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2.2.3 OS GRUPOS DE INTERESSES

A III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar foi, também, original no que respeita aos grupos de interesses que operaram e surgiram no seu seio. Dado o elevado número de participantes, era mais fácil chegar a um compromisso em grupos mais pequenos, com um número limitado de participantes. Daí existir, frequentemente, pequenos encontros informais e debates à porta fechada, ficando os debates públicos para o fim das sessões. Assim, a par dos tradicionais grupos de interesses existentes no seio das Nações Unidas, tais como os grupos regionais, os grupos dos países industrializados, o Grupo dos 77 (grupo de países em vias de desenvolvimento - grupo geográfica, política, económica, cultural e militarmente heterogéneo, mas ideologicamente unido, tendo como objectivo tornar os países em vias de desenvolvimento verdadeiros sujeitos nas relações internacionais) apareceram novos grupos e alianças, grupos esses que actuaram, apenas, na Conferência e que se extinguiram logo que a matéria que os tinha motivado era resolvida. Estes grupos tiveram a particularidade de quebrar com a tradicional linha de divisão entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Para assuntos específicos, países pertencentes a grupos tradicionais associavam-se a países pertencentes a um grupo diferente, originando um novo grupo. A este propósito, Jean-Pierre Levy77 disse “trata-se, aqui, de um factor original do ponto de

76 KOH, Tommy T. B. and JAYAKUMAR, Shanmugam - Negotiating Process of the Third United Nations

Conference ..., cit., p. 54 e 55; ROCHA, Rosa Maria Sousa Martins - op. cit., p. 193-196 e bibliografia aí citada.

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vista da ‘Ciência Política’ e muito importante para a compreensão das linhas de força que estão presentes nas negociações. Os Estados descobriram que, no que concerne aos espaços marinhos e à codificação de normas novas para o mar e seus recursos, os seus interesses eram, frequentemente, semelhantes aos interesses de um país pertencente a um grupo político ou geográfico diferente, se não mesmo oposto, ao dos países de que tradicionalmente faziam parte”.

Assim, na questão da exploração e aproveitamento dos recursos do fundo do mar, os grupos contrapostos eram o grupo dos países industrializados e o Grupo dos 77 (muito embora países como a Noruega, Suécia, Áustria e Austrália alinhassem ao lado destes últimos), bem assim como o grupo dos produtores terrestres, o grupo dos cinco, compreendendo os Estados Unidos da América, a URSS, o Reino Unido, a França e o Japão78 e o grupo de coordenação dos cinco, compreendendo os EUA, o Reino Unido, a França, a República Federal da Alemanha e o Japão. A pesca na zona económica exclusiva contrapôs os Estados costeiros e os Estados encravados79 e em situação geográfica desfavorável, quer fossem desenvolvidos quer fossem em vias de desenvolvimento. No que toca à delimitação da zona económica exclusiva e da plataforma continental apareceu o grupo favorável à linha mediana ou ao princípio da equidistância, por um lado, e o grupo favorável ao método do princípio da equidade, por outro. Apareceu, também, o grupo dos territorialistas (defensores de um mar territorial extenso, com 200 milhas), o grupo dos Estados arquipelágicos, o grupo dos Estados vizinhos de estreitos (nesta matéria países como o

78 O Grupo dos Cinco mantinha secretismo acerca da sua existência, nunca aparecendo como um grupo nos

debates - SCHMIDT, Markus G., op. cit., p. 115.

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Os países sem litoral, já no Verão de 1972, apresentaram ao Secretário Geral das Nações Unidas uma petição para que fosse preparado um estudo sobre as consequências económicas das diversas propostas relativas aos limites da área internacional dos fundos marinhos (Doc. A/AC.138/81, patrocinado por: Afeganistão, Áustria, Bélgica, Bolívia, Checoslováquia, Hungria, Nepal, Países Baixos, Singapura, Zaire e Zâmbia). Na exposição dos motivos chamavam a atenção para o facto de a extensão das zonas submetidas à jurisdição nacional causar uma diminuição da zona internacional, o que diminuiria os recursos que iriam fazer parte do património comum da Humanidade. Por isso mesmo, os países sem litoral não aceitavam essa situação, a menos que lhes fosse garantido o acesso aos recursos em pé de igualdade e com garantia internacional, sem estarem dependentes da boa vontade do Estado ribeirinho. Este grupo tem a particularidade de abarcar países industrializados e países em vias de desenvolvimento - CUENCA ANAYA, José, cit., p. 65-67. Sobre os Estados sem litoral ou Estados interiores ver ISASCA, Frederico - Estados

Interiores e o Direito do Mar. Lisboa : Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1988 . Ver

também, MARTINEZ PUÑAL, A. - Los Derechos de los Estados sin Litoral u en Situación Geográfica

Desventajosa en la Zona Económica Exclusiva. Santiago de Compostela, 1988.

Na quinta Sessão, no Doc. A/CONF.62/L.12/Rev. 1 - Nota del Presidente de la Conferencia, 2 de Agosto de 1976 - pode ler-se: “... Em relação aos problemas do direito do mar não existe uma comunidade absoluta de interesses acerca de muitas questões fundamentais nem sequer entre os membros dos grupos mais amplos. Surgiu um novo e importante grupo constituído pelos Estados sem litoral e os países em situação geográfica desfavorecida, em que a divisão entre os países industrializados e em vias de desenvolvimento foi superada pela necessidade de uma acção conjunta, principalmente com o objectivo de conseguir o acesso ao mar e os meios de obter uma parte legítima do património comum da humanidade. Também membros do grupo socialista fazem parte do Grupo de Estados sem Litoral e em Situação Geográfica Desfavorecida” - NACIONES UNIDAS - Tercera Conferencia de las Naciones

Unidas sobre el Derecho del Mar: Documentos Oficiales. Nueva York : Publicación de las Naciones Unidas. Vol.

