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9.1.1 A DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS E A QUESTÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO FUNDO DO MAR

A Declaração de Princípios é fruto de um conjunto de compromissos entre os países industrializados e os países em vias de desenvolvimento.

Os números da Declaração que se relacionam mais directamente com o conceito do património comum da humanidade são os números um a seis e o número treze. O número um declara o fundo do mar e do oceano e respectivo subsolo património comum da humanidade. O sentido que cada um dos grupos opositores dava a este conceito não era o mesmo. Assim, os países industrializados estendiam que o conceito de património comum da humanidade era um conceito vazio de conteúdo, devendo o seu verdadeiro sentido ser definido pelo regime internacional a ser estabelecido. O Grupo dos 77 considerava o conceito como a essência de qualquer regime para o fundo do mar. O fundo do mar era propriedade da família humana e, por isso, devia ser protegido de qualquer aproveitamento competitivo.

Os números seguintes da Declaração visam esclarecer o sentido do conceito de património comum da humanidade. Assim, com esse objectivo, o nº 2 prescreve “A área não deve estar sujeita, por qualquer meio, a apropriação por parte de Estados ou pessoas, físicas ou jurídicas, e nenhum Estado pode reclamar ou exercer direitos soberanos sobre qualquer parte sua”. Aqui estabelece-se a não apropriabilidade do fundo do mar, no entanto, não é feita qualquer referência aos seus recursos. A estes refere-se o nº 3 ao estabelecer: “Nenhum Estado ou pessoa, física ou jurídica,

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pode reclamar, exercer ou adquirir direitos em relação à área ou seus recursos, incompatíveis com o regime internacional a ser estabelecido e os princípios da Declaração”. Todas as partes aceitaram estes dois números, muito embora com razões diferentes, pois cada grupo tinha em mente um regime a ser estabelecido. Assim, os países industrializados acreditavam que o regime a ser estabelecido iria permitir a exploração e aproveitamento dos recursos do fundo dos mares não só aos Estados mas também a outros operadores privados ou públicos, com base numa licença que lhes seria concedida por uma mecanismo próprio. Diferentemente, os países em vias de desenvolvimento estavam a pensar num sistema em que uma autoridade internacional teria o exclusivo da exploração e aproveitamento do fundo marinho.

O número 5 da Declaração era visto pelos países industrializados como o mais importante, devendo os demais ser lidos em conjunto com ele. Este número estabelece: “A área deve ser usada, por todos o Estados, costeiros ou encravados, sem discriminação, apenas para fins pacíficos, de acordo com o regime internacional a ser estabelecido”. Os países industrializados interpretavam este dispositivo no sentido de que o acesso ao fundo do mar e seus recursos devia ser livre e sem discriminação, não devendo, por isso, os países em vias de desenvolvimento reclamar um tratamento preferencial. O Grupo dos 77 não interpretava o número cinco no sentido de livre acesso e livre uso dos recursos, antes o acesso deveria fazer-se de acordo com o regime a ser estabelecido.

O número 6 estabelece: ”Os Estados devem agir de acordo com os princípios e normas de Direito Internacional aplicáveis, incluindo a Carta das Nações Unidas e a Declaração de Princípios de Direito Internacional relativos às Relações de Amizade e Cooperação entre Estados de acordo com a Carta das Nações Unidas, adoptada pela Assembleia Geral, em 24 de Outubro de 1970, no interesse da manutenção da paz e segurança internacionais e da promoção da cooperação internacional e entendimento mútuo”. O Grupo dos 77 entendia que o Direito Internacional existente, nomeadamente o princípio da liberdade do mar, era insuficiente e não se aplicava ao fundo do mar, excepto as normas relativas aos direitos e deveres dos Estados, como é o caso da Carta das Nações Unidas e da Declaração dos Princípios de Direito Internacional relativos às Relações de Amizade e Cooperação entre Estados. Diferentemente, os países desenvolvidos consideravam que a expressão “Direito Internacional” devia ser lida no sentido de abarcar todo o Direito Internacional.

Por último, o número 13º estabelece: “Nada afectará:

a) O estatuto jurídico das águas suprajacentes da área ou do espaço aéreo sobre tais águas;

b) Os direitos dos Estados costeiros relativamente às medidas para prevenir, minorar ou eliminar perigos graves e iminentes para as suas costas ou interesses conexos resultantes da poluição, ameaça de poluição ou outras ocorrências danosas resultantes ou causadas por quaisquer actividades na área sujeitas ao regime internacional a ser estabelecido”.

Da alínea a) transcrita pode concluir-se que o estatuto do fundo do mar é ou pode ser diferente do estatuto das águas que o cobrem.

Acabamos de ver que, não obstante a identidade de posições formais, as razões dos Estado, no momento da votação da Declaração de Princípios, não eram coincidentes. Resumidamente, podemos dizer que, para o Grupo dos 77, os direitos sobre o fundo do mar e respectivos recursos, enquanto património comum da humanidade, cabiam à Humanidade no seu conjunto e não podiam ser adquiridos por qualquer Estado a não ser de acordo com o regime internacional a ser estabelecido. Para eles, o património comum implicava propriedade comum dos recursos do fundo do mar que, assim, eram uma res extra commercium. Para os países industrializados, cada Estado ou entidade privada era livre de desenvolver actividades de exploração e aproveitamento do fundo do mar e seus recursos cabendo-lhe o direito aos minerais extraídos. Para eles, património comum da humanidade era sinónimo de res communis. Por outro lado, ao passo que os países em vias de desenvolvimento entendiam que havia um vazio legal em relação ao fundo dos mares e seus recursos que era preciso preencher, destinando-se o conceito de património comum da humanidade a fornecer as regras necessárias ao estabelecimento de um regime internacional adequado, os países industrializados entendiam que o regime jurídico do alto mar se aplicava, também, ao fundo do mar e como tal não havia qualquer diferença entre o fundo do mar e as águas suprajacentes, aplicando-se a liberdade do alto mar igualmente às actividades do fundo do mar. O regime a ser estabelecido destinava-se a regular as actividades dos Estados e das entidades privadas.

Concluindo, a Declaração de Princípios continha um conjunto de princípios orientadores, de carácter genérico e programático e intencionalmente ambíguo para que fosse conseguido um apoio o mais amplo possível. Das justificações dos votos perante o Comité vê-se que os países ocidentais ao apoiarem a Declaração tinham como objectivo permitir que as negociações internacionais prosseguissem e estabelecer linhas de orientação para o futuro regime do fundo do mar.

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