendo esta questão diretamente indagada em ambos os momentos, comecemos pelo que se pode apurar no âmbito da análise de conteúdo.

Atentando aos diversos pares de barras, verificamos que em termos modais o valor absoluto que mais se repete é a avaliação 4 (20 em termos ponderados), para quatro Organizações. São apenas as Organizações O Povo é Quem Mais Ordena e Que se Lixe a Troika, que obtém avaliação máxima. Estes dados lançam-nos pistas para a abordagem das entrevistas. De facto analisando atentamente as várias entrevistas, no que toca a esta questão em particular, verificamos que é no Que se Lixe a Troika que existe maior definição programática:

“O Que Se Lixe a Troika neste momento, a partir dessa reunião do 20 de Janeiro continua a ter três premissas principais: expulsão da Troika, a saída da Troika do país; por outro lado, a demissão do Governo, ideia muito clara, que não nos representam; e depois a terceira é dar a voz às pessoas, que sejam as pessoas a decidir as suas vidas e aqui neste terceiro ponto colocam-se visões diferentes de sistema, que vão desde a visão de que são necessárias eleições antecipadas, uma ideia mais de longo prazo que é preciso uma Democracia mais participativa” (QSLT:254-255).

Já para O Povo é Quem mais Ordena, interrogado acerca da principal finalidade da organização que dinamiza, alega que:

“Eu acho que a principal de todas (finalidades do Organização) é tentar através da Internet, do Facebook alertar ao máximo as pessoas para as falhas do nosso sistema, basicamente. Do nosso sistema político e porque eu acho que há uma falta de conhecimento profundo da maioria das pessoas e esta coisa do Facebook acabou por ajudar um bocado” (PQMO:229).

Este é aliás um ponto de vista partilhado por uma parte significativa dos entrevistados, como é o caso do Democracia e Dívida, para a qual a sua finalidade é intemporal, advogando que:

“Epha, provavelmente não é no nosso tempo de vida. Não é no nosso tempo de vida” (DD:241).

Obviamente, que o retorno são em geral preceitos programáticos e causas, que assumem muitas vezes contornos genéricos e pouco definidos, como fica patente nas palavras de um testemunho dos Indignados de Lisboa:

“Um objetivo, é que as pessoas comessem a exercer a cidadania, que comessem a discutir política, que comessem a juntar-se para resolver os problemas locais” (IL:270), tal como no Rise Up Portugal que constata “agora a cidadania, vai ser sempre possível” (RU”:194).

Em geral os ativistas evidenciam alguma fluidez programática, manifesta numa certa maleabilidade nas causas como é o caso paradigmático da “promoção da cidadania” ou a “politização das várias esferas da atividade humana”. Ressalta daqui como “pano de fundo” uma postura de “evangelização cidadã e cívica” que passa pela promoção da consciência cívica e política dos seguidores “facebookianos” e da população em geral. Daqui decorre a importância central, que desempenha o acesso e divulgação da informação.49

Estas Organizações têm de modo transversal, um forte caráter voluntário, sendo muitas vezes construídas pelo esforço de uns poucos ativistas. Este é um importante indicador, a juntar aos

anteriores, do nível institucionalização. Regra geral encontramos alguma heterogeneidade dentro de um padrão homogéneo de fraca institucionalização.

Atentando aos dados recolhidos no âmbito da 2ª questão do Guião de Entrevistas, podemos constatar, que há, por exemplo, a RU Portugal ou a Democracia e Dívida são compostas atualmente por cinco elementos, mas também há como é o caso O Povo é Quem Mais Ordena, em que são apenas dois elementos. Os que apresentam maior número de membros são mesmo o Que se Lixe a Troika e o 15 de Outubro, sendo que o primeiro começou, tal como já foi mencionado a partir de um grupo de 29 para posteriormente ser alargado para 128 subscritores da declaração, que corporiza programaticamente esta Organização, já o 15 de Outubro apresenta um valor aproximado de 20 elementos atualmente, embora não haja certeza.

O que há também a realçar, ainda é sem dúvida uma forte fluidez e transitoriedade, no que respeita ao número de elementos que compõem cada Organização. Esta ideia fica paradigmaticamente registada através das palavras do testemunho dos Indignados de Lisboa, ao assinalar:

“É impossível responder a essa questão (número de membros). Como é um grupo aberto e nós nos reunimos na rua, tanto podem ser poucos, como podem juntar-se mais gente que vá passar e que se queira juntar. Portanto, não é um grupo fechado, nem é estanque, nem tem um núcleo duro. Claro, que tem pessoas que são mais dinâmicas, isso é o normal. Neste momento são poucas, neste momento são muito poucas” (IL:271).

Mas esta volatilidade que é característica da participação política alternativa, não é apenas em termos da pertença ou não pertença a determinada Organização, há também fluxos entre as próprias Organizações como é o caso de um dos ativistas, por nós entrevistado quando afirma

“Epah neste momento devem ser, eu não tenho ido às reuniões, eu faço parte agora do Que Se Lixe a Troika. Tenho ido mais nessas reuniões” (15 O: 287).

