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A ação política desde os primórdios da modernidade fez uso dos mais diversos e inovadores meios de propaganda e comunicação de forma a fazer passar a mensagem, no fundo o conteúdo político que se pretende disseminar. Por outro lado, há também o recurso aos mais diversos mecanismos de propaganda e campanha política no sentido de uma efetiva mobilização, que trespasse a simples adesão a um ideário, ou simplesmente a uma causa. No fundo o que uma qualquer ação política pretende, regra geral, não é mais do que convencer ou pelo menos promover a adesão de um individuo ou conjunto deles a um determinado ideário programático ou a uma simples e singular causa. Isto, para dizer que independentemente dos horizontes de cada Organização e até da sua maior ou menor maturidade organizacional, a mobilização por via da persuasão é um recurso recorrente no domínio político.

Este é um ponto espacialmente fértil, no que diz respeito à convergência entre o domínio da comunicação política e o da sociologia política e também da ciência política, dado, que se pretende estudar o modo como as novas tecnologias, nomeadamente o Facebook, são utilizadas na mobilização. Nestes termos a questão de investigação que norteará a presente secção interroga: quais as estratégias utilizadas, para potenciar a mobilização cívica e política?

Numa primeira fase apresentar-se-ão os dados das diversas questões, que fizeram do guião de entrevista exclusivamente para a abordagem desta grande dimensão, juntando a estes dados, os resultantes da análise de conteúdo. De forma a sintetizar os dados mais relevantes, realizar-se-á na próxima subsecção a análise destes.

Pelo percurso até aqui empreendido, tivemos oportunidade de apreender que há ao longo dos três domínios anteriores abordados, uma grande divergência e heterogeneidade entre as diferentes Organizações, mas também há diferenças dentro das próprias Organizações que estudamos, considerando os elemento que compõem as referidas dimensões. Dai, decorre um

acrescentado interesse, no que diz respeito às questões da mobilização e ao uso dos diferentes recursos, que são potencialmente utilizados ou pelo menos colocados ao dispor dos seus utilizadores.

Assim, procurámos aferir qual a estratégia que entende ser mais eficaz e que consegue ter maior capacidade de mobilização no seio da sua organização?

Neste campo em particular temos opiniões e perceções dos ativistas bastante dispares entre si. No caso do RiseUp Portugal é sublinhada a importância que os artigos de opinião têm. Ai, percecionam claramente que este tipo de conteúdo é tendencialmente mais seletivo, que por exemplo o uso de fotos com montagens, que envolvam políticos ou outras figuras com notoriedade pública:

“Já há pessoal a fazer isso, já há pessoal a fazer isso. Uns melhores que outros, uns mais influenciados por certas coisas, do que outros. Mas já há pessoal a fazer isso. O buraquinho que nós fomos preencher é lá está, consciencialização mais completa. Mais completa. Lá está, voltando um bocadinho atrás, nós fomos os primeiros a fazer análises, textos de opinião, que era uma coisa que os outros não fazem. Que é uma coisa que não resulta tanto no Facebook, mas que se calhar foi por causa disso que atraímos, a tal espécime de leitores e de seguidores que estávamos a discutir ainda há pouco. O tipo que partilha, um texto de opinião em que vai ficar ali 10 minutos a olhar para aquilo, vai ser um bocadinho mais inteligente, eu não queria dizer isto, mais exigente” (RU1:225-226).

Deste testemunho, várias considerações se podem fazer, entre elas, a já mencionada rivalidade, que pelo menos num estado latente medeia a relação entre diferentes organizações. Contudo, para o que interessa, que este ativista coloca o “dedo na ferida” quando sublinha que o Facebook, enquanto espaço de divulgação de informação e de participação política e cívica não se compadece com textos muito extensos e complexos, o que no fundo corrobora a tese de que a “arquitetura do Facebook” é sobretudo uma plataforma de divulgação, porém o mesmo afirma que mesmo com estas estratégias detém sucesso e inclusive superou algumas outras Organizações, vistas como rivais e concorrentes no mesmo “mercado da contestação”. Acrescente-se ainda a enfâse no superficial e importância que é dada á imagem.

