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5.3 Iniciativa e Pró-atividade dos Seguidores

Um dos focos da presente investigação é o estudo da dinâmica associada ao uso do Facebook, concebido enquanto artefacto que tem uma arquitetura própria e que por isso torna contingente (no sentido que está sujeita às idiossincrasias de cada ator) a sua utilização, quer seja por parte dos ativistas membros das Organizações, quer pelos seus seguidores. Por tudo o que foi dito anteriormente, o Facebook tem visto o seu uso crescer, prova disso é o grande número de notícias relacionadas com esta rede social, que são publicadas nos mais diversos meios de comunicação social. A juntar a isto, há ainda o crescente uso que as diversas figuras políticas e inclusive Partidos Políticos, fazem do Facebook.

Sem prejuízo das restantes dimensões, que compõem o presente esforço teórico e empírico, esta dimensão assume contornos de relevo importante, sobretudo em face da questão de partida que dá corpo ao “nosso” problema de investigação e que passa por saber se o Facebook possibilita um debate público profícuo e que assim consiga apresentar-se como uma alternativa à esfera pública em contexto real. Para tal, procuraremos dar resposta à seguinte

questão: em que medida, há nas páginas de Facebook das Organizações troca de argumentos entre seguidores e entre estes e a Organização?

Dito isto, importa referir, que ao contrário das secções anteriores esta apenas terá uma subseção, em face de apenas termos uma pergunta de investigação, sendo que a habitual subsecção dedicada às conclusões, ficará também integrada na próxima subseção, onde procederemos à discussão dos dados da análise de conteúdo, para de seguida os confrontar com os testemunhos recolhidos em sede de entrevista.

No importante estudo das páginas de Facebook das oito Organizações que definimos como nosso alvo importa-nos aferir das tendências dialógicas e de argumentação, nestes espaços. Por tal, proceder-se-á a um duplo olhar: por um lado, analisar-se-ão os dados resultantes da realização da análise de conteúdo, através da 3ª dimensão e seus respetivos indicadores. Por outro lado, iremos confrontar estes dados, com os depoimentos, baseados nas perceções dos entrevistados.

Com efeito, procurámos desde logo aferir o número de seguidores de cada uma das Organizações. Aliás, este indicador (3.1) revela-se como o menos seletivo, no sentido de ser aquele em que se observam melhores avaliações, justificando a posição inicial no âmbito mais geral da dimensão, a que corresponde uma menor ponderação. Deste modo, o que podemos retirar, é que apenas duas Organizações (Democracia e Dívida e FLAN Colectivo) não obtêm pontuação máxima, ficando-se pelos 2 e 4 pontos respetivamente.

Através da entrevista ao Democracia e Dívida pudemos apurar, que a sua fundação remonta ao pretérito mês de Abril, pelo que o reduzido valor de seguidores se pode ficar a dever

precisamente a essa circunstância histórica.55 Quase todas as Organizações em causa rondam

as dezenas de milhares de seguidores.

Um segundo patamar foca-se na existência de posts e comentários dos seguidores. Concretizando, procurou-se, no período considerado para a análise de conteúdo (1 semana), aferir da existência de posts dos seguidores; de publicações dos seguidores no Bloco de Notas; existência de comentários aos posts da Organização. Não havendo notas de zero, a verdade é que nenhuma das Organizações consegue obter a pontuação máxima de 6, pelo que não pode deixar de ser um dado bastante relevante. O indicador seguinte já exige um pouco mais de mobilização de recursos, estamo-nos a referir mais concretamente ao uso de fotos/vídeos/gráficos e outros elementos nos posts dos seguidores.

Atendendo às barras verdes do mencionado gráfico, constatamos que existe um claro défice, no uso deste tipo de recursos ao dispor dos seguidores das páginas das Organizações. Em nenhuma destas, observámos condições que levassem à avaliação máxima, sendo que por outro lado, temos três Organizações com avaliação de zero são elas: Indignados Lisboa, Que se Lixe a Troika e FLAN Colectivo.

Entrando já no domínio mais complexo do conteúdo, mais propriamente do tom utilizado nos posts dos seguidores, verificamos grandes disparidades entre as diferentes Organizações, ainda que nenhuma consiga mais uma vez justificar a pontuação máxima, a verdade é que a pontuação mínima foi de dois, para seis das oito Organizações. Neste domínio em particular, pode-se afirmar que há pouca heterogeneidade dentro Organizações.

