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3.2 – O PRINCÍPIO DE QUE TODOS OS DIREITOS PERTENCEM À HUMANIDADE NO SEU CONJUNTO OU O PRINCÍPIO DA NÃO APROPRIAÇÃO E DA

EXCLUSÃO DE SOBERANIA OU DO USO NÃO EXCLUSIVO - ARTIGO 137º

O princípio da não apropriação ou do uso não exclusivo279 e da exclusão de soberania é um dos corolários do princípio do património comum da humanidade, pois deste decorre que o património comum não pode ser objecto de qualquer apropriação. O artigo 137º280 prevê o “Regime jurídico da Área e dos seus recursos”, estabelecendo no número um uma série de direitos negativos, ao prescrever que “Nenhum Estado pode reivindicar ou exercer soberania ou direitos de soberania sobre qualquer parte da Área ou seus recursos; nenhum Estado ou pessoa jurídica, singular ou colectiva, pode apropriar-se de qualquer parte da Área ou dos seus recursos. Não serão reconhecidos tal reivindicação ou exercício de soberania ou direitos de soberania nem tal apropriação”.

O número dois do mesmo artigo já contém direitos positivos ao estabelecer que “Todos os direitos sobre os recursos da Área pertencem à Humanidade em geral, em cujo nome actuará a Autoridade. Esses recursos são inalienáveis. No entanto, os minerais extraídos da Área já podem ser alienados, mas apenas de conformidade com a presente Parte e com as normas, regulamentos e

279 BASLAR, Kemal prefere a expressão “uso não exclusivo” a não apropriação. Segundo o Autor, a não

apropriação dos espaços internacionais além dos limites da jurisdição nacional apareceu muito antes do conceito de património comum da Humanidade (Novembro de 1967). O conceito de não apropriação é uma norma do Direito dos espaços internacionais, que proíbe a aquisição de soberania territorial sobre a Antárctida, o espaço exterior e o alto mar. Segundo um outro Autor, a não apropriação e o património comum da Humanidade são conceitos distintos do

corpus iuris spatialis. A não apropriação dos oceanos já é uma ideia antiga, aliás também já consagrada na Convenção

de Genebra de 1958 sobre o Alto Mar (artigo 2º). Talvez por isso, nenhum Estado reivindicou jurisdição territorial sobre qualquer parte do fundo do mar. Nem mesmo os países industrializados, ao longo das negociações, tentaram apropriar-se do fundo do mar. O que eles queriam era que essas áreas ficassem sujeitas ao princípio da liberdade do alto mar. Os países em vias de desenvolvimento deram muita importância à não apropriação como ingrediente do património comum da Humanidade, porque receavam uma nova colonização dos Estados Ocidentais, à semelhança do que tinha acontecido no passado. O Autor conclui que a não apropriação é um princípio independente do Direito Internacional de natureza peremptória. Os dois princípios - da não apropriação e do património comum da Humanidade - devem caminhar juntos. Presentemente, o princípio do património comum da humanidade não é um conceito territorial, mas um conceito funcional, do qual o princípio da não apropriação não é um elemento - in, op. cit., p. 85-91.

280 Na Declaração de Princípios, este princípio consta dos números 2 e 3 que prescrevem: “2 - A Área não estará,

de qualquer modo, sujeita a apropriação pelos Estados ou pessoas, naturais ou jurídicas, e nenhum Estado poderá reivindicar nem exercer soberania ou direitos soberanos sobre qualquer parte dela”, “3 - Nenhum Estado ou pessoa, natural ou jurídica, reivindicará, exercerá ou adquirirá direitos em relação à Área ou seus recursos que sejam incompatíveis com o regime internacional a ser estabelecido e os princípios da presente Declaração”. O enunciado destes dois parágrafos coincide com parte do texto da Resolução “moratória”, de 15 de Dezembro de 1969, que estabelece: “Durante o estabelecimento do ... regime internacional: a) Estados e pessoas, físicas ou jurídicas, devem abster-se de todas as actividades de aproveitamento dos recursos da área do fundo do mar e oceano e respectivo subsolo, além dos limites da jurisdição nacional; b) Nenhuma reivindicação a qualquer parte da área ou respectivos recursos deve ser reconhecida”. O nº 10 da Declaração de Princípios, a propósito da investigação científica estabelece: “... Nenhuma destas actividades constituirá o fundamento jurídico de reclamações em relação a nenhuma parte da Área ou seus recursos” - BRICEÑO BERRÚ, José Enrique, op. cit., p. 67 e 178-179.