VI, 1977. Número de venta: S. 77.V.2, p. 145. Este Grupo era formado por mais de cinquenta Estados e era presidido pelo representante da Áustria.

Canadá, Malásia, Filipinas e Oman defendiam o regime de passagem inofensiva, ao passo que outros, como os Estados Unidos da América, Singapura, Iraque e Kuwait defendiam o regime do direito de passagem em trânsito), o grupo dos países socialistas e o grupo dos não alinhados. Do ponto de vista geográfico, pode falar-se no grupo africano80, no grupo árabe, no grupo asiático81, no grupo latino americano, no grupo de Estados da Conferência Islâmica e no grupo da Comunidade Económica Europeia. Há que referir, também, o grupo Evensen (nome do seu presidente e chefe da delegação norueguesa82), reunindo os principais países marítimos, desenvolvidos ou não, o grupo dos 21, criado sob proposta do Grupo dos 77, e presidido pelos Presidentes dos Grupos de Negociação I, II e III, já referido, e o grupo dos 11 que apareceu na 11ª Sessão da Conferência - Março/Abril de 1982. No começo desta Sessão, os EUA apresentaram um conjunto de emendas ao regime jurídico de exploração e aproveitamento dos recursos do fundo do mar (Parte XI da Convenção) conhecidas por green book, emendas que foram rejeitadas pelo Grupo dos 77. Face ao impasse iminente, o chefe da delegação do Canadá, I. Alan Beesley, convocou um encontro com os líderes de outras delegações83 para tentarem, em conjunto, conciliar as posições em confronto. Fizeram um projecto de emendas à Parte XI da Convenção, tendo em vista satisfazer algumas das exigências contidas na Declaração do presidente americano, Ronald

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O Grupo Africano foi o único que, constantemente, adoptou uma posição coerente de negociação nas questões presentes em cada Sessão da Conferência. A sua posição negocial era, primeiramente, preparada pelos Peritos Africanos sobre o Direito do Mar que organizaram um Seminário em Yaoundé, nos Camarões, em 1972, e depois encontraram-se em Addis Abeba, em Agosto de 1973, para preparar a Declaração da Organização de Unidade Africana sobre Questões do Direito do Mar. A Declaração de 1973 foi reafirmada pelo Conselho da Organização de Unidade Africana, em Mogadíscio, em 1974, antes da Sessão de 1974 da Conferência, Sessão de Caracas. À medida que a III Conferência progredia, os Peritos Africanos sobre o Direito do Mar continuaram o seu trabalho e prepararam as sucessivas posições da OUA, antes de cada Sessão da Conferência - ADEDE, Andronico O. - Some Little Known Facts About Africa's Contribution to the Negotiation of the 1982 United Nations Convention on the Law of the Sea. In En Homenaje al Profesor Eduardo JIMÉNEZ DE ARÉCHAGA - El Derecho Internacional en un Mundo en

Transformacion. 1ª ed. Montevideo: 1994, p. 802.

Sobre o papel dos Estados Africanos na III Conferência ver, também, ADAR, Korwa Gombe - A Note on the Role of African States in Committee I of UNCLOS III. Ocean Development and International Law Journal. New York, Philadelphie, London: Taylor & Francis. ISSN 0090-8320. 18, number 6: (1987), p. 665-681; WEMBOU, Michel-Cyr Djiena - L'Afrique et le Droit International de la Mer. African Yearbook of International Law. Dordrecht, Boston, London: Martinus Nijhoff Publishers. ISSN 1380-7412. 1: (1993), p. 147-179.

81 O grupo asiático era um grupo complexo, uma miscelânea de interesses diversos. Os países em vias de

desenvolvimento da Ásia apoiavam o Grupo dos 77; o Japão defendia a posição dos países industrializados; a URSS enfatizava a igualdade de oportunidades para todos os Estados, sem qualquer monopólio; a Indonésia e a Austrália apoiavam os interesses dos produtores terrestres na política de produção a favor dos países em vias de desenvolvimento negativamente afectados pela produção a partir do fundo do mar.

O Grupo Asiático apoiou o regime transitório e a criação da Comissão Preparatória, sendo a Índia, a URSS e o Japão qualificados como investidores pioneiros. Posteriormente, em 1991, a China também foi registada como investidor pioneiro. Trinta e seis Estados asiáticos votaram a favor da Convenção. Ver JAGOTA, S. P. - Asia and the Developments in the Law of the Sea: 1983-1992. In MacDonald, Ronald St. John (Ed.) - Essays in Honour of Wang

Tieya. Dordrecht/Boston/London: Martinus Nijhoff Publishers, 1994. ISBN 0-7923-2469-2, p. 367-390.

82 Evensen foi também Ministro do Comércio da Noruega e Juiz do Tribunal Internacional de Justiça.

83 Deste grupo dos onze faziam parte os cinco países nórdicos - Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia

Reagan, de 29 de Janeiro de 1982. Essa proposta foi apresentada à Conferência, dois dias após o Grupo dos 77 ter rejeitado o livro verde. A proposta, no entanto, não dava inteira satisfação às exigências dos EUA e, por isso, não obteve a sua aceitação.

Esta referência à multiplicidade de interesses e aos grupos existentes e que se formaram ao longo das negociações, grupos esses extremamente flexíveis, dado o facto de os Estados defenderem, ao mesmo tempo, interesses variados, permite-nos compreender a complexidade das linhas de força que dominaram a III Conferência.

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