Finalmente, no ponto 3.5 procurámos aferir da capacidade expositiva e argumentativa por parte dos seguidores das páginas analisadas, de onde ressalta a pontuação máxima de O Povo é Quem Mais Ordena e Democracia e Dívida em claro contraste com as avaliações de zero: 15 Outubro, Que se Lixe a Troika e FLAN Colectivo.

Regra geral, diríamos que os seguidores mais atentos e participativos são os do O Povo é Quem Mais Ordena, com substancial destaque sobre os 20 pontos do RiseUp Portugal e ainda mais para o Artigo 21º com dezoito. Nos antípodas, encontramos o Que se Lixe a Troika e FLAN Colectivo, cada um com oito pontos.

Abordando desde já o outro lado, o lado de como os ativistas percecionam a participação dos seguidores, temos um vasto consenso, relativamente à importância que este tipo de participação tem para a própria dinâmica da página. O tom, em geral, com que os ativistas se referem à participação dos seguidores das respetivas páginas de Facebook é taxativamente positiva, como este caso:

55 No momento em que redigimos este capítulo, esta Organização contabiliza 428 seguidores no

“fundamental, há muita gente. Há muita gente, há muitas partilhas e isso é fundamental” (QSLT:265).

Todavia, há quem tenha perspetivas um pouco críticas, colocando a enfâse, num certo superficialismo e imediatismo:

“O feed-back? Acho que podia ser melhor. Acho que as pessoas se ficam muito pelo gosto. Isso dá-nos o sinal de que as pessoas viram e tomaram conhecimento, mas gostaríamos que houvesse muito mais comentários e aprofundamento, que as pessoas pusessem questões, mas isso não há muito.” (IL:280).

Uma outra opinião, ainda que partilhe de um certo tom favorável com os testemunhos anterior, alude a uma tendência de segmentação e estratificação:

“Vamos lá ver, curiosamente, ou não tão curioso, na minha página pessoal é mais fácil as pessoas colocarem e nos Indignados ainda mais, são aquelas onde vou metendo coisas. É relativamente fácil as pessoas reagirem ao que se lá põe, acrescentando qualquer coisa. No Democracia e Dívida, não tanto. E eu presumo, que os seguidores é um “naipe” de pessoas diferentes dos outros. Ali é capaz de ser um “naipe” de pessoas menos emotivas, pessoas menos dadas chamando “filho da puta” ao Passos. Muitas das vezes está lá as pessoas que viram, mas os comentários, não são muitos. É uma coisa que acho curioso, porque as pessoas, epah deve haver aqui uma segmentação em termos de qualificação e de posicionamento em relação a estas coisas, que é diferente ao Facebook genéricos” (DD:249).

A experiência do ativista do Democracia e Divida que acumula também esta condição nos Indignados Lisboa, sugere um conjunto de considerações que nos parece de todo relevante. A primeira das quais é desde logo, que não há assim tanta mobilização. A segunda tem a ver com a própria qualidade desta participação ao referir, que muitas vezes não passa de um simples momento de “descarregar” a tensão acumulada. Uma terceira, levanta o véu sobre uma possível especialização, como é o caso do Democracia e Dívida, que requer um conjunto mais heterogéneo de recurso qualificativos que permitam argumentar ou contra-argumentar face ao exposto.

Estas três ilações podem do ponto de vista da presente investigação serem do maior relevo, aquando da análise mais generalizada dos dados empíricos. Contudo, numa tentativa de aprofundamento da relação entre Organizações e seus seguidores, procurámos indagar próximo dos entrevistados, se existe abertura para uma negociação e definição de objetivos e

eventos a levar a cabo junto dos seguidores. Em termos declarativos, a generalidade dos entrevistados expressam que existe essa abertura:

“eles são a página!” (RU2: 219).

Inclusive não são tão raros os casos e exemplos, em que os seguidores foram atores implicados diretamente no agendamento de algum assunto no caso do RiseUp Portugal, na realização de um evento no âmbito da atividade desenvolvida para sensibilização da população por parte do Democracia e Dívida, ou até mesmo a marcação de um local de manifestação:

“Por exemplo, vou-te dizer numa das manifestações que nós fizemos, quem escolheu o local foram os nossos seguidores por maioria. Pusemos vários locais, Assembleia, Terreiro do Paço, Martin Moniz pusemos vários locais em Lisboa e depois outros no Porto e por maioria foram os nosso seguidores que escolheram. Portanto eles têm um papel bastante ativo na organização dos nosso eventos, porque nós temos de ir para onde as pessoas querem” (PQMO:236).

