• Nenhum resultado encontrado

Procedimentos metodológicos para o estudo em comunidades rurais, aldeias indígenas ou quilombos

Maria Eugenia M. C. FERREIRA1; Maria das Graças de LIMA1 1Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Geografia

eugeniaguart@hotmail.com

Palavras-chave: Epistemologia da Geografia, Geografia da Saúde, Geografia Cultural, saúde indígena, quilombos

Introdução

Os estudos em Geografia da Saúde exigem boa compreensão da ciência geo- gráfica, pois envolvem aspectos ora do meio físico e biológico, ora dos grupos humanos que habitam um território ou lugar. Aborda-se a Geografia da Saúde na perspectiva de Geografia Cultural dada por Claval [1] e [2], considerando-se que a mesma, a partir da década de 1970, deixa de constituir um subdomínio da Geografia Humana, posicionando-se no mesmo patamar em que estão a Geogra- fia Econômica e a Geografia Política.

Fazendo uma retrospectiva, a Geografia Humana tradicional positivista, possi- bilista, regional (“regionalista”), principalmente aquela da escola francesa, traba- lhou bem as questões dos gêneros de vida. Vidal de Blache [3] foi expoente desse período da Geografia. Lebon [4] analisava os modos de vida de diferentes agrupa- mentos de população, tendo abordado as doenças transmissíveis e a influência dos climas sobre a saúde.

Ainda na primeira metade do século XX outros geógrafos seguiam a escola ale- mã, também positivista, cujo conceito de paisagem natural – “Naturlandschaft” – evoluiu para o de paisagem cultural – “Kulturlandschaft”; Ratzel (Costachie [5]), na obra Antropogeografia, faz o elo entre a natureza e a ação humana. Na Geografia da Saúde, Sorre (Ferreira [6]) expõe o conceito de “complexo patogênico”. Sauer [7] e [8] aparece desde os anos 20 com uma interpretação cultural que foge aos estudos do regionalismo, com a morfologia da paisagem cultural centrada na ação humana e na sua historicidade.

Entre 1960 e 1970, a “Nova Geografia” sistematiza as manifestações cultu- rais numa abordagem impessoal; essa escola apresentou limitações, como bem explicita Claval [1]. Contudo, há um trabalho interessante de Haggett [9], sobre a origem e a dispersão das doenças, no qual o autor toma por empréstimo a me- todologia de análise corológica e historicista da obra de Sauer sobre a origem e dispersão da agricultura e dos produtos de cultivo. A partir dos anos 80, a Geogra- fia Cultural aprofunda-se nos aspectos simbólicos (Claval [2]).

No Brasil, temos desde o século XVI, os tratados descritivos, nos quais são des- critas algumas doenças tropicais então desconhecidas dos europeus. Alexandre Ro-

E1

| PO

STER

E1 | P

O

ST

ERS

FERREIRA et al. | A Geografia da Saúde numa perspectiva da Geografia Cultural

drigues Ferreira discorre sobre febres sezões, disenterias, sarna e a temível “cor- rupção”, associada a algum tipo de diarreia [10]. Em 1844, Sigaud [11] publica obra sobre o clima e as doenças do Brasil, Du Climat et des Maladies du Brésil – ou

statistique médicale de cet empire, tratando da alimentação e das doenças dos

índios, dos negros, dos operários das minas de ouro e diamante, do trabalho dos curandeiros, dentre muitos outros aspectos da vida brasileira no século XIX.

Portanto, este trabalho procura mostrar como a perspectiva da Geografia Cul- tural é importante para compreender muitos aspectos geográficos da saúde da população, especialmente quando se trata de manifestações em pequenas comu- nidades e em grupos étnicos ciscunscritos a um território, que apresentam identi- dade cultural própria, envolvendo aspectos tanto da vida material como imaterial. Outras abordagens foram possíveis a partir das mais recentes leituras da Geografia Cultural, principalmente no que se refere á cultura imaterial, estendendo-se para o conhecimento sobre a Alimentação e a Música como indícios de compreensão da dinâmica social, econômica e política dos segmentos sociais.

Objetivos

Estabelecer procedimentos metodológicos de análise de aspectos da vida cultural de comunidades rurais fechadas ou de grupos étnicos (indígenas, qui- lombolas) com influência nas questões de saúde do grupo, visando compreen- der melhor os quadros epidemiológicos locais e a adequação das políticas pú- blicas às especificidades dessas comunidades.

Metodologia

Focalizamos três tipos de grupamentos no âmbito do estado do Paraná: (1) pequenas comunidades rurais tradicionais ou de instalação recente (vilas rurais), vivendo à margem do processo massificante da agricultura e pecuárias tecnicistas, impostas ao meio rural paranaense; (2) aldeamentos indígenas do estado do Paraná, (3) comunidades tradicionais negras e quilombolas do Paraná (CRQs).

