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Geovane C. MÁXIMO1; Roberto N. RODRIGUES2; Juliana V. M. MAMBRINI3

1Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM-Brasil); 2Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG-Brasil); 3Centro de Pesquisas René

Rachou, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ-Brasil) geovane.maximo@ufvjm.edu.br

Palavras-chave: Depressão; Acesso e utilização de serviços de saúde; Desigualdades sociais no acesso e na utilização dos serviços de saúde Introdução

A moderna concepção de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), de longa data conhecida e amplamente aceita pela comunidade científica interna- cional, ainda que também seja criticada por autores como Segre & Ferraz (2001) [1], estabelece a indissociabilidade entre os aspectos físicos, mentais e sociais na promoção da saúde das populações humanas. Para a WHO (1946) [2] “saúde não é apenas a ausência de doenças ou enfermidades, mas sim “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”.

Do ponto de vista teórico/filosófico tal concepção de saúde da OMS é bastante avançada e atual, mas do ponto de vista da atuação governamental, nessa área, pa- rece que algumas práticas sobrepujaram a robustez do conceito. Ao longo de todo o século XX a saúde física recebeu, de longe, muito mais importância do que a saúde mental, fato que pode ter colaborado para o aumento da prevalência dos casos de doenças e transtornos mentais ao longo das últimas décadas do século XX e início do século XXI. Nesse período verificou-se também um reforço no estigma e discrimina- ção contra aqueles que padecem de alguma enfermidade mental (WHO, 2001)[2]. No Brasil, estima-se que 3% da população sofram com transtornos mentais persis- tentes e severos, 10% com transtornos mentais leves, e 11,2% com problemas decor- rentes do abuso de álcool e das drogas. A prevalência do transtorno depressivo é da ordem de 4,1% na população total, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domícilios (PNAD) de 2008. Se por um lado as doenças neuropsiquiátricas ocupa- vam a 12a posição no ranking dos anos de vida perdidos (AVP) em 1998, de acordo com

dados do Estudo Carga de Doenças da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) realizado para o Brasil, do ponto de vista da morbidade, como mensurado pelo indicador de anos de vida perdidos com incapacidade (AVPI), as doenças neuropsiquiátricas sobem para a primeira posição, representando o grupo de causas mais impactante no bem -estar físico e mental da população e na elevação dos custos do sistema de saúde brasileiro no longo prazo (Schramm, et al., 2004) [4].

E2 | C OM U N IC A Ç ÕE S OR A IS Objetivos

Focando nas singularidades da epidemiologia da depressão no Brasil, nas especifi- cidades da transição demográfica/epidemiológica brasileira e tendo como referencial o contexto político/ideológico no qual se dá o movimento anti-manicomial no país, este artigo, baseando-se na tese de doutoramento de Máximo (2010) [5], investiga se há evidências de que os indivíduos que auto-referiram depressão à época do levanta- mento dos dados da PNAD 2008, utilizam com maior intensidade os serviços de saúde do que o restante da população. Para tanto foram estabelecidos os fatores associados à utilização daqueles serviços no Brasil. O marco teórico do trabalho apóia-se no modelo de utilização de serviços de saúde de Andersen (1995) [6].

Metodologia

A base de dados utilizada neste trabalho é a da PNAD 2008, disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A PNAD 2008 contém um rico suplemento sobre saúde, permitindo realizar estudos sobre o acesso e a utilização dos serviços, as condições de saúde, e sobre os fatores de risco e de proteção à saúde da população brasileira.

A depressão foi definida pela PNAD 2008 como sendo um “problema de dimi- nuição da atividade por causa de estado emocional, apatia, abatimento moral com letargia, falta de coragem ou ânimo para enfrentar a vida” (IBGE, 2010, p. 69) [7]. A população amostrada foi inquirida se “algum médico ou profissional de

saúde já disse que você tem depressão” (IBGE, 2010) [7].

Com base na técnica estatística conhecida como “Teoria de Resposta ao Item” (TRI), construiu-se uma medida, que varia numa escala de 0 a 10, da intensidade da utilização dos serviços de saúde, levando em consideração a informação sobre o consumo de consultas médicas e internações hospitalares (excetuando-se aquelas relacionadas ao parto e ao puerpério). A medida foi dicotomizada em dois grupos, segundo a intensidade da utilização dos serviços. Isto é, foram considerados no es- tudo apenas os quartis inferior e superior da medida para identificar os grupos com baixa e alta intensidade de utilização dos serviços (critério subjetivo dos autores). A variável dicotômica assim construída (0, baixa utilização; 1 alta utilização) foi adotada como variável-resposta do modelo de regressão logística binário utilizado para se aferir os fatores socioeconômicos e demográficos associados ao consumo daqueles serviços.

