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4.4.2 Deambulações metodológicas: em busca dos interstícios participativos e organizacionais

Pensar em entrevistas, é pensar em dados e aplicação de metodologias qualitativas, em que o primado da subjetividade da ação, constitui-se como um importante ponto de interesse do pesquisador. Embora seja algo redutora esta asserção, não deixa de ter a sua verosimilhança relativamente à realidade, porque de facto é um privilegiado mecanismo técnico, para se compreender uma determinada realidade, que se pretende estudar.

Quando falamos das subjetividades, estamos a aludir às construções simbólicas que os atores constroem ao longo do seu trajeto biográfico e que lhes permite perspetivar determinado facto social, a partir de “lentes” próprias, muito idiossincráticas, que não são mais do que o reflexo dos valores que norteiam esse ator.

Nas suas origens, podemos identificar as “biografias orais” eternizadas por W. Dilthey de acordo com Danielle Ruquoy (1995/2005:91). Este autor alemão argumenta que “(…) o social só podia ser aprendido por meio de uma abordagem compreensiva: trata-se de decifrar o

40 Esta distribuição da pontuação e da respetiva ponderação foi influenciada pelo trabalho de Dader,

sentido que o ser humano atribui à sua acção” (in Ruquoy, 2005: 91). No âmbito mais estrito da presente investigação, pretende-se recolher dados acerca do significado, que os próprios atores, no caso membros das páginas estudadas, colocam na ação ativista, seja em contexto real, mas sobretudo no que reveste à utilização do Facebook. Desenvolvimentos subsequentes, nomeadamente a partir do contributo de Erving Goffman, por via do seu paradigma interaccionista, possibilitaram o aprofundamento e desenvolvimento deste tipo de abordagem metodológica. Nesta linha, há também a destacar ainda nas primeiras décadas do século XX, os importantes estudos realizados no âmbito da sociologia urbana, pela Escola de Chicago fazendo uso intenso de metodologias e técnicas compreensivas, como é o caso das entrevistas.

Dito isto, debruçar-nos-emos sobre as circunstâncias em que uma entrevista pode e/ou deve ser realizada, no fundo as contingências inerentes a uma interação em co-presença onde há um entrevistado e um entrevistador. A entrevista envolve necessariamente um conjunto de aspetos, que fazem desta técnica, um privilegiado meio de captar os factos sociais, de um modo, que nenhuma outra consegue garantir, tal como argumenta Danielle Ruquoy (2005: 86 a 87):

1. - Estabelecimento de uma relação entre entrevistado e entrevistador; 2. - Entrevista promovida pelo investigador;

3. - A entrevista de investigação distingue-se das suas demais congéneres, nomeadamente das jornalísticas e clinicas;

4. - Existência de um guião de entrevista;

5. - A entrevista permite um conhecimento aprofundado de um número reduzido de casos.

Numa situação concreta de entrevista são muitos os fatores a considerar como potenciadores de constrangimentos. Quando falamos de constrangimentos é óbvio que somos tentados a pensar de imediato no entrevistado, todavia, sendo um caso relativamente recorrente e de difícil ultrapassagem, a verdade é que da parte do entrevistador também se podem verificar constrangimentos de vária e diversa ordem.

Ora, no que toca ao entrevistado e de acordo com a exposição de Rodolphe Ghiglione Benjamin Matalon (2001: 71 a 75) podemos desde logo considerar a (in)existência de capital retórico, bem como a capacidade de entender questões mais complexas. Este autor refere-se a fatores culturais como já explicitámos, mas também a fatores conjunturais, que se relacionam com o interesse que o entrevistado tem relativamente ao assunto abordado na entrevista e finalmente a fatores mnemónicos, que dizem respeito à capacidade de

retrospetivar determinado processo ou assunto ao longo da entrevista. Um outro grande domínio é o cognitivo, que pode interferir com o quadro de referência.

No que diz respeito ao entrevistador, os mesmos autores (Ghiglione e Matalon, 2002:75) apontam três grandes tipologias de constrangimentos que podem interferir com o normal desenrolar da entrevista. São eles: características físicas, quadro de referência e competência técnica. A aparência física pode desempenhar algum tipo de interferência, ainda que sendo muito difícil de quantificar e apurar como, a verdade é que o sexo, a idade, a aparência ou até mesmo a classe social de pertença, podem ter influência. Em segundo lugar, o quadro de referência do entrevistador, pode também ele contribuir negativa ou positivamente para o desenrolar da entrevista. Neste ponto podemos incluir, também como é óbvio, o modo e as maneiras de estar e ser, refletindo uma forma de estar. Finalmente, temos o domínio ou não de competências técnicas do entrevistador. Existem procedimento técnicos, como por exemplo entrevistas que dispensem a co-presença e que façam uso de tecnologias de comunicação como o Skype, podem ajudar a contornar certos problemas.41

