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5 Entre Factos e Perceções: o debate facebookiano

Os últimos tempos (anos) têm sido pródigos em acontecimentos e factos políticos. Regra geral, estes surgem-nos imbricados com a temática económica ou financeira, na agenda mediática dos mais diversificados meios de comunicação. É com efeito, um debate político incontornavelmente dominado pela crise financeira adjacente à própria crise do subprime e que tem vindo nos últimos anos a ter sucessivas “ondas de choque”, materializadas em pesadas medidas de austeridade, que têm feito registar significativas quebras no poder de compra das populações.

Esta depreciação da qualidade e nível de vida de largas categorias sociais, não passa incólume ao ambiente político, sobretudo se considerarmos as sociedades da Europa mediterrânica e muito em particular a de Portugal. O crescente descrédito da classe política e governativa, perante a população eleitora, tem ficado cada vez mais patente sobretudo com o crescimento do número de eventos, como por exemplo manifestações como a de 2 de Março 2013 ou 15 de Outubro 2011, que tiveram a particularidade de mobilizar uma alargada e diversificada base social de apoio.

O recrudescimento da contestação tem pontualmente decorrido em contexto real, todavia um elemento novo, ou de certo modo, parcialmente novo é a dialética que se estabelece entre o debate público e os novos mídia, mormente as redes sociais como o Facebook. As redes sociais têm crescentemente ganho preponderância no que toca à visibilidade e mediatização de determinadas temáticas. O Facebook, em concreto parece dar uma maior visibilidade a determinadas questões, que de outra forma passariam indiferentes entre a população. São ainda diversos os casos em que a agitação e até de certo modo uma onda de indignação teve o seu grande epicentro no Facebook, como foi o caso das alterações dos valores da TSU para os trabalhadores e empresários, mas também declarações, que geraram polémica como as de banqueiros como Fernando Ulrich, ou ainda de um empresário da distribuição Alexandre Soares dos Santos.

Em todas estas ocasiões, houve tal como já foi dito, uma “forte agitação” critica, relativamente a estas figuras públicas, que inclusive levou a retratarem-se publicamente, em alguns dos casos. Estamos com efeito, perante uma dinâmica, que pautou o debate público e até a agenda mediática, incluindo os mídia tradicionais durante um determinado espaço de tempo. Aparentemente, existe neste tipo de fenómenos, uma forte componente contingencial. O que queremos enfatizar é precisamente o possível caráter efémero, que resulta dos impulsos vindos das diferentes redes sociais e em particular do Facebook.

Dito isto, somos impelidos a questionar: que têm em comum todas essas Organizações partidárias ou ate mesmo autónomas? Transversalmente, podemos identificar um traço determinante, o de serem Organizações que se movimentam e gravitam em torno do sistema político institucional. O que em última análise requer, algum nível de aprofundamento e complexidade orgânica e programática.

Paralelamente, assiste-se a uma crescente presença de atores políticos e figuras políticas, marcando presença no Facebook.44 Esta presença, faz-se predominantemente numa visão

genérica e superficial de forma a fazer chegar a mensagem de campanha ou partidária. Assim, estes novos meios de comunicação digitais, tem a virtude de abarcar um grande e heterogéneo conjunto de indivíduos, tornando-os assim suscitáveis de receberem a mensagem, que se pretende transmitirem.

Está implícito, neste modo de abordagem, uma visão prática de comunicação verticalizada. No fundo, esta postura consuma-se como fundamentalmente um tipo de comunicação verticalizado, em que ao candidato cabe sobretudo apresentar as suas propostas, o seu programa, em que finalmente aos seguidores, em geral, é lhes remetido o papel daquilo a que José Marichal (2012) designa por “clickactivism”. O substrato desta postura e no fundo um perspetivar da atividade política como algo elitista, na linha do que em capítulos anteriores tivemos oportunidade de sublinhar.

Neste ponto, “batemos” num aspeto relevante e que na presente pesquisa se reveste da maior relevância, abordando a complexidade organizativa e programática das Organizações objeto de análise. Esta atenção prende-se com uma importante componente e que tem a ver com o nível de estruturação e sedimentação, o poderá ter um peso decisivo na ação levada a cabo por essas Organizações, seja ela em contexto real ou no Facebook. O Facebook, reveste- se de especial relevo, dado que estamos perante um estudo que concilia dois grandes domínios: o da participação política e o das tecnologias.