Resultados

Em nível descritivo, o Mapa 1 mostra que no Brasil as regiões brasileiras mais desenvolvidas (a Sul e a Sudeste) apresentam maior prevalência da depressão (quanto mais forte a cor no mapa, maior a taxa de prevalência). O Mapa 2, por sua vez, mostra que há uma forte relação entre a prevalência da depressão auto-refe- rida e as taxas de mortalidade por suicídio, traduzida por um coeficiente de corre- lação de Pearson de 0,864 ao nível de significância de 5% (nota-se que o padrão de distribuição das taxas, por região, é semelhante em ambas os mapas).

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Mapa 1: Prevalência da depressão por grandes regiões geográficas do país (valores em %) – Brasil, 2008.

Mapa 2: Taxa de suicídio por grandes regiões geográficas do país (valores em %) – Brasil (média dos anos 2005 a 2007).

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Ainda em nível descritivo, a Figura 1 mostra uma série de pirâmides etárias da população brasileira, elaboradas segundo a presença (ou não) da depressão e outras co-morbidades. O suplemento saúde da PNAD 2008 traz informações sobre a presença de 11 doenças não transmissíveis na população brasileira, além da própria depressão, tais como o câncer, o reumatismo, o diabetes, a hipertensão arterial, a doença renal e coronariana. Nota-se que as pirâmides possuem padrões muito distintos. No que se refere à depressão, em especial, as mulheres de meia idade apresentam-se como o grupo mais acometido pelo transtorno.

Figura 1: Pirâmides etárias da população brasileira, segundo o perfil da morbidade auto-referida – Brasil, 2008

Em nível inferencial, a TAB. 1 apresenta os resultados do modelo de regressão logística estimado para se aferir os fatores socioeconômicos e de- mográficos associados ao consumo dos serviços de saúde por pessoas que têm depressão em comparação com o res- tante da população.

Os resultados mostram que a depres- são é um fator fortemente associado ao consumo dos serviços de saúde no Brasil. Tanto os indivíduos que auto-referiram “somente depressão” quanto aqueles que

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Fonte β Exp{ β } Erro padrão Teste t Valor p

Intercepto -2.07 0.13 0.03 -69.16 0.00

Perfil de Morbidade (ref.: sem doenças)

Somente depressão 2.54 12.64 0.17 14.74 0.00

Depressão + outras doenças 3.34 28.30 0.28 11.90 0.00

Sem depressão + doenças 3.71 41.02 0.05 83.44 0.00

Sexo (ref.: masculino)

Feminino 2.05 7.74 0.02 120.62 0.00

Posse de plano de saúde (ref.: não possuir)

Possui plano de saúde 0.81 2.24 0.02 54.94 0.00

Grupo etário (ref.: menos de 19 anos)

20-44 anos -0.96 0.38 0.02 -47.11 0.00

45-59 anos -1.28 0.28 0.03 -38.29 0.00

60 anos -0.84 0.43 0.04 -19.41 0.00

Nível socioeconômico (ref.: quartil inferior)

2 Quartil 0.22 1.25 0.02 14.55 0.00

3 Quartil 0.32 1.37 0.02 19.57 0.00

Quartil superior 0.54 1.72 0.02 28.95 0.00

Situação censitária (ref.: rural)

Urbana 0.23 1.26 0.02 14.67 0.00

Raça/Cor (ref.: pretos)

Brancos -0.03 0.97 0.02 -1.21 0.23

Pardos -0.05 0.95 0.02 -2.38 0.02

Outros -0.38 0.68 0.06 -6.41 0.00

Número de moradores no domicílio (ref.: 4 ou mais)

De 1 a 3 0.31 1.37 0.01 27.24 0.00

Região Geográfica (ref.: Norte)