Foram elaborados dois quadros: (1) caracterização dos aspectos materiais da cul- tura: condições de habitação, de contato com animais domésticos e de saneamento ambiental, hábitos de higiene e alimentares, dieta e padrões de consumo, vestuário, atividades cotidianas (rotinas de trabalho, técnicas de coleta, caça e pesca, agricul- tura e pecuária, estágio técnico empregado, formas de produção, de lazer e recrea- ção), medidas de medicina preventiva e curativa empregadas; (2) caracterização dos aspectos imateriais, simbólicos e de representação da cultura: representações sociais de atores relevantes na área da saúde (médico, curandeiro, pajé, outros agentes possíveis), mitos, crendices, importância dada à saúde preventiva e aos métodos curativos, tabus, dentre outros elementos.

A comunidade deve ser vista também sob a perspectiva das alterações ocor- ridas em seus costumes, técnicas e visão de mundo, conforme análises apresen- tadas por Brandão [12].

Com relação aos aspectos dos mitos e lendas, baseamo-nos nas análises regio- nais de Câmara Cascudo [13]. Com relação ao papel da culinária típica, tradicional, regional, servimo-nos das obras deste mesmo autor sobre a história da alimentação no Brasil [14], e sobre o folclore Brasileiro [13] e [15].

E1 | P O ST ERS

E1 | P

O

ST

ERS

E1 | P O ST ERS

FERREIRA et al. | A Geografia da Saúde numa perspectiva da Geografia Cultural

Para os agravos, foram usadas as bases do DATASUS e do SINAN.

A metodologia e os objetivos ficam melhor expressos a partir do que está expli- citado nos quadros anteriores.

Resultados

Este trabalho trata do desenvolvimento de metodologia a ser aplicada às comu- nidades e, portanto, não traz resultados efetivos, neste momento.

A título de estudo piloto, contudo, entre os anos de 2004 e 2006 foram feitas algumas aproximações entre a Geografia da Saúde e a Geografia Cultural, em uma pesquisa sobre a ocorrência de Leishmaniose Tegumentar Americana muito presente entre os índios kaingang da reserva indígena – adeia de Barão de Antonina, situada no município de São Jerônimo da Serra, mesorregião donorte Pioneiro do Paraná. O estudo foi realizado a partir de informações coletadas de prontuários de pacien- tes atendidos no Ambulatório de Dermatologia da Sociedade Filantrópica Humanitas (SFH), com sede no município de São Jerônimo da Serra, estado do Paraná, Brasil, de junho de 1987 a dezembro de 2005. As informações coletadas foram: o número de casos de LTA ano a ano, os casos familiares, o nome, o sexo, a idade, a profissão, o município de residência e a zona (rural, urbana).

De acordo com a base de dados, no município de São Jerônimo da Serra foram notificados 138 (27,3,1%) casos, dos quais 108 (78,3%) ocorreram nas seguintes lo- calidades rurais: Reserva Indígena Barão de Antonina, com 22 (20,4%) casos; Matão, com 12 (8,7%); São João do Pinhal, com 11 (10,2%); Água da Gamela, com seis (5,5%); Reserva São Jerônimo com seis (5,5%); Taquara com 10 (9,3%); Terra Nova com 10 (9,3%); Tigre com 10 (9,3%) e Vila Nova do Pote com 13 (12,0%).

Com relação às técnicas de sobrevivência do grupo indígena, os mesmos desen- volviam uma agricultura de subsistência incipiente, com predomínio de bananeiras e roças de milho, mandioca e feijão. No peridomicílio havia galinheiros, chiqueiros de porcos e estábulos, sempre dispostos muito próximos à residência e mesmo confinando com as paredes laterais e dos fundos de algumas choças. Dentre os ani- mais criados havia patos e gansos, galinhas, porcos, cabras, além de catetos, como silvestres. Esta forma de ocupação favorece a circulação também de mamíferos silvestres de vida livre, uma vez que no peridomicílio há grande disponibilidade de alimentos. A presença de animais domésticos no peridomicílio pode ser um fator determinante da quantidade de flebotomíneos no domicílio e está na dependência da distância deste em relação aos abrigos de animais domésticos, conforme estudos de Teodoro et al [16] No aldeamento indígena, as casas são, por vezes, de madeira, rústicas, mas também há choças de palha, ainda mais vulneráveis à presença dos flebotomíneos.

Estes fatos parecem constituir as bases de sustentação da persistência da LTA na sua forma zoonótica, no Paraná.