procedimentos da Autoridade”281. Os recursos pertencem à Humanidade como um todo e não apenas ao conjunto dos Estados. Quando usa o termo Humanidade, a Convenção quer referir-se à espécie humana, a todos os homens, mesmo que ainda não tenham conseguido a plena independência. Analisando o número um e dois em conjunto temos de concluir que este preceito reconhece à Humanidade, de modo explícito, todos os direitos sobre os recursos do fundo do mar, mas o mesmo não faz em relação ao próprio fundo, em si mesmo considerado. Não nos diz de modo expresso que a Área pertence à Humanidade, diz apenas que os Estados não podem exercer soberania ou direitos soberanos, mas não refere a quem pertencem esses direitos.

Por último, o número três do mesmo artigo estabelece que “Nenhum Estado ou pessoa jurídica, singular ou colectiva, poderá reivindicar, adquirir ou exercer direitos relativos aos minerais extraídos da Área, a não ser de conformidade com a presente Parte. De outro modo, não serão reconhecidos tal reivindicação, aquisição ou exercício de direitos”. Neste número, bem assim como no número um, refere-se “nenhum Estado” e não apenas Estado Parte, daí que haja quem defenda que se trata aqui de um regime que obriga a todos, não só aos Estados Parte da Convenção mas também aos demais. Esta interpretação, esbarra, no entanto, com a questão dos tratados e terceiros, questão regulada na Secção IV da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em Viena, em 23 de Maio de 1969, e por nós já referida. Entendemos que esta disposição apenas vincula quem é parte da Convenção, a menos que se transforme em costume internacional282 - artigo 38º da Convenção de Viena, ou em norma de jus cogens - artigo 53º da mesma Convenção, o que, como vimos, é contestado por alguns Estados, que sendo poucos em número têm um grande peso ao nível das relações internacionais.

281 Vemos, assim, que a Convenção não só distingue recursos de minerais, enquanto conceitos, como estabelece

um regime jurídico diferente, pois, como referimos no texto, os recursos são inalienáveis, ao passo que os minerais: “só poderão ser alienados de conformidade com a presente Parte e com as normas, regulamentos e procedimentos da Autoridade” - artigo 137º in fine.

282 DÍEZ DE VELASCO, Manuel, in Instituciones de Derecho Internacional Público. Novena ed. Madrid :

Tecnos, 1991. ISBN 84-309-2095, p. 433, afirma que o princípio do património comum da humanidade é um “princípio de natureza consuetudinária, codificado pela Convenção (que) exclui a possibilidade de apropriação unilateral ou em grupo e o exercício de soberania. Poderia significar a existência de um dever de abstenção de aproveitamento da Área, até a entrada em vigor do regime convencional ... (mas) a aceitação geral da Declaração de Princípios, o reconhecimento do princípio do património comum da humanidade em algumas legislações nacionais, como a dos Estados Unidos da América ou URSS, a qualificação de provisória dada aos acordos parciais, primeiro entre a França, Reino Unido, Estados Unidos da América e República Federal da Alemanha, em 1982 e, posteriormente, entre esses quatro Estados e a Bélgica, Itália, Japão e Países Baixos, ambos relativos apenas a actividades de exploração e outras de carácter preparatório, ou as Resoluções adoptadas conjuntamente com