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3.1 Do Coletivo para o Individual: o que mudou na participação política

Tudo isto, teve repercussões no plano político e naturalmente da sua própria vivência. Por conseguinte, o ponto, que queremos frisar é precisamente a disrupção valorativa ocorrida neste período e que simbolicamente fica eternizada no célebre Maio de 1969, com os tumultos na capital francesa, que tendo começado restringindo aos estudantes de ensino superior, rapidamente se estenderam aos trabalhadores.30 Portugal, por esta altura vivia sob

o jugo de uma ditadura fascista, que fazia a apologia de um forte isolacionismo e tradicionalismo, pelo que o processo histórico e político se constitui com algumas especificidades, que o afastam dos seus congéneres europeus.

No fundo, estes movimentos contestavam o forte controlo exercido pelo Estado, sobre os cidadãos, revindicando mais liberdade, mais poder de escolha, sobretudo em questões em que a escolha deveria ser inteiramente individual. Neste role de questões, incluem-se o direito à interrupção voluntária da gravidez, bem como a defesa do equilíbrio ambiental. Esta onda de contestação marca a viragem daquilo a que este autor designou por valores materialistas para pós-materialistas.

Com esta mudança Inglehart quis assinalar a passagem de questões de existência (sobrevivência) para questões de autoexpressão de forma a afirmar a individualidade. Não obstante, podemos encontrar já em Max Weber (2005) no prelúdio do século XX preocupações semelhantes – a crescente individualização – ainda que em moldes e tempos bem distintos. Num breve recapitular histórico, temos de nos localizar cronologicamente na década de 1960, mormente no Maio de 68, para identificarmos o clímax da mobilização e participação política, com a revindicação de maior liberdade individual, de maior igualdade nas relações entre géneros. Todavia, e tal como já tivemos oportunidade de mencionar, estas mudanças sentirmos de forma muito idiossincrática, dadas as circunstâncias históricas e políticas, como já tivemos oportunidade de expor.

Pese embora estas duas criticas a Ronald Inglehart (1990; 2005), o seu contributo não deixou de ter uma grande influência teórica e empírica em domínios como a sociologia ou a ciência política. De facto, e esse parece-nos ser um mérito incontestável do autor, foi ter identificado e ter chamado a atenção para uma importante mudança das estruturas sociais, sinalizando uma transição histórica, mas aparentemente não definitiva e com importantes nuances contextuais e nacionais.

30 Também por Portugal, no ano de 1969 se registaram importantes tumultos tendo como epicentro a

cidade de Coimbra. Ainda que sob sérias reservas, dadas as circunstâncias históricas e políticas – a ditadura – estes conflitos podem ser vistos como uma réplica, daquilo que haverá pretérito ano em França.

Já posteriormente, este quadro teórico foi objeto de críticas, para além do próprio autor, Inglehart (2005) o ter revisitado. Em termos gerais, uma das críticas mais sonantes passa pelo forte pendor evolucionista desta perspetiva. Associada a esta influência evolucionista, está igualmente a profusão de uma visão seriamente teleológica, a qual enfatiza a passagem de um estádio, primordialmente materialista, para uma fase decisiva, em que vigorariam os valores pós-materialistas.

Com efeito, estamos desde já a aludir a alterações dos padrões convencionais de vivência social e política, mas sobretudo e para aquilo que nos interessa no âmbito da presente pesquisa, da participação política. Estando a política no centro da mudança social, cultural e política, não deixa de ser significativo, tomarmos como ponto de referência as formas de organização e mobilização política. Se na modernidade vigorava um modelo dominante de participação em que o “eu” se submetia aos ditames do “nós”, no fundo da força coletiva, não deixa de ser verdade, que nas sociedades reflexivas, ou pós-modernas, o tipo de mobilização transformou-se de forma radical.

O contraste, chama sobretudo a atenção para as já consolidadas formas de participação política alternativa, que surgem no role de mudanças associadas ao processo de individualização e que paralelamente ao facto de colocarem a enfase no “eu” em detrimento do “nós”, têm também um forte carater circunstancial e particular. Por outras palavras, queremos sublinhar, que desde então a participação política, teve crescentemente, como substrato motivacional, “coisas” da vida quotidiana e por vezes momentâneas, como um problema de acesso a um bem (eletricidade) de uma determinada rua ou bairro (Beck, 2000: 19). Posteriormente e já com a forte consolidação do acesso à WWW e às suas múltiplas ferramentas, como por exemplo blogs e redes sociais, assistiu-se a um incremento do uso destas ferramentas para os mais diversos fins (Castells, 2009). Sendo que o contexto é marcadamente de crise. De crise económica e financeira, que teve o seu prelúdio nos Estados Unidos da América decorria o ano de 2008 (1º capítulo), mas também de crise da própria participação política.

Desde o período (década de 1960-1970) que marcou a transição da modernidade industrial, para a modernidade tardia um pouco por toda a Europa (com exempção dos países da península Ibérica) verificaram-se sucessivos défices de mobilização política e cívica.31 Por

conseguinte, estamos perante um cenário político e mais concretamente participativo e cívico em que existe um alargado descontentamento e distanciação da vida pública e política, na generalidade do continente europeu. Os fatores que estão a montante deste afastamento, foram já objeto de análise nos pretéritos capítulos.

31 Sobre a mobilização política e cívica ver o 2º capítulo no qual apresentamos dados e estudos que

Em síntese, são quatro os eixos estruturais que em termos históricos e contextuais que imprimem dinâmica e especificidade à presente análise, para além da sua simbiose. Um 1º fator prende-se com a já identificada crise da participação e mobilização política no âmbito da política convencional. O 2º fator, diz respeito às profundas mudanças na própria mobilização, passando de ser eminentemente coletiva, para se fazer sempre com uma importante componente pessoal e individual e em torno de causas e problemas muito específicos. Em 3º lugar assiste-se a uma forte explosão dos dispositivos tecnológicos que potenciam a criação de uma vasta rede digital, que coloca em interação atores de diferentes origens, são os casos das redes sociais Facebook, Twitter e Redes que têm estado no centro de um efervescente debate teórico, sobre as suas potencialidades para a participação política e debate público, tendo o vasto exemplo da “primavera árabe” como um precioso laboratório de análise. Finalmente, e em 4º lugar, a profunda crise económica, financeira e consequentemente política e social, que a Europa e muito em particular, Portugal têm experienciado o que faz do atual panorama um verdadeiro nicho de estudos, no qual o debate público e político tem preenchido grande parte dos jornais e noticiários.

No cômputo são estes os quatro grandes domínios contextuais, que marcam a nossa análise. Em face de já ao longo do presente trabalho termos abordado algum destes aspetos, as próximas secções do presente capítulo, centrar-se-ão sobre as implicações sociais e políticas, das mudanças ao nível dos valores sociais e políticos, relacionados com o postulado individualista, entre outros fatores inserindo esta discussão no desenvolvimento tecnológico e técnico, nomeadamente no que diz respeito aos novos mídia e a forma como estes podem canalizar e/ou potenciar uma maior participação política e cívica.

3.2 - Do Espaço Público Tradicional ao Espaço Público Digital: o

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