Outros aspectos da cultura desse grupo indígena que favorecem a ocorrência de LTA podem ser:

- a dieta deficiente, pois os indígenas não conseguem sustentar suas antigas prá- ticas de coleta, caça e pesca, dada a exiguidade da área da reserva e das condições naturais do solo que não favorece altos rendimentos do plantio tradicional de milho, mandioca e banana;

E1 | P

O

ST

ERS

- o insucesso na oferta de alimentação complementar por meio de “cestas básicas”, às famílias com maior número de filhos e/ou idosos, posto que os índios tendem a dividir o conteúdo das cestas entre todos os habitantes da aldeia, pró- prio do senso comunitário do grupo;

- a presença de muitas crianças entre a população, constituindo um grupo de maior vulnerabilidade à LTA;

- a atuação restrita de formas de cura locais, a assistência do pajé, curandeiris- mo, uma vez que muitos grupos kaingang já perderam muitas das tradições religiosas originais, neste sentido diferindo de alguns grupos de etnia guarani, como é o caso dos avá-guaranis da aldeia indígena de Santa Rosa do Ocoí, município de são Miguel do Iguaçu, para os quais as tradições religiosas, a presença da “casa-de-reza” e do pajé ainda são mais presentes.

No presente trabalho são elaborados modelos para o desenvolvimento de pes- quisas em: comunidades rurais isoladas ou circunscritas (faxinais, vilas rurais), aldeias indígenas do Paraná, por região (recursos) e etnia (cultura) e comunidades negras tradicionas e quilombolas, segundo a região (recursos) e as formas de pro- dução (tradicional, agrofloresta).Conclusões

Conclui-se que as pesquisas em Geografia da Saúde, quando aplicadas a peque- nas comunidades rurais isoladas, tradicionais ou circunscritas, aos aldeamentos in- dígenas e às comunidades remanescentes quilombolas (CRQs), muito se beneficiam da abordagem da Geografia Cultural, tanto no sentido de caracterização dos qua- dros epidemiológicos locais, como subsidiando as políticas públicas mais adequadas para cada comunidade.

Referências

[1] Claval, P. (2002), “A volta do cultural” na Geografia, Mercator - Revista de Geografia da UFC, ano 01, n. 01, pp. 19-28.

[2] Claval, P. (2011), Geografia Cultural: um balanço, Geografia (Londrina), Londrina, v. 20, n. 3,set./dez., pp. 005-024.

[3] La Blache, V. de. (1954), Princípios de Geografia Humana, Edições Cosmos, série C, V. 1, Lisboa-Portugal, pp. 390.

[4] Lebon, J. (1966), Introdução à Geografia Humana, Zahar Editores, Rio de Janeiro, pp. 210.

[5] Costachie, S.; Damian, N. (2010), Ratzel and the german geopolitical school – the inception of culture as an essential element and factor in the Political Geography, Revista Română de Geografie Politică Year XII, no. 2, November, pp. 298-308,

[6] Ferreira, M. (1991), Epidemiologia e Geografia. O complexo patogênico de Max. Sorre, Cadernos de Saúde Pública, Fiocruz, Rio de Janeiro, 7(3), jul/set., pp. 301-309

[7] Sauer, C. (1925), The Morphology of Landscape. University of California Publications in Geography, Berkeley, 2,2, pp. 19-25.

[8] Sauer, C. (1983), Land and Life. A selection of the writings of Carl Ortwin Sauer, in J. Leighly, (Ed.), University of California Press, Berkeley, Los Angeles, ISBN 0-520-04762-1, pp.435.

E1 | P O ST ERS

[9] Haggett, P. (1992), Sauer’s Origins and Dispersals: its implications for the Geography of disease, Transactions of the Institute of British Geographers, New Series, Vol. 17, No. 4, Published by: The Royal Geographical Society (with the Institute of British Geographers),pp. 387-398.

[10] Santos, E. (2001), A viagem philosophica: o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira e a paisagem brasileira do século XVIII, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, (Tese de mestrado apresentada ao Departamento de Geografia da UEM em 2001), pp. 465.

[11] Sigaud, J. (2009), Dos climas e das doenças do Brasil ou estatística médica deste império, Editora Fiocruz, Rio de Janeiro, pp. 422.

[12] Brandão, C. (2009), “No rancho fundo”: espaços e tempos no mundo rural, Editora da Universidade Federal de Uberlândia – EDUFU, pp. 243.

[13] Cascudo, L. C. (2002), Geografia dos mitos brasileiros, 2ª ed., Global Editora, São Paulo, pp. 396.

[14] Cascudo, L.C. (2004), História da alimentação no Brasil, 3ª ed., Global Editora, São Paulo, pp. 954.

[15] Cascudo, L. C. (2002), Dicionário do folclore brasileiro. 11ª ed., Global Editora, São Paulo, pp.768.

[16] Teodoro, U.; Silveira, T.; Santos, D.; Santos E.; Santos, O.; Kühl, J.; Alberton, D. (2003), Influência da reorganização, da limpeza do peridomicílio e da desinsetização de edificações na densidade populacional de flebotomíneos, no município de Doutor Camargo, Estado do Paraná, Brasil, Cadernos de Saúde Pública, Fiocruz, 19(6), pp. 1801-1813.

E1 | P

O

ST

ERS

Programa um estudante, uma família:

Outline

Documentos relacionados