Contudo, temos testemunhos que partilhando do pessimismo relativamente ao potencial mobilizador do Facebook, fazem-no num registo bem mais taxativo:

“epah o Facebook, não é propriamente um meio muito eficaz para a mobilização. Se por exemplo eu chegar ao Facebook e disser “vou fazer não sei o quê na Gulbenkian” epah as pessoas não aparecem muito” (DD:89).

Uma posição que nos parece relativamente intermédia das duas anteriormente enunciadas, passa por mencionar que:

“O Facebook dentro das plataformas online. Mas os eventos ganham e conseguem sempre, quando alguém pega neles, num sítio qualquer e os começa a fazer. E ai, já não depende de nós, já não está no nosso controlo. Eles funcionam, quando nós não os controlamos, quando somos nós sempre ali a tentar que eles aconteçam, ou sejam replicados, quer dizer que alguma coisa não está a correr muito bem. Quando eles funcionam muito bem e depois quando começam a ser, o Facebook ai ajuda a dar essa dimensão de descentralização da própria ação. Isso talvez seja o mais fundamental” (QSLT:268).

Segundo este depoimento os eventos a determinada altura adquirem uma espécie de vida própria, que ainda neste registo, parece ser o desejado por parte dos ativistas e desta Organização em particular. Ainda assim, refira-se que a escassez de recursos “joga” uma papel relevante no que toca à mobilização de outras formas de fazer passar uma mensagem, sendo que o Facebook, neste aspeto em particular, pode mitigar algum défice de acordo com o testemunho de O Povo é Quem Mais Ordena.

Ora, esta última posição remete-nos para a efetiva mobilização dos recursos, mormente a panóplia associada ao uso do Facebook e que permite o uso entre muitos outros, de imagens, vídeos etc.. Foi precisamente isso que tentámos apurar na análise de conteúdo, mais propriamente na 4ª dimensão.

O Gráfico 11 representa a distribuição empírica dos dados, que resulta dos indicadores 4.1 que avalia a capacidade mobilizadora e cativante das imagens de capa e de perfil de cada uma das organizações e o indicador 4.2 que avalia o uso de fotos/vídeos. Estamos perante dois vetores analíticos, que detêm uma importante componente estética e com isso uma importante dimensão subjetiva, no fundo o “gosto”, ainda que mediada à luz daquilo que potencialmente poderá ser mobilizador.

Com efeito, verificamos que o indicador (4.1) temos três avaliações máximas (6 pontos) a saber RiseUp Portugal, O Povo é Quem Mais Ordena e Que se Lixe a Troika. Pelo contrário a nota de 2 pontos foi atribuída ao Artigo 21º e FLAN Colectivo. Já no indicador 4.2, observamos que apenas o Democracia e Dívida regista avaliação de 6 pontos, sendo que mais uma vez é o FLAN Colectivo detém a avaliação mais baixa com apenas 2 pontos. A avaliação deste último indicador (4.2) tinha a particularidade de ser o resultado da avaliação dos posts da Organização, mas também dos seguidores. Em termos gerais, o que estes dados, nos dizem é que o uso e potenciar de algumas destas particularidades do Facebook são razoáveis, se excetuarmos o FLAN Colectivo e o Artigo 21º.

Num patamar mais complexo, tínhamos os indicadores: 4.3 - Recursos a cartoons e caricaturas nos posts da administração, 4.4 – Recurso a cartoons e caricaturas nos posts dos seguidores e finalmente 4.5 – Uso de ironia e sátira no enquadramento nos conteúdos da administração e seguidores.

Desde logo é bem patente um substancial fosso entre três Organizações (O Povo é Quem Mais Ordena; RiseUp Portugal e Indignados Lisboa), que obtêm pontuações bem mais elevadas que as restantes cinco. Vistos de outra perspetiva, estes dados revelam que apenas duas Organizações obtêm pontuações máximas no indicador 4.5, que avaliava o uso de ironia e sátira nos enquadramentos dos posts realizados pelas diferentes Organizações e seus seguidores, havendo apenas mais duas com pontuações de 4 pontos. Organizações com 15 Outubro e Que se Lixe a Troika e Democracia e Dívida registam pelo menos dois indicadores com pontuação nula.

Em termos gerais, o panorama é relativamente deficitário no que comporta a uso de cartoons seja pelos seguidores, mas ainda mais mitigado por parte das próprias Organizações. Nesta linha de raciocínio, foi objeto de abordagem no âmbito dos entrevistados, a perceção que os ativistas têm acerca do uso do humor, enquanto ferramenta de combate e mobilização política.

