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Recursos de saúde na faixa de fronteira do Brasil: Um retrato da desigualdade

Paulo PEITER1 1FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz

paulopeiter@gmail.com

Palavras-chave: saúde pública, recursos de saúde, fronteira Introdução

As fronteiras internacionais são áreas altamente vulneráveis para a saúde dado que o limite internacional dificulta a assistência das populações fronteiriças, a vi- gilância e controle de doenças e a circulação de informações epidemiológicas [1]. O controle sanitário de medicamentos é afetado pelo contrabando prejudicando as medidas terapêuticas necessárias para o controle das doenças. Além disso as fron- teiras situam-se na periferia dos territórios nacionais sendo em geral mal providas de serviços públicos.

A situação de saúde em áreas de fronteira tem particularidades que se expres- sam num conjunto determinado de necessidades e problemas que exigem respostas sociais específicas para enfrentá-los [2].

A fronteira internacional brasileira com mais de 16 mil quilômetros de extensão tem limites com 10 países e apresenta uma situação de saúde complexa e heterogê- nea, que merece ser estudada para a formulação de políticas adequadas para cada um de seus distintos segmentos.

Com o processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a descen- tralização do sistema de saúde, novos desafios foram colocados para os municípios brasileiros, que viram aumentar as suas responsabilidades pela atenção à saúde no nível local, entretanto uma parte significativa destes municípios não têm condições de arcar com todas essas novas responsabilidades assumidas.

Do ponto de vista político e da gestão do sistema as dificuldades são inúmeras, a começar pelo baixo nível de financiamento da saúde pública, a complexidade da rede de prestadores e compradores de serviços, a descontinuidade da gestão por motivações políticas, a insuficiência de profissionais de saúde nos municípios e a falta de capacitação das equipes de saúde locais, problemas freqüentes nas fronteiras [3].

Sabe-se que a oferta de serviços de saúde é fundamental para a melhoria da situação de saúde da população e permite identificar as desigualdades existentes no território fronteiriço [4].

Neste sentido, privilegiou-se para o diagnóstico da saúde nas fronteiras um conjunto de indicadores de disponibilidade de serviços de saúde que representam uma das dimensões do acesso à saúde na fronteira.

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O analisar a distribuição geográfica dos serviços de saúde na fronteira interna- cional do Brasil.

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo realizado com dados secundários obtidos em bancos de dados do Ministério da Saúde do Brasil (DATASUS) [5], Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[6]. Os indicadores de recursos humanos de saúde utilizados na análise são: médicos, enfermeiros e odontólogos por mil habitantes. Os indicadores de infra-estrutura de saúde são: hospitais, leitos, equipamentos de raio X, mamógrafo, ultra-som, aparelho de ressonância magnética. O aspecto do financiamento da saúde foi tratado através do indicador “transferências de recursos do SUS para os municípios”. Todos as variáveis e indicadores referem-se a situação em 2010, tendo o município como unidade espacial de análise. A área de estudo refere-se à “faixa de fronteira” do Brasil (FF), com 588 municípios (Constituição Federal de 1988). Essa região engloba municípios inteiros ou parcialmente situados na faixa de 150 km do limite internacional [7].

Trabalhou-se na perspectiva de Castellanos que entende a oferta de serviços de saúde como a vertente institucional das respostas aos problemas e necessidades de saúde dessas populações [2].

Resultados

Na última década houve um significativo crescimento do número de profissio- nais de saúde por habitante no Brasil. Entretanto, o número de médicos, enfer- meiros e odontólogos por mil habitantes ainda é insuficiente e mal distribuído. Ob- serva-se maior concentração de médicos e odontólogos na região Sudeste, seguida pela região Sul e Centro-Oeste, os enfermeiros são escassos mas homogeneamente distribuídos regionalmente.

A faixa de fronteira continua uma região com baixa disponibilidade de profissio- nais de saúde, como apontado em estudo anterior [8]. Os 10.909 médicos da faixa de fronteira correspondem a apenas 5,02% do total brasileiro. Estes se concentram na maiores cidades como Pelotas (RS), Porto Velho (RO) e Cascavel (PR). A FF tem em média 1,01 médicos por mil habitantes (valor inferior à média nacional, de 1,86 médicos por mil habitantes), sendo que 48 municípios não têm médicos. O arco Norte é o mais carente com apenas 1.477 médicos (0,75 médicos por 1.000 habitan- tes). O arco Central tem situação intermediária com 2.173 médicos (0,87 por 1.000 habitantes) e o arco Sul apresenta a melhor situação com 7.259 médicos (1,15 por 1.000 habitantes). Menos da metade dos municípios da faixa contam com cirurgiões e anestesistas que se concentram nas capitais estaduais de fronteira (Boa Vista, Rio Branco e Porto Velho) e em municípios do Arco Sul.

Há 6.198 enfermeiros em toda a FF, o que representa a média de 0,58 enfer- meiros por mil habitantes, abaixo média nacional de 1,51. Sua distribuição é mais equilibrada nos três arcos, mas o quantitativo mostra-se insuficiente para a deman- da dos municípios.

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Os odontólogos somavam 3.262, representando uma média de 0,30 odontólogos por 1.000 habitantes, muito abaixo da nacional de 1,27 por 1.000 habitantes, sendo que em 114 municípios (19,4% do total) só havia um odontólogo.