É imbricado, nestes dois campos, que a atual investigação procura responder á questão de partida: em que medida o Facebook dá expressão a formas alternativas de participação política? Esta é no fundo a questão que norteia todo o percurso teórico e a componente empírica, que aqui se pretende realizar. Para a prossecução do nosso objetivo, “avançou-se” em duas “frentes” empíricas, não descorando a necessária e imperativa articulação entre ambas, por um lado a realização de entrevistas, uma por cada Organização, por outro lado, uma análise de conteúdo, composta por quatro dimensões e respetivos indicadores.

44 No momento preciso em que está a ser redigido este mesmo capítulo, decorre o período de pré-

campanha e posteriormente campanha eleitoral para as eleições autárquicas a realizar no final do mês de Setembro. Neste contexto, assiste-se a uma proliferação enorme de páginas de candidaturas às Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia e Assembleias Municiai. Por vezes com slogans de campanha e opções estéticas algo discutíveis, levando mesmo à criação da página “Tesourinhos das Autárquicas”.

Dimensões que passamos a enumerar: 1ª Organização e Informação; 2ª Dinâmica Organizativa do Debate; 3ª Iniciativa e Pró-atividade dos seguidores; 4ª Persuasão, Humor e Estética. De uma forma ou de outra, estes quatro domínios condensam os objetivos a que nos propomos alcançar, isto é de conhecer de forma aprofundada estes importantes vetores analíticos. Imbuídos deste espírito que a presente análise se processará através das quatro grandes dimensões, às quais será dedicada uma secção e três subsecções. Nas duas primeiras, serão discutidos os dados, para de seguida (na terceira) fazermos uma breve conclusão onde se corrobora ou refutará as duas hipóteses de trabalho, que iluminam cada dimensão. As duas últimas secções seguem uma organização um pouco distinta, uma vez que se trata da exposição e aceitação ou rejeição de uma só hipótese, dai serem compostas apenas por uma secção.

No final, os resultados obtidos serão objeto de apreciação na subsecção final, onde se levará a cabo a mensuração, considerando para o efeito as diferentes hipóteses e perguntas, que lhe presidem. Neste sentido, as perguntas e respetivas hipóteses desempenharão um papel orientador, encadeando o raciocínio que se pretende levar a cabo neste 5º capítulo, que se fará a partir de uma constante deambulação entre os dados dos dois momentos de pesquisa. Ora, numa breve abordagem às circunstâncias e vicissitudes, que norteiam a execução destes dois momentos e começando desde já, pela análise de conteúdo,45 podemos dizer que este

momento empírico da presente pesquisa, teve como referência o período que mediou entre 5 e 11 Junho 2013. Tendo um forte caráter quantitativo, esta etapa da recolha de dados, que foi efetivamente realizada entre as 21h55 do dia 15 Junho e as 21h15 do dia 16 do mesmo mês, assentava na avaliação de um conjunto de indicadores, distribuídos por quatro dimensões: as já anteriormente identificadas.

A cada indicador e eram cinco por dimensão, era atribuída uma pontuação, tendo como critérios fundamentais a adequabilidade, a complexidade e a atualização. Avaliação, esta, que tem uma escala de mensuração entre o 0 (nota mínima) e o 6 (nota máxima). Contudo e no sentido de apostar de forma ainda mais substancial, na herança teórica das três principais propostas aqui consideradas (liberal, (neo)republicano e deliberativo), implementou-se um sistema de ponderação assimétrico, em face dos diferentes patamares de recursos mobilizados para cada um dos indicadores. Tal como se pode observar no Anexo 1, o processo de avaliação desenrola-se de forma bem simples; em primeiro lugar é atribuída uma avaliação (0-6), posteriormente esse valor é multiplicado pelo valor de ponderação, que oscila entre o 1 no primeiro indicador de cada dimensão, até 5 no 5º indicador. Com efeito e hipoteticamente, uma Organização que tivesse avaliação 6 pontos nos cinco indicadores de

45 Reforçamos a ideia de não existência de uma ordem apriorística entre a análise de conteúdo e as

uma determinada dimensão obteria, respetivamente em cada indicador cerca de: 6; 12; 18; 24; 30 pontos.