Uma outra importante dimensão, esta de caráter eminentemente técnico, diz respeito ao tipo de organização da entrevista. Com efeito, são diversos os autores que se debruçam sobre esta questão, tais como Marconi e Lakatos (1985/2002), Quivy e Campenhoudt (2003), Albarello, Digneffe, Hiernaux, Maroy, Ruquoy e Saint-Georges (1995/2005) e Ghiglione e Matalon (2001) e com esta abordagem, enfatizam um lado versátil e dinâmico da entrevista como técnica de recolha de caráter dados. O que se está a tentar frisar é o forte carácter adaptativo das entrevistas aos mais diversos e diferentes tipos de investigação e também no seio da própria investigação em curso.

Há autores (Marconi e Lakatos, 2002: 93 e 94) que fazem a distinção entre entrevistas padronizadas/estruturadas, em que o investigador concebe e, aquando da realização da entrevista, segue escrupulosamente o guião da mesma. Por outro lado, há de acordo com estas mesmas autoras um outro tipo de entrevista despadronizada/não estruturada, na qual o investigador atribui liberdade total ao entrevistado para discorrer acerca de um dado assunto. Esta tipologia, embora relevante, apresenta-se quase como um binómio entre dois-ideais tipo. Já Raymond Quivy e Luc Van Campenhoudt (2003: 192 e 193) concebem uma tipologia de entrevista de nível e grau de abertura considerável, designando-a como não-diretiva.

Para estes autores a entrevista não-diretiva, permite uma certa flexibilidade na sua realização. Um caso prático, passa pela existência já de resposta a uma dada pergunta, que ainda não tinha sido colocada, perante esta situação o entrevistador tem “margem” para não colocar a questão, todavia e consoante a dinâmica do próprio processo deixamos margem para a colocação de outras, que não estão previstas, mas que surgem no momento como

41 Aquando da efetiva realização das entrevistas são considerados todos os aspetos. Posteriormente, no

capítulo dedicado à discussão dos dados será realizado uma apreciação das circunstâncias em que cada uma das entrevistas foi feita.

pertinentes. Nesta versão o entrevistador deve zelar para que a entrevista siga o seu rumo, sem grandes perdas de tempo e fugas ao assunto ou dispersão por parte do entrevistado. No fundo esta questão assume uma revência central, em face da possibilidade de opção de maior ou menor diretividade na realização da entrevista. A opção por um tipo, deverá ser presidida, tendo em consideração os objetivos da investigação, mais latamente entendidos e sobretudo com os próprios e específicos objetivos daquele momento da pesquisa. Na atual investigação a opção recai pela conceção de um modelo de entrevista não-diretiva, para assim poder abordar um conjunto razoável de questões, mas dando primazia ao aprofundamento do conhecimento, sem perder a vantagem das entrevistas, que é no fundo permitir ao investigador, a interpretação do quadro de referência e dos significados que o entrevistado coloca na sua narração.

Assim e para usar a terminologia de Ghiglione e Matalon (2001:86) este conjunto de oito42

entrevistas ao seguir uma orgânica e consequente aplicação não-diretiva, pretende respeitar os critérios do aprofundamento e exploração. Os autores preconizam que a opção pela realização de entrevistas não-diretivas permite que o individuo responda “(…) de forma exaustiva, com as suas próprias palavras e através do seu próprio quadro de referência, a uma questão geral (o tema) pela ambiguidade” (2001:87). O substrato argumentativo, por trás desta opção e inclusive da própria realização da entrevista entronca precisamente neste ponto, dado que estamos perante uma área de conhecimento pouco explorada, também o conhecimento é parco, pelo que as linhas orientadores, que poderiam existir esbatem-se, emergindo a necessidade de realizar um conjunto de entrevistas, que coloquem os próprios atores envolvidos nos processos a falar e a discorrer.43 Obviamente, também aqui, neste

campo, as opções implicam limitações e constrangimentos. De entre estes constrangimentos verificados ou potenciados podemos adiantar os seguintes de acordo com Marconi e Lakatos (2002: 94 e 95) e Quivy e Campenhoudt (2003: 194 e 195):

1. - Mal entendidos e lapsos de comunicação entre entrevistado e entrevistador; 2. - Défice de compreensão entre ambas as partes;

3. - Incapacidade do investigador ou entrevistador de lidar com uma certa flexibilidade, característica da entrevista;

4. - Importância da articulação entre a recolha e o tratamento da informação; 5. - A possível interferência, aquando da formulação das questões;

42 Este valor calcula-se a partir do número de Organizações que fazem parte da presente investigação.

Portanto o número oito de entrevistas é o expectável, todavia estamos dependentes da disponibilidade das Organizações em nos cederem a dita entrevista.

