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4.1 Da Importância do Conhecimento: algumas considerações epistemológicas e históricas

Também foi neste período que se assistiu à emergência de novos campos científicos, que posteriormente ficaram inseridos no domínio mais amplo das ciências sociais, como também se verificou a consolidação e desenvolvimento de domínios científicos já existentes, como a Matemática ou a Física, ainda que num estádio de desenvolvimento bastante embrionário. Este processo ficou bem ilustrado pelo francês Auguste Comte (in Cruz, 2004), que, influenciado pelo positivismo e evolucionismo, perspetivou o desenvolvimento da humanidade.

Concretizando, para este fundador das ciências sociais e da sociologia em particular, o dealbar da modernidade marca uma profunda rotura com o estado do conhecimento e com o

status-quo dominante. Um aparte, refira-se que é neste período que este mesmo autor cunha

o conceito de “física social” que posteriormente se transformou em sociologia. Retomando a proposta teórica e filosófica de Conte na Lei dos Três Estados, parte integrante de uma obra mais vasta Discurso Sobre o Espirito Positivo (1844) na qual o autor concebe o percurso percorrido como uma evolução e desenvolvimento intelectual da humanidade enquanto todo, levando-o mesmo a falar na passagem para a “maior idade” da humanidade, aquando do advento da modernidade. Por conseguinte, de acordo com esta perspetiva todas as explicações, que se debrucem acerca da atividade humana passaram por três principais

estádios de evolução. É nesta linha que Comte explica que em “(…) todas as nossas especulações manifestam espontaneamente uma predilecção característica pelos problemas insolúveis, pelos assuntos mais radicais e inacessíveis a qualquer investigação válida” (in Cruz, 2004:167). Considerando para tal efeito, que a primeira etapa foi o Estado Teológico, referindo-se a este nos seguintes termos:

“Poderia assim, demonstrar-se como, em primeiro lugar, o espirito teológico foi durante muito tempo necessariamente indispensável à combinação permanente das ideias morais e políticas, mais ainda do que a todas as restantes, quer em virtude da sua superior complexidade, quer porque os fenómenos correspondentes, muito pouco pronunciados primitivamente, não podiam atingir um desenvolvimento característico senão após uma evolução muito prolongada da civilização humana” (in Cruz, 2004:171).

Decorre deste postulado, a primazia do conhecimento religioso e teológico, no que diz respeito às tomadas de decisões, quer sejam elas públicas ou privadas. Num continuum histórico, Comte identifica depois o Estado Metafisico ou Abstrato. Nesta fase, a especificidade passa por “as especulações principais conservarem, aqui, o mesmo carácter essencial da tendência habitual para os conhecimentos absolutos: somente a solução sofreu neste momento uma transformação notável, apta a melhorar e facilitar o nascimento das conceções positivas” (Cruz, 2004:172). A grande descontinuidade, relativamente ao “estado de coisas” até aqui, passa essencialmente pela passagem do recurso a entidades sobrenaturais, para abstrações de carácter eminentemente antropomorfizadas, isto é, com características e traços humanos.

Este processo histórico, de acordo com o autor francês desemboca, em última instância, naquilo a que designa por Estado Positivo ou real que explica nos seguintes termos na “(…) resolução fundamentalmente que define a virilidade da nossa inteligência, consistindo essencialmente em substituir, em toda a parte, a inacessível determinação das causas propriamente ditas, pela simples busca das leis, isto é, relações constantes que existem entre os fenómenos observados” (in Cruz, 2004:175).

Desta forma está aberto o caminho para a “maturidade intelectual” do homem, constituindo- se este passo como o mote em que as preocupações centrais da humanidade passam a gravitar em seu torno, assumindo-se como uma pura manifestação do processo de racionalização das sociedades. Esta viragem aparentemente para si própria, assume-se como a consolidação da capacidade do homem, para dominar a natureza e as suas forças, o que se revela como uma substantiva disrupção, relativamente ao até aqui vigente.

É imbuído deste espirito, racionalizador, que emergem as várias ciências sociais, dando deste modo também aportação a uma crescente necessidade de estudo do forte impulso

complexificador que marca as sociedades modernas. É precisamente, neste contexto, que surgem os vários contributos teóricos, que comumente são designados como os fundadores da sociologia: Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim.34

Destes destacar-se-ão os respetivos contributos de Émile Durkheim (1985/2004), Max Weber (in Parkin, 2000). Colocando a enfase na herança positivista, Émile Durkheim procura num meritório esforço epistemológico e metodológico erguer os alicerces para a análise sociológica, nomeadamente com a definição do objeto de estudo, deste domínio científico, mas também com a identificação das características que presidem, na nossa perspetiva, aos fenómenos sociais – a exterioridade e a coercibilidade.

Este esforço é também ele reconhecido contemporaneamente, como o percursor ou pelo menos um dos contributos basilares para a consolidação da sociologia. É precisamente esse o ponto de vista exposto por Augusto Santos Silva:

“Coube, na viragem do século, ao sociólogo Émile Durkheim a principal teorização, nestes termos, sobre a legitimidade da análise dos factos sociais. E toda essa teorização se polariza na tese de que a investigação científica deve começar pela rutura com as pré-noções típicas do conhecimento corrente. "O homem – explica Durkheim – não pode viver no meio das coisas sem fazer delas ideias segundo as quais regular o seu comportamento”” (in Silva, 2003:29).