Numa aparente mesma linha de continuidade, o Que se Lixe a Troika expressa a sua abertura, relativamente a possíveis contributos originários dos seus seguidores, sem que contudo consiga apontar exemplos. Porém, vai mais longe ao referir que “idealmente” será haver mobilização e organização, por parte dos próprios atores anónimos. Acerca de possíveis contributos na definição de objetivos:

“as decisões são internas, nós é que decidimos as questões” (QSLT:266).

Esta afirmação, surge na linha de uma das principais considerações de um maior pendor programático e de consequente fechamento desta Organização, comparativamente às demais. Fica claro, que existe alguma heterogeneidade interna entre estas Organizações, no que respeita ao contributo e participação dos seguidores na promoção da própria dinâmica das diferentes páginas.

Um ponto algo polémico, no sentido de como é conseguida a mobilização online, é o facto de captar as perceções sobre como a participação política e cívica se repercute em contexto

real. No fundo o que aqui se questiona é o papel que este aparato tecnológico pacialmente poderá/tem no que concerne à potencial mobilização em contexto real, mormente em eventos organizados e dinamizados por estas Organizações. Foi com este objetivo que incluída na 12ª questão que compõem o guião de entrevista tendo como referência as manifestações de vontade de participar nos eventos, previamente anunciados, como avalia a efetiva mobilização e participação em contexto real dos seguidores?

Transversalmente há uma clara perceção de que existe um profundo desfasamento entre as declarações de intenções, como é o caso de confirmar no Facebook que vai a um determinado evento e a participação efetiva neste tipo de eventos. Todas os entrevistos alinham por esta perspetiva, que num deles é registada nos seguintes termos:

“Há. Epah eu perceciono assim. Epah o que eu vejo, é que por exemplo, quando há muitas pessoas que vão a um evento, assim sei lá, mais de 20000 há fortes possibilidades que vão muitas mais, ou seja, à partida vão 100000 ou 150000. Isso ocorreu tanto no 12 de Março, como no 15 de Setembro, ou no 2 de Março. Foram muitas mais pessoas, do que aquelas que diziam que iam ao evento. Quando são, relativamente poucas aquelas que dizem que vão a um evento, sei lá, 7000 etc., 4000 há probabilidade que sejam menos pessoas que dizem que vão ao evento. Então eu já percebi, que há um pouco esse medidor, mas nunca é aquilo próximo” (15 O: 294).

Este retrato com este mesmo raciocínio é feito praticamente pela totalidade dos entrevistados, com pequenas oscilações terminológicas. O que há de facto a reter é esta profunda disjunção entre aquilo que é dado como intenção e posterior efetivação dessa mesma intenção. Nesta linha há também um dado que partilha, com este último, com consenso alargado e que passa pela exclusão de seguidores, quer seja pelo bloqueio da conta e até de algumas contas fictícias (RU1 e RU2), quer pela eliminação de comentários.

O argumento passa fundamentalmente, por serem agentes que vão para os posts ou para as páginas dos eventos, com uma postura de insulto e distorção do debate, que os ativistas e suas Organizações pretendem fomentar. As ofensas e injurias, jogam neste campo um papel relevante:

“Nós temos meia-dúzia bloqueados. São mal criados. Não são pessoas que vão para ali a fazer um discurso coerente. Uma coisa é estares a discutir ideias independentemente delas serem mais extremas ou não. Nós temos lá indivíduos que são extremos e nós continuamos a deixa-los, porque são indivíduos, porque não mandam para a “puta que pariu” ou “minha vaca”. Pah há coisas que nós também temos de ter um limite, eu o que eu chamo os “troles”” (RU2:216).

Ressalta claramente deste testemunho, que é extensível aos restantes, o respeito e a vigência de normas de convivialidade, que ao serem reiteradamente violadas, levam ao bloqueio, ou censura de comentários.

5.3.1 - Do discurso à prática: disjunções e coerências em torno do debate

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