Temos assim indícios, que existe uma forte volatilidade em termos de militância, mas as palavras do último ativista, também nos remetem para outro aspeto de toda a relevância em termos organizacionais, como é o caso da realização e regularidade com que são convocadas as reuniões no âmbito de cada Organização.

Também neste domínio temos situações algo díspares, não obstante o facto de estas entrevistas terem sido realizadas na época que se decidiu designar como “silly season”, que se refere precisamente ao período de férias de Verão e que marca uma descontinuidade com o restante ano, no que diz respeito ao campo económico, mas sobretudo político. Isto para dizer que alguns dos entrevistados, questionados sobre a regularidade com que se reúnem, referem precisamente a dificuldade que têm em ter membros disponíveis por esta época do ano. Todavia, são vários os casos que reúnem semanalmente, como é o caso do Que se Lixe a Troika ou em alternativa quinzenalmente, como por exemplo o 15 de Outubro. No Que se Lixe a Troika há inclusive a preocupação de marcar a reunião subsequente, antes de acabar a última. Ainda assim e tendo como referência os depoimentos de alguns dos ativistas estas reuniões ocorrem muitas vezes, ou mesmo sempre, como parece ser o caso do RiseUp Portugal ou Democracia e Dívida, através do uso das mais diversas ferramentas tecnológicas; desde a simples mailing list, que é associada a grandes perturbações, mal-entendidos e “chatices” dentro das organizações, passando pelo o Facebook, até em plataforma (N-1) especialmente concebidas por e para ativistas. Neste ponto, as tecnologias são na sua grande maioria percecionadas como potenciadoras e facilitadoras da comunicação interna das organizações, mas também há o caso, O Povo é Quem mais Ordena, em que estas ferramentas tecnológicas servem para colmatar a distância física entre os dois únicos ativistas que compõem esta Organização. Portanto, há aqui uma perspetiva dual do uso da tecnologia, isto é, por um lado instrumental, por outro facilitadora e potenciadora da comunicação interna. Estas reuniões seguem uma calendarização própria, tal como já tivemos oportunidade de mencionar, normalmente todas as semanas ou quinzenalmente, embora este agendamento esteja condicionado por determinadas circunstâncias, como é o caso da realização de um determinado evento e todo o role de tarefas a ele associado, que exigem a realização de reuniões, independentemente do seu agendamento apriorístico. Acrescente-se ainda, que esta leitura, requer ainda que se incluam as reuniões de núcleos: como o de ação, comunicação, para além das Assembleias Plenárias (esta designação pode mudar em cada Organização), em que são reuniões abertas aos ativistas e demais comunidade envolvente. É precisamente em reuniões de núcleos, com horizontes mais parcelares e específicos, que por exemplo no Que se Lixe a Troika se faz todo o planeamento de um evento:

“É em plenário ou em reunião de ações. É uma coisa muito mais simples do que parece, apresenta uma proposta, uma ideia. A ideia é debatida, normalmente é limada. As melhores ideias surgem precisamente depois de se fazer aquele brainstorming do grupo. Onde por exemplo alguém teve a ideia de cantar a Grândola, primeiro aquilo surgiu, ”vamos fazer uma ação no Parlamento” e depois alguém se lembrou de cantar a Grândola ou primeiro era cantar a Grândola e depois se lembrou do Parlamento. Depois discutimos ali aquelas questões todas, como é que é em termos judiciais, não é legal. E aquilo

vai-se construindo ali, vai-se pensando em se ter de fazer contactos, como é que fazemos isto, não é? Como é que falamos do assunto. É assim que se cria um evento” (QSLT:257).

As decisões nas organizações analisadas e que tivemos oportunidade de entrevistar são de acordo com os seus ativistas tomadas, quase na sua maioria por “consenso”. O que quer dizer, que antes de qualquer decisão é realizado um debate, com os presentes e interessados, em que há argumentação e contra-argumentação, chegando-se a um ponto em que se torna consensual a tomada de determinada posição ou decisão. Obviamente, que a montante está a capacidade retórica e outros recursos simbólicos, que podem fazer valer determinada posição, em detrimento de outra. Esta é aliás uma discussão levada a cabo nos capítulos 2 e 3 e que no fundo remete-nos para a assimetria na distribuição de recursos materiais e simbólicos no processo de participação política. Estas Organizações não são exceção à regra. Ao longo da realização das várias entrevistas, tivemos oportunidade de identificar, seja em tempo de entrevistas, seja em conversa subsequente a esta, um certo criticismo relativamente ao Que se Lixe a Troika. Uma desta criticas era precisamente à questão do financiamento, que normalmente é suportado pelos próprios ativistas e que de acordo com os outros entrevistados o Que se Lixe a Troika detém o apoio na retaguarda do Bloco de Esquerda, mas diga-se que esta perceção, contraria o testemunho dado por aquela Organização. Uma outra critica, prende-se com a democraticidade desta organização segundo as criticas ao processo de tomada de decisão, em que alegadamente se restringe a um “núcleo duro”, contrariando mais uma vez aquilo que pudemos apurar, por via da entrevista ao Que se Lixe a Troika. O que faz supor que haja uma manifesta rivalidade e porque não até um certo tribalismo no ativismo cívico e político.50

5.1.2 - Da tentativa de diversificação da informação à emergência de

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