Nordeste 0.17 1.19 0.02 10.21 0.00

Sudeste 0.07 1.07 0.02 3.94 0.00

Sul -0.10 0.90 0.02 -4.86 0.00

Centro-Oeste -0.07 0.93 0.02 -3.28 0.00

Interação entre Perfil de Morbidade x Grupo etário

Somente depressão x 20-44 anos 0.84 2.33 0.17 4.86 0.00

Depressão + outras doenças x 20-44 anos 0.52 1.69 0.28 1.84 0.07 Sem depressão + outras doenças x 20-44 anos 0.21 1.23 0.05 4.06 0.00

Somente depressão x 45-59 anos 1.19 3.29 0.20 6.12 0.00

Depressão + outras doenças x 45-59 anos 0.86 2.35 0.28 3.02 0.00 Sem depressão + outras doenças x 45-59 anos 0.34 1.40 0.05 6.21 0.00 Somente depressão x mais de 60 anos 0.62 1.87 0.24 2.61 0.01 Depressão + outras doenças x mais de 60anos 0.45 1.56 0.29 1.57 0.12 Sem depressão + outras doenças x mais de 60anos -0.12 0.89 0.06 -2.03 0.04

Interação entre Sexo x Grupo etário

Feminino x 20-44 anos 0.41 1.50 0.03 16.15 0.00

Feminino x 45-59 anos 0.22 1.25 0.04 5.82 0.00

Feminino x mais de 60 anos -0.02 0.98 0.05 -0.37 0.71

Interação entre Perfil de Morbidade x Sexo

Somente depressão x Feminino -1.79 0.17 0.11 -16.74 0.00

Depressão + outras doenças x Feminino -1.88 0.15 0.08 -24.60 0.00 Sem depressão + outras doenças x Feminino -0.91 0.40 0.03 -26.59 0.00

Fonte dos dados básicos: IBGE, PNAD - 2008 | Ref.: categoria de referência

Tabela 1: Resultado do modelo logístico binário para se aferir os fatores associados à utilização dos serviços de saúde por pessoas que auto-referiram depressão em

comparação ao restante da população – Brasil, 2008

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auto-referiram “depressão em conjunto com outras doenças” apresentaram chances mais elevadas de utilizar, com maior intensidade, os serviços de saúde, quando com- parados aos indivíduos que não reportaram qualquer tipo de doença. As mulheres, em especial, despontaram-se como o grupo mais vulnerável à depressão e também com a maior necessidade de utilizar os serviços de saúde. Ademais, percebeu-se que o acesso e a utilização dos serviços de saúde no Brasil continuam marcados pelas desigualdades sócio-espaciais, com os indivíduos de maior nível socioeconômico, que possuem planos de saúde particulares e residentes em áreas urbanas apresentando maiores chances de utilizar os serviços de saúde.

Conclusões

Como um transtorno altamente impactante na saúde e na qualidade de vida das pessoas, bem como na saúde financeira do sistema de saúde, a depressão precisa ser encarada como um problema de saúde pública real, que eleva a intensidade da utili- zação dos serviços de saúde e os custos com o tratamento de doenças que se mostram a ela relacionadas. Priorizá-lo no âmbito da atenção básica pode trazer eficiência na gestão dos recursos públicos destinados à saúde e contribuir, decisivamente, para a melhoria da qualidade de vida daqueles que sofrem com seus efeitos (o doente, seus familiares e amigos).

Referências

[1] Segre, M.; Ferraz, F.C. (1997), O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, 31, 538 (5): 538-42.

[2] World Health Organization – WHO (1946), Constitution of the World Health Organization. Basic Documents. Geneva: WHO.

[3] World Health Organization – WHO (2001), The World Health Report 2001: Mental Health – new understand, new hope. Geneva: WHO.

[4] Scharamm, J. M. A., et al. (2004), Transição epidemiológica e o estudo carga de doenças no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 9(4): 897-908, 2004.

[5] Maximo, G. C. (2010), Aspectos sociodemográficos da depressão e utilização de serviços de saúde no Brasil. Orientador: Roberto do Nascimento Rodrigues. 2010. 209 f. Tese (Doutorado em Demografia) – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. [6] Andersen, R. M. (1995). Revisiting the behavioral model and access to medical

care: does it matter? Journal of Health and Social Biology. 36(1):1-10, 1995. [7] IBGE (2010). Um Panorama da saúde no Brasil: acesso e utilização dos serviços,

condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde: 2008. IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. 256p.

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Aplicação de sistemas de vigilância

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