O humor é neste sentido, concebido como tendo uma dupla função: como fator aglutinador dos seguidores, mas também como exercendo o papel de “tubo de escape” para os próprios ativistas:

“é fundamental, rir e rir-nos de nós próprios, não é só de fora é também de dentro. Mas é fundamental, porque o humor é uma coisa que funciona bem em Portugal” (QSLT:267).

“é assim, a página dos Indignados não é 100% vocacionada para o humor. (…) Eu acho que o humor é muito importante e em alturas de desespero, então, o que vale às vezes é o humor” (IL:281).

O que decorre daqui é que o uso do humor e da ironia está condicionado ao próprio estilo e idiossincrasias de cada um dos ativistas, não havendo uma matriz, que circunscreva e padronize o uso deste tipo de recurso. Por isso, também a frequência é bastante volátil e oscilando conforme o estilo e a forma de expressão que cada ativista promove.

Neste sentido, procurámos também saber até que ponto são mobilizados meios e recursos que estravassem o uso do Facebook. Existem vários destes recursos que se pode dizer que são transversais às diferentes Organizações como blogs, email, em alguns casos o twitter. Isto no pano das plataformas digitais, todavia o acesso a outros recursos com flyers, cartazes, constituem-se como um elemento, bem mais raro, dado que estes requerem mobilização de recursos financeiros.

Assim o recurso a este tipo de meios é feito de forma esporádica e para potenciais eventos especiais de dimensão considerável:

“flyers fizemos apenas quando foi das manifestações. Pois tivemos isso, isto é difícil. É tudo à nossa conta (financiamento). Por exemplo a nossa faixa, que nós temos, fizemos uma muito idêntica ele lá e eu cá, fomos nós que fizemos à mão. Não mandámos fazer” (PQMO:238),

Ou ainda:

“eu não tenho dinheiro para mandar fazer tarjas, nem bandeiras” (RU1:225).

Isto leva-nos a colocar a questão de como é percecionada a ação e a concretização dos objetivos de cada Organização. Sucintamente, há um otimismo generalizado e mesmo aqueles que apresentam alguma relutância, fazem-no relativizando-o à luz dos próprios meios que têm ao seu dispor.

“Tem sido bem-sucedida. Nós estamos satisfeitos, porque em três meses nós já fizemos cinco debates. O Facebook, que é aquilo que eu mais acompanho, eu vou pouco ao blog, o blog é mais para o outro “gajo”, que acompanha mais, eu vejo aquilo a crescer, os seguidores a crescerem e o número de visualizações, às vezes, até explode. Pronto, penso que nisso estamos a aumentar a nossa visibilidade e isso obviamente é um objetivo. Enquanto isso acontecer, porreiro” (DD:251).

Talvez o único testemunho um pouco menos efusivo e que de certo modo reflete até um pouco a frustração é o que vem do Que se Lixe a Troika:

“Temos feito um bom trabalho. Acho que temos feito um bom trabalho. Acho que sim, mas também às vezes é frustrante. Estes “gajos” que lá estão agora no poder, estão agarrados à cadeira, mas aquilo dá- lhes um empurram valente, eles ficam a tremer nós dizemos “olha vai cair, olha vai cair, vai cair, vai cair” não, ainda não é desta. E isso também nos faz pensar algumas vezes, até que ponto algumas ações, nós fazemos não são depois até usadas pelo Governo, neste momento em funções, como uma forma de se reforçar. Mas acho que temos feito um bom trabalho, tendo em conta as nossas capacidades, porque eu repito que é um grupo de pessoas” (QSLT:267).

Ora, precisamente na Organização que na 1ª dimensão apresentou um nível de “maturidade” e estruturação maior, verificamos agora, que é onde existe, ainda assim, um menor entusiasmo, relativamente à ação que tem desenvolvido e sobretudo à concretização dos seus objetivos, que no caso concreto é derrubar o atual Governo liderado por Pedro Passos Coelho. Podemos, declarar que a perceção da ação e a respetiva efetiva concretização de objetivos tem uma forte componente contingencial, dado que essa avaliação é sempre realizada, tendo em consideração a existência de uma ordem programática mais ou menos definida.

5.4.1 - Perceções e realidade: um desfasamento entre práticas e

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