No que toca à avaliação propriamente dita das 8 Organizações consideradas no presente estudo, estas encontram-se explicitas no anexo 3, quer em termos absolutos, quer em já incluindo a avaliação. É óbvio, que o período em análise (1 semana) apresenta limitações ao nível da possível extrapolação e conclusões, porém, e considerando a própria economia de recursos neste espaço temporal, pudemos observar importantes dinâmicas e tendências, que serão exploradas mais adiante, ainda no presente capítulo. Por conseguinte, será o conteúdo destas tabelas (anexo 3) que será a nossa “matéria”, no que diz respeito ao testar das hipóteses e perguntas, a que nos propomos dar resposta em estrita articulação com as entrevistas.

No segundo momento, em que de forma genérica tentámos recolher os testemunhos de ativistas das organizações aqui consideradas no âmbito da investigação, procurou-se dar voz a atores concretos. Para tal, concebeu-se um guião de entrevistas com 20 questões, divididas pelas já referidas quatro dimensões (ver anexo 2). Do ponto de vista logístico e de recursos de mobilização necessária, esta etapa era aquela, que menos controlo detinha por parte do investigador. O caráter circunstancial e contingente nesta fase era bem patente, desde logo pela própria calendarização e conjugação de interesses entre entrevistado e entrevistador. Mas, talvez o mais expectável fosse mesmo a dificuldade em ultrapassar algumas objeções por parte dos ativistas em conceder uma entrevista, até por questões políticas e de possível perseguição. Então, decidiu-se desde logo garantir o anonimato a todos os possíveis entrevistados, sendo os entrevistados identificados pelo nome da Organização que integram.46

Assim, a primeira tentativa foi realizada pela manhã do dia 18 Julho 2013, como se pode observar no anexo 4. Nesta primeira abordagem obtivemos manifestações de disponibilidade de três Organizações para nos concederem a desejada entrevista. RiseUp Portugal, O Povo é Quem Mais Ordena e Democracia e Dívida. Estas três foram realizadas no decorrer de uma só semana (29 Julho a 2 de Agosto). Foi por via de contatos com estes ativistas, que conseguimos chegar ao contato com uma ativista dos Indignados de Lisboa, entrevista realizada a 20 de Agosto. Nesse mesmo dia realizámos uma segunda entrevista, no caso no âmbito do Que se Lixe a Troika. Precisamente, foi também deste modo, que obtivemos contatos de ativistas das três restantes organizações. Artigo 21º, 15 Outubro e FLAN Colectivo.

Após uma nova tentativa (5ª), foi possível estabelecer comunicação com um ativista do 15 de outubro, que esteve na fundação desta Organização. Em termos gerais há a salientar, que o conjunto das 6 entrevistas decorreu, num período aproximado de 1 mês e 1 semana, dando por finalizado o esforço de estabelecer comunicação com os dois restantes.

46 A única exceção a esta regra é mesmo o caso da ativista Paula Montez dos Indignados de Lisboa, que

A realização destas entrevistas, foi a nível profissional, mas também pessoal uma experiência bastante enriquecedora, desde logo, pelo contato direto com os atores, que todos os dias se envolvem e disponibilizam uma parte do seu tempo, para causas em que acreditam. Das conversas que tivemos oportunidade de manter antes e depois das entrevistas, surgem algumas considerações que pensamos serem da maior relevância a longo da análise de dados propriamente dita. Sempre que houver lugar a qualquer menção destas conversas paralelas, será feita a devida indicação, assegurando o rigor que os parâmetros académicos convencionam e exigem. Mas também a nível técnico e profissional foi um desafio a prossecução desta série de entrevistas, no fundo foi uma oportunidade para colocar em prática competências, mas também identificar lacunas e também desde já ultrapassar algumas.

Feitas estas considerações de caráter preambular, acerca de aspetos eminentemente técnicos e metodológicos, importa agora passar à análise dos dados propriamente dita, de forma a levarmos a nossa missão a “bom porto”, a de dar resposta à questão inicialmente levantada. As secções e respetivas subsecções que se seguem, serão a realização desse maior desígnio.

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