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5.2.2 Da revolução à transformação: imprecisões ideológicas

Um segundo ponto nesta 2ª dimensão passa por obter uma resposta à pergunta: como se posicionam política e ideologicamente as Organizações e seus ativistas?

Numa abordagem preambular a esta questão entrevistámos alguns ativistas acerca da possibilidade das organizações a que pertencem tornarem-se num futuro próximo uma Organização partidária institucionalizada. As respostas á questão resumem uma tal homogeneidade que poderíamos dizer que é algo de transversal e que de certo modo os une.

53 O autor agradece a Ricardo Morais a disponibilidade para o envio em seu nome particular da

mensagem, onde era pedida informação acerca do que estava agendado para o próximo dia 10 Junho – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades.

De modo algum, está no horizonte a transformação das Organizações estudadas em Partidos Políticos. Esta postura é assumida pela generalidade dos ativistas por força de dois grandes fatores: por um lado, estas Organizações e seus elementos têm como uma das suas “bandeiras” o revigoramento da democracia, que está capturada pelos Partidos Políticos e parcialmente pelos Sindicatos; por outro lado, uma parte substancial dos respondentes refere que já milita ou militou em forças políticas, que extravasam a Organização de que fazem parte atualmente.54

De momento importa focar-nos nas Organizações, mais concretamente nos seus objetivos e ações, incluindo como gerem as relações com outras Organizações, incluindo Partidos Políticos. Em face destas necessidades, questionámos os ativistas alvo das nossas entrevistas acerca de uma possível sobreposição de objetivos entre Organizações. Esta é uma questão em que os vários entrevistos expuseram, ainda que de forma inconsciente (pelo menos aparentemente) a forte rivalidade e descontinuidade que existe em termos de desenvolvimento de um trabalho articulado.

Ora, as opiniões neste domínio divergem bastante. Não obstante esta divisão, estarmos perante Organizações com “aparentes” domínios de ação distintas. É o caso do RiseUp Portugal, o qual de acordo com os seus ativistas entrevistados se auto designa como um “canal de informação”, acrescentando que sempre que há um pedido de divulgação de informação, o fazem. Contudo, esta Organização em particular, tem desígnios como o de informar de forma a potenciar melhor participação política e cívica e consequentemente melhor democracia. Um outro caso é o Indignados Lisboa, que menciona:

“É assim, o nosso objetivo não nos sobrepormos a nada. Agora, que essas outras Organizações podem sentir que nós estamos a fazer aquilo que eles gostariam que de estar só eles a fazer” (IL:277).

Também o testemunho dado por um entrevistado do Que se Lixe a Troika, surge nesta mesma linha, ao fazer a seguinte constatação:

“Não, eu acho que amigo não empata amigo. E deveria ser nessa lógica, que os movimentos sociais, pelo menos os ditos mais à esquerda deveriam organizar. Infelizmente ainda existem muitas rivalidades, mas sem sentido. Porque, quando trabalhamos para o mesmo não deveria haver essa noção. Não deveria haver, não deveria haver. Porque o Que Se Lixe a Troika, por não ter qualquer pretensão por ser Partido

54 Ainda nesta secção aprofundaremos esta mesma questão, em face da sua enorme relevância na

Político, não quer substituir nenhum movimento social e existem várias formas de organização, vários grupos diferentes, várias orgânicas diferentes e eu acho que todos eles são necessários” (QSLT:261).

Por um lado, temos assim um discurso algo sectarista (IL), por outro lado, temos um discurso agregador, que tem como substrato, ainda que não manifesto, a existência e consequente necessidade de lutar juntos contra o status-quo político atual, em que “todos” são concebidos como “necessários”. Há ainda, como no caso do Democracia e Dívida, a assunção de que há partilha de objetivos com um conjunto restrito de organizações, pese embora o facto de a articulação nem sempre se processar num plano ideal.

Obviamente, que se pode sempre colocar a questão: e se efetivamente houvesse um trabalho articulado em contínuo, como se refletiria na eficácia da ação? Responder a esta questão, remete-nos para um estrito plano hipotético, que inclusive extravasa os horizontes da presente análise. Todavia, tentámos apurar de que forma os vários entrevistados avaliam o trabalho levado a cabo pela Organização a que pertencem, comparativamente às restantes da mesma natureza.

