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2.2 Modelos de Participação Política: da liberdade à autonomia, formas de participação alternativa

Ao longo dos últimos dois a três séculos foram vastos e diversificados os contributos para o estudo da organização política das sociedades. Os primeiros registos de teorização, ainda que numa clara toada filosófica e, quanto baste abstrata, encontram-se na Grécia Clássica. Pensadores como Platão projetaram os condicionalismos de um tipo de democracia que passaria essencialmente pela participação direta dos cidadãos. Todavia, na democracia ateniense apenas uma pequena proporção dos indivíduos que nela viviam é que na realidade tinham direitos de cidadania, logo direitos políticos e cívicos, que permitiam assumir forte atividade nas decisões coletivas. Dadas estas ou outras fortes condicionantes, quando falamos em democracia temos sempre de ter em consideração a forte componente circunstancial e histórica, para se perceber que a própria organização política resulta de uma construção da própria cultura e do contexto histórico de cada sociedade.

Em termos mais genéricos, isto é nas ciências sociais identifica-se um conjunto de mudanças e denuncia-se uma crescente desvinculação entre as reais necessidades dos cidadãos e a política convencional. De forma a sintetizar contributos oriundos de variadíssimos autores (Roubam, 1994; Castells, 2001; Viard, 1994; Théret, 1994; Beck, 1998; 1999; 2002: 288; Ysmal, 1994; Muxel, 1994; Held, 1996; Perrineau, 1994; Mossuz-Lavau, 1994; Duchesne, 1994) Simões (2005: 69 a 72) aponta os principais fatores para a crise da participação:

1. - Alterações ao nível da organização social, Estado-nação e do Estado- providência;

2. - Problemas ao nível do Espaço Público; 3. - Transformações dos Partidos Políticos;

4. - Introdução de temas científicos que atravessam o panorama partidário; 5. - Introdução na Esfera Pública de assuntos que eram da esfera privada.

Este aspeto, em primeira instância, pode parecer ter somenos importância, mas a verdade é que encontramos ao longo dos tempos modelos antagónicos de organização política e social, distribuindo de forma mais assimétrica ou de modo mais equitativo os recursos de poder. É precisamente neste ponto, na importante questão dos recursos que promovem a participação no espaço público, que pretendemos estabelecer o foco.

Por conseguinte, ao partirmos para o estudo da participação política e cívica temos desde logo começar pelo estudo do conceito de Democracia, ainda que em traços largos. Desta forma, em termos etimológicos o termo Democracia remete-nos para as suas origens gregas, através da junção de “demos” que designa povo e “cratos”, que simboliza o poder do Estado (Rosas, 2012). O poder é desta forma concebido como uma emanação do povo, havendo vários tipos de regime que lhe dão guarida, isto é, pode ser presidencialista ou parlamentar; republicano ou monárquico. Nestes termos, podemos ter regimes ditatoriais sejam eles de inspiração fascista ou comunista. Tendo todos eles um forte caracter totalizante. A estas formas de organização temos tal como já anteriormente referimos neste mesmo capítulo, a distribuição do poder por parte do eleitorado nos seus representantes. Por outras palavras, e aproximando-nos do nosso objeto, temos um vasto “leque” de democracias, que podem adotar uma organização monárquica ou republicana (Bobbio, 1995 e 1998), como é o caso de Portugal. Um outro aspeto que pode ainda constituir-se como fator distintivo dentro das democracias é o seu maior ou menor pendor presidencialista. Deste depende, quase sempre a preponderância do respetivo Parlamento ou Assembleia (Freire, 2012).

Estes aspetos assumem-se como importantes marcos, que nos permitem identificar algumas das mudanças macro-sociológicas no campo político e social. No fundo a inclusão, por

exemplo, do Estado-providência justifica a atenção que no 1º capítulo lhe foi atribuída, bem como a tendencial perda de soberania, ou pelo menos de relevo político enquanto ator, por parte do Estado-nação, num mundo em rápido processo de globalização, tal como alega Giddens (2007/2007), transferindo-se este relevo para organizações transnacionais como a União Europeia ou Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio. Um sinal da contemporaneidade é também a crescente introdução de temas, até aqui exclusivos do domínio científico, que entram na rede de comunicação global. Finalmente, uma já “velha” tendência, a de privatização do debate público e simultaneamente a a de publicitação do que até então era considerado privado.

Ora, isto repercute-se de uma forma ou de outra no sistema político. Independentemente de ser mais ou menos representativo, o caso português é recorrentemente concebido como um regime demoliberal. É desta constatação, que partimos para o estudo da participação política, para o qual abordamos os paradigmas da democracia e o modo como estes concebem os mecanismos participativos e cívicos, partindo de pressupostos bem distintos como são os casos do paradigma liberal e republicano. Ambos têm pontos de interceção, todavia são mais numerosos os domínios em que contrastam, muito particularmente na forma como perspetivam a condição social de pertença, que pauta o ponto de partida para o processo de participação política e cívica.

Um outro ponto de referência em que podemos observar divergências tem que ver com o próprio modelo de cidadania proposto por cada um. Para os liberais a reflexividade individual, bem como o caráter instrumental da ação social são os principais marcos. Já para o paradigma republicano, a tónica é colocada nos constrangimentos estruturais e macrossociológicos, que presidem à participação política dos atores, isto é à autonomia para ação de cada ator. A este propósito, Dominique Memmi, (1985) identifica três importantes aspetos, que jogam um relevante papel, no qual toca à relatividade do processo de participação política: um primeiro aspeto prende-se com a existência de atores com diferentes e assimétricos estatutos socioeconómicos; o segundo diz respeito à estruturação piramidal da participação política e cívica, no que toca à existência de tarefas com diferentes graus de dificuldade de execução, criando desta forma hierarquização entre os atores que fazem parte do ato participativo. Finalmente, um terceiro aspeto, que de certo modo se constitui como um importante constrangimento, corresponde ao défice de informação, conhecimento e também de interesse dos atores para tomar parte ativa de um processo de discussão política e pública. Estes aspetos, jogam na presente pesquisa um papel relevante, sobretudo em face das idiossincrasias que a sociedade e o Estado português apresentam no seu processo de modernização, nomeadamente no que toca às últimas duas três décadas, tal como foi exposto no decorrer do 1º capítulo.

É deste modo, que pretendemos lançar o debate em torno dos macro modelos de Democracia, que se assumem como os dois grandes dominadores do debate gerado nas últimas décadas nas

ciências sociais em geral, tendo sempre como ponto referencial a realidade histórica, social e sobretudo política e associativa, na análise da participação política alternativa, que se pretende levar a cabo.

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