43 Esta questão, da articulação entre etapas de recolha de dados, será um pouco mais á frente

6. - A própria disponibilidade do entrevistado em facultar determinados tipos de informação;

7. - Medo que a sua identidade seja publicitada; 8. - Longa duração e difícil execução.

Estes são alguns dos aspetos que teremos em consideração na efetivação das entrevistas e que dentro do circunstancialismo que rodeia este procedimento, procurar-se-á mitigar o mais possível. Existe desta forma, uma premente necessidade de fazer articular de forma meticulosa o objeto de estudo e os objetivos da própria pesquisa à(s) técnicas. A entrevista, nos termos em que a utilizamos na presente pesquisa como forma de verificação e aprofundamento, deriva do facto de esta ser uma pesquisa com metodologia mista, que articulando dois momentos (qualitativo e quantitativo), implica a obtenção de dados diversos, para além do facto de nas entrevistas se pretender coletarem dados não só baseados nas impressões e perceções dos entrevistados, como factos e dados concretos, como o número de membros de cada Organização, dai também a opção pela não-diretiva (aprofundamento e

exploração). Esta opção é também parcialmente influenciada pela forte e consistente

componente teórica do presente trabalho, que aqui é levado a cabo. O que permite um mapeamento relevante da componente empírica, de onde se insere a realização das entrevistas seguindo esta vertente. Sendo assim. A própria orgânica do guião de entrevista (ver anexo 2), reflete esta opção. Como?

Basicamente, referimo-nos ao próprio número de questões que fazem parte do guião. Ora, em caso de termos optado por um tipo de entrevista diretiva, poderíamos ter optado por conceber um guião, em que o número de questões poderia ser maior. Esta opção prende-se sobretudo pelo facto de o inquirido, ser responsável da Organização e assim privilegiar uma das perspetivas, sobretudo no que toca à composição e dinâmica internas. Mas essa é com toda a certeza uma opção e quiçá uma limitação da própria pesquisa e dos seus próprios horizontes.

Por conseguinte, ao longo das (20) questões, que compõem o guião, procurar-se-á progressivamente abordar as já referidas quatro dimensões. Assim, da 1ª à 4ª e 20ª procurar- se-á abordar grosso modo a Organização e Informação de que faz parte o entrevistado. Este é o domínio privilegiado, desta etapa, dado que estamos a tratar de quem organiza e dinamiza as Organizações, que dão suporte empírico. Nesta fase, pensamos ser de todo relevante não só um aprofundamento, mas bem mais, uma forte e importante análise do modo como é coordenada toda a ação dando voz aos principais protagonistas. Por assim dizer, este é um momento muito relevante, desta etapa de recolha e análise de dados, permitindo-nos ir muito mais longe na análise deste importante domínio.

As questões 5ª a 11ª centrar-se-ão na Dinâmica Organizativa do Debate. Por conseguinte, os dados aqui recolhidos terão sempre como fonte a perspetiva dos dinamizadores das

Organizações estudadas. Aqui, procurar-se-á fundamentalmente um retrato da perceção do entrevistado, do modo como é realizada e até dinamizada a comunicação interna, mas especialmente o modo perceciona a efetiva mobilização dos seus seguidores, em contexto digital e posteriormente em contexto real.

Já as questões 12ª à 15ª reportam-se à Iniciativa e Pró-atividade dos Seguidores procurando aferir um núcleo importante da presente pesquisa. Neste vasto domínio, considerar-se-á a análise da participação dos seguidores, obviamente na perspetiva dos dinamizadores das Organizações. Todavia, tal como anteriormente já tivemos oportunidade de postular, também estes, os dinamizadores e membros das Organizações são atores e protagonistas da participação política e cívica, ao contribuir para sensibilizar, reflexão e mobilização. Neste plano, há ainda a destacar o facto de se pretender apurar o nível de abertura e o procedimento de negociação entre o papel dos seguidores e das Organizações.

Finalmente, abordar-se-á um último grande domínio Persuasão Humor e Estética (16ª à 19ª) onde nos debruçaremos sobre a importância, que é dada ao uso do humor, enquanto ferramenta de luta política e cívica e de apelo à mobilização. Será alvo também uma abordagem às estratégias utilizadas para a mobilização. Deste modo, e percorrido este périplo podemos acalentar a expectativa de alcançar um conhecimento, ainda que contingencial, em termos temporais e espaciais, mas que nos permita abrir caminho a futuras investigações a partir de um quadro analítico aqui esboçado.

5º Capítulo

5 - Entre Factos e Perceções: o debate

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