Um traço transversal e que marca nitidamente a avaliação realizada pelos diversos ativistas é a satisfação, que normalmente domina as considerações realizadas como é o caso:

“É positivo, embora pronto” (15 O:292).

Mas, nestas avaliações são também considerados outros fatores, como a abundância ou escassez de recursos:

“O nosso trabalho é muito menor, digamos é muito menor, devido a tudo o que eu já referi. Nós somos duas pessoas separas por quilómetros, tentámos recrutar pessoas, mas é difícil por causa da disponibilidade. E claro que o nosso trabalho, por exemplo tu tens um movimento em Lisboa, que é a plataforma 15 de Outubro que se reúne todas as terças-feiras para discutirem ideias, para fazerem cenas. Isso para mim é muito maior, estás a ver? As pessoas reúnem-se, estão ali fisicamente, não é só por internet. Nós não temos a possibilidade de fazer isso. Nós somos diferentes nesse aspeto, porque não há possibilidade de nos reunirmos, nem que seja uma vez por mês. Portanto, somos pequenos” (PQMO:233-234).

Ora, resulta deste role de testemunhos, a perceção de que os objetivos, com maior ou menor dificuldade têm sido atingidos, pese embora o défice de recursos, que num plano de abundância, podiam levar a um melhor desempenho no contexto da esfera pública. Aliás, esta questão não é um mero pormenor, pelo menos na perceção de alguns dos entrevistados, dado que, solicitados a realizar a distinção entre Organizações que fazem uso do Facebook, emerge de novo o maior ou menor acesso a recursos, por parte das diferentes Organizações, como é constatável nos seguintes termos:

“A única coisa que me ocorre para distinguires os movimentos, uns dos outros, as Organizações, são os apoios. Tu, tendo apoio, tens mais visibilidade, tendo mais visibilidade consegues atingir” (PQMO:234).

Contudo, há ativistas que identificam explicitamente o critério de especialização como diferenciador:

“epah as outras são muito generalistas. As outras, são meros repositórios de informação. Ainda que a designação, às vezes seja um pouco enganosa, dá a impressão que são coisas muito dessas” (DD:247).

Num outro testemunho conseguimos apurar, que a diferença se faz sobretudo pelo programa vincado e consequentemente as publicações que aí fazem no Facebook:

“o grupo tem muito claro os seus objetivos (…) eu por exemplo nunca fiz parte de um Partido, nem tenciono fazer (…)” (QSLT:263).

Temos desta forma, manifestações muito mitigadas, do que na substância distingue estas Organizações. Este défice pode ser explicado, mesmo que parcialmente, pelas lacunas programáticas, já detetadas e discutidas, no âmbito da 1ª dimensão.

Temos também de salientar, de acordo com alguns dos entrevistados o papel e importância dos apoios que as Organizações têm, nomeadamente de Partidos Políticos, com estruturas institucionalizadas e estruturas bem “oleadas”. Na generalidade as organizações, por via dos seus ativistas entrevistados, referem que não tem qualquer contacto e relação com Partidos políticos, até porque como é o caso desta putativa ligação é associada à perda de independência:

“mas agora uma ligação direta, a um Partido isso já vai fazer com que eu já não possa postar aquilo que eu quero” (RU1:215).

Contudo, regra geral há um discurso dominante entre os diversos ativistas, que concebe os partidos políticos como algo que querem manter distante da esfera de ação das suas respetivas Organizações. E quando falamos de partidos políticos, incluímos também os Sindicatos. Ideia bem plasmada, quando é afirmado:

“(…) portanto um Partido para mim, é um obstáculo, quanto a mim, não quer dizer que haja pessoas nos Indignados que pensem de outra maneira diferente” (IL:278).