A distribuição espacial dos equipamentos de diagnóstico na FF mostra uma grande desigualdade com ampla vantagem para o Arco Sul (tabela 1). A situação do acesso a equipamentos de diagnóstico no sistema público de saúde na fronteira é crítica, onde 37,4% dos municípios (220 municípios) não possuíam equipamentos de raio x em 2010. O arco Norte tem a pior situação com cerca de 86,7% dos municípios sem esse equipamento na rede pública.

Tabela 1: Equipamentos de diagnóstico disponíveis no SUS segundo localização nos Arcos da Fronteira em 2010.

O arco Sul concentrava 79,5% dos mamógrafos da fronteira, 64,7% dos aparelhos de RX, 81% dos tomógrafos, 67,9% dos aparelhos de ressonância magnética, 60,9% dos aparelhos de ultrassom e 65,9% dos equipamentos odontológicos completos. Em contrapartida no arco Norte a carência de equipamentos é notável com apenas 2,6% dos mamógrafos, 13% dos RX, 6% dos tomógrafos, 7% dos aparelhos de ressonância magnética, 14% de ultrassom e 14% de equipamentos odontológicos.

A distribuição de hospitais é mais favorável no arco Sul com 344 unidades, en- quanto que nos arcos Central e Norte eram 123 e 45 unidades, respectivamente (na fronteira do Amapá havia apenas 1 hospital e na do Amazonas, apenas 4).

Em 2010, havia 1.902 leitos de urgência em toda faixa de fronteira, correspon- dendo a uma média de 0,18 leitos de urgência por 1.000 habitantes. O arco Norte contava com 350 leitos de urgência (18,4% do total), o arco Central 487 (25,5%) e o Sul 1065 (56% do total).

Em termos de recursos financeiros foram transferidos pelo SUS cerca de 1,6 bilhão de reais para os municípios da fronteira em 2010 [5]. O valor dos repasses, variou entre 61 mil reais no município de Santa Margarida do Sul (RS) e 128 milhões de reais para Dourados (MS). No que se refere ao valor por habitantes, a média foi de R$153,15 por habitante da FF, entretanto as discrepâncias são grandes. O maior valor de transfe- rências por habitante foi de R$735,17 em Laguna Carapã, seguido de Dourados com R$676,90. O menor valor foi o de Itacurubi (RS) com R$27,44 por habitante.

Conclusões

Esta radiografia dos serviços de saúde na fronteira é uma primeira aproximação à questão da acessibilidade aos serviços, que permite visualizar, ainda que de forma parcial, as diferenças intra-regionais do acesso a saúde na faixa de fronteira.

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Sabe-se, entretanto, que não só a disponibilidade de recursos garante o acesso aos serviços de saúde, mas também a distância, as barreiras geográficas, o tempo de transporte ou mesmo o tempo gasto em salas de espera ou em filas, além da dis- ponibilidade de horários e é claro a qualidade dos serviços prestados. A acessibili- dade é portanto multidimensional incorporando aspectos geográficos, econômicos, culturais e funcionais.

A probabilidade de um paciente ser internado em um hospital aumenta com a disponibilidade de leitos e de unidades de atenção básica e diminui com a distância entre o município onde vive o paciente e o local onde o serviço está disponível [5]. Outras dimensões do acesso aos serviços nas fronteiras devem ser estudadas como a qualidade dos serviços, a capacidade das equipes locais de saúde e a conti- nuidade das ações de saúde. Muitos desses aspectos exigem o levantamento de da- dos primários, inclusive para avaliar a qualidade dos dados secundários disponíveis nos bancos de dados centrais.

Referências

[1] Peiter, P.C.; Machado, L. O.; Rojas, L. I. (2008). Saúde e vulnerabilidade na faixa de fronteira do Brasil. In: Christovam Barcellos (org.). A Geografia e o Contexto dos Problemas de Saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, pp. 265-278. [2] Castellanos P.L. (1997). Epidemiologia, Saúde Pública, Situação de Saúde e

Condições de Vida: Considerações Conceituais. In: Rita Barata Barradas (org.) Condições de Vida e Situação de Saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, pp. 31-76. [3] Paim, J. S. 2011. O Sistema de Saúde Brasileiro. In: Cesar Gomes Victora;

Maria do Carmo Leal; Maurício Lima Barreto; Maria Inês Schmidt; Carlos Augusto Monteiro. (Org.). Saúde no Brasil a série The Lancet. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, pp. 36-69.

[4] Pinheiro R.S.; Escosteguy C.C., 2009. Epidemiologia e serviços de saúde. In: Epidemiologia. Medronho RA (ed.). São Paulo: Editora Atheneu, 2a edição, pp.515-24.

[5] Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sus. DATASUS. Disponível em: http://siops-asp.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?siops\siops_ indic\municipio\anual\prvbr.def, Acesso em 9/06/13.

[6] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/cd/cd2010rpu.asp?o=6&i=P. Acesso em 10/03/2013.

[7] Machado, L.O. (2010). Cidades na Fronteira Internacional: conceitos e tipologia. In: Angel Nuñes; Maria Padoin; Tito Carlos M.de Oliveira. (Org.). Dilemas e Diálogos Platinos: Fronteiras. 1ed.Dourados, Mato Grosso do Sul: Editora da Universidade Federal de Grande Dourados, pp. 59-72.

[8] Peiter, P.C..(2007). Condiciones de vida, situación de la salud y disponibilidad de servicios de salud en la frontera de Brasil: un enfoque geográfico. Cadernos de Saúde Pública, 23, pp. 237-250, 2007.

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Vulnerabilidade sócio-ambiental de quatro

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