Por seu lado, Max Weber, realizou um relevante esforço epistemológico e metodológico, na linha teórica e fenomenológica idealista, tão em voga, no pensamento alemão de viragem do século XIX para o século XX. Debruçou-se sobretudo sobre o modo como mitigar o impacto da carga cultural do investigador sobre o objeto de estudo e da sua investigação – etnocentrismo e senso comum – abrindo novas portas ao conhecimento sociológico, como percursor de uma sociologia mais interpretativa e que coloca no centro dos seus esforços o sentido e o significado que os diferentes atores colocam na sua ação social. É aliás nesta esteira que técnicas como a entrevistas adquiriram a notoriedade, de que hoje usufruem no amplo domínio das ciências sociais, sendo que no atual trabalho importa-nos ouvir e perceber as perceções dos próprios atores (ativistas). Esta proposta paradigmática encontra-se nos antípodas da primeira de Durkheim (2004), que partindo do legado positivista, tenta transportar o modelo de análise das ciências positivas e exatas para os então emergentes campos disciplinares e científicos.

34 É plausível a inclusão de outros nomes sonantes, sobretudo em campo de investigação mais

específicos, tais como: George Simmel, Robert Michels, Herbert Spencer, todavia de economia de espaço e para os horizontes do presente trabalho optámos pelo trio já referido. Por isso limitamo-nos apenas àqueles que são comumente referenciados neste panteão.

O que move todo este conjunto de novas disciplinas cientificas é precisamente o estudo e a análise dos interstícios da atividade humana, nos seus mais variados domínios, sejam eles político, económico, jurídico, social, etc. Num trabalho seminal no campo das metodologias em ciências sociais, no contexto português, Augusto Santos Silva e José Madureira Pinto recorrem a Kant para defenderem que “os nossos conhecimentos começam pela experiência sensível, mas esta é mediatizada por conceitos, é organizada e estruturada por quadros categoriais próprios do nosso espírito” (in Silva e Pinto, 2003:9).

Por conseguinte, o uso do verbo “conhecer” encerra, neste contexto, uma grande complexidade, considerando os diversificados desafios, que são colocados às ciências sociais em geral, dado sobretudo a forte componente contingencial e circunstancial da atividade humana em geral. Daqui decorre a necessidade de conceção e consequentemente recurso a diferentes mecanismos e instrumentos, para a realização deste conhecimento. Estamo-nos a referir, a conceitos teóricos, a metodologias e técnicas que permitem ao investigador ter ao seu dispor ferramentas que pode selecionar, conforme se adeque melhor ao objeto de estudo e às próprias necessidades do investigador, bem como dos objetivos da pesquisa. Imbuídos deste mesmo espírito, Augusto Santos Silva e José Madureira Pinto precisam este mesmo processo nos seguintes termos:

“Ao procurarmos conhecer a realidade social, vamos construindo, a respeito dela, e mediante quadros categoriais, operadores lógicos de classificação, ordenação, etc., mediante processos complexos influenciados ainda pelas nossas necessidades, vivências, interesses – vamos construindo instrumentos que nos proporcionam informações sobre essa realidade e modos de tornar inteligível, mas nunca se confundem com ela (…)” (2005: 10 itálico do original).

Todavia, tudo parte de uma questão inicial. A designada pergunta de partida, que materializa uma dúvida, evidenciando um problema teórico, colocando novos desafios à própria teoria e aos seus conceitos. Deste modo questionamos, na presente pesquisa: questão de partida: em que medida o Facebook dá expressão a formas de participação política? É neste contexto, que as ciências sociais em geral e a sociologia em particular procuram:

“(…) compreender melhor os significados dos acontecimentos ou de uma conduta, a fazer inteligentemente o ponto da situação, a captar com maior perspicácia as lógicas de funcionamento de uma Organização, a reflectir acertadamente sobre as implicações de uma decisão política, ou ainda a compreender com mais nitidez como determinadas pessoas apreendem um problema e tornam visíveis alguns dos fundamentos das suas representações (Quivy e Campenhoudt, 2003:19).

Obviamente que estamos perante apenas uma breve abordagem do lado das metodologias qualitativas, dado que assumimos desde já, que o cerne do presente esforço metodológico e técnico, passa parcialmente, pela recolha de dados quantitativo. Deste modo, torna-se patente a permanente tensão entre conhecimento científico e senso comum. Tal como advoga Boaventura Sousa Santos (2003) é necessário procurar a sistematicidade e objetividade, como desafios permanentes do empreendimento científico. Este é com efeito um dos vários obstáculos epistemológicos e talvez o mais “temido” a interferência do senso comum, que muitas vezes nem sequer é percetível ao pesquisador.35

Com efeito, o desafio de fazer a rutura com o senso comum deve estar permanentemente nos horizontes de qualquer investigador. Estes são obstáculos que têm uma natureza essencialmente externa, todavia, ao nível interno outras limitações se levantam. Estamos a chamar a atenção, entre outros aspetos, para o papel de uma certa fragmentação interna das ciências sociais, tal como Sedas Nunes (2001) também constatou. Daí a necessidade de perspetivar do conhecimento das ciências sociais, como um produto sempre contingente e circunstancial, em face do tempo e do espaço em que é realizado, mas também é isso que Sedas Nunes (2001) frisa. O que leva a concluir, que a visão da sociologia é sempre contingente e circunstancial não conseguindo com isso abarcar a totalidade da realidade social.

Estas constatações servem fundamentalmente como uma carta de princípios, que preside à realização de uma investigação, tal como esta que aqui estamos a empreender. Realizadas estas considerações de carácter epistemológico, centremo-nos na “arquitetura metodológica” da presente investigação.

4.2 - A participação política alternativa online: como a abordar?

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