É lícito, em jeito de sumula afirmar, que há no seio dos entrevistados um vincado sentimento de afastamento da vida partidária e dos modelos de Organização, que presidem a estes. Havendo lugar a uma profunda crítica a estes, através dos seus modelos de organização, atuação e sobretudo hierarquização. Pensamos que está de todo afastado um possível cenário de institucionalização das diferentes Organizações, até mesmo do Que se Lixe a Troika, que a aferir pelos dados da 1ª dimensão, aquele que em termos programáticos e organizacionais, mais se aproxima.

Por outro lado, podemos colocar a questão, sobre o relacionamento com outras Organizações de cobertura nacional e/ou internacional. Verificamos, que pelo menos num grupo há uma tentativa de relacionamento interorganizações, sobretudo no plano internacional, mormente com Organizações oriundas de países que estão a viver uma crise económica/financeira e consequentemente social como são os casos de Espanha e da Grécia. Estas relações fazem-se invariavelmente sob o espectro da carência de recurso, mas também do voluntarismo de cada um dos ativistas, como é mencionado numa das entrevistas:

“Sim. Epah em geral precisa de conhecer algumas pessoas, que fizeram parte lá do 15M. Eu como faço parte de um Partido Político que é internacional, o MAS, ele faz parte da Liga Internacional dos Trabalhadores. É uma organização trotskista dos trabalhadores, internacional, há secções no Brasil, em Espanha, em Itália, a secção no Chile. Então a minha ligação é muito mais, com a malta dessas organizações, que depois atuam também nesses Movimentos Sociais. Ai é que são mais consistentes.

Sim, há ligação. Epah há muitos militantes no 15 de Outubro que são do MAS, portanto essa ligação é óbvia, mas para além disso há depois contatos pessoais. Malta que são dos Partidos e tal” (15 O:293).

Com efeito, estamos perante uma realidade que, transcendendo as fronteiras nacionais, onde nem por isso deixam de transparecer dificuldades e limitações. Dizemos isso, em face da importante dependência das relações pessoais, que parece haver no que toca ao relacionamento entre Organizações, nomeadamente nacionais e internacionais.

Ora, aqui urge também analisar o próprio percurso e perfil político e ideológico dos ativistas, que compõem estas Organizações. A regularidade entre os entrevistados é a pertença a variadas organizações, ainda com diferentes graus de institucionalização, com domínios de intervenção díspares. Todavia, há um traço comum, quase todos eles se declaram de esquerda, mas sobretudo “antissistema”, como é o caso deste testemunho:

“Sim, sim. Fui membro da Associação de Estudantes desta Universidade. Fiz parte da Casa do Brasil, grande parte das reuniões eram na Casa do Brasil. Era no Precário Inflexíveis ou na Casa do Brasil, foram os dois locais principais. Faço parte do MAS. Fiz parte do Bloco de Esquerda, fiz parte de uma Associação de Fotografia. Fiz parte da Acampada do Rossio. Tenho assim, um percurso extenso.

Como, um “gajo” anti-sistema, que luta por uma revolução socialista. Ou seja, não é pelas eleições, nem se vai conseguir transformar o mundo, aliás pode-se transformar um pouco, ou seja não é pelas reformas, elas podem dar algumas vitórias, mas elas para serem retiradas, é o que estamos a viver hoje. E ao mesmo tempo, não acredito que seja o capitalismo reformável. Podemos ter algumas vitórias parciais, mas é preciso haver uma alteração profunda no modo como a sociedade está organizada, em relação às relações de produção, as classes sociais, que se pode digamos se poderá acabar com a fome, a miséria, a desigualdade que existe no mundo” (15 O:295).

Esta é uma longa passagem, que no fundo sintetiza o tom geral, que pudemos apurar por via da entrevista, mas também nas conversas prévias, mas sobretudo subsequentes à realização das mesmas, em que os ativistas num ambiente mais descontraído e já com algum capital de confiança com o entrevistador, revelavam de forma explicita e/ou implícita as suas posições políticas e ideológicas. Em síntese temos um conjunto de ativistas, que norteiam a sua ação política por via de uma mundividência, que em termos substantivos circula entre a designada “esquerda radical” e o anarquismo. Há em todos eles um forte espírito comunitarista, em que o poder decisivo devia ser devolvido às populações ao nível do Bairro, da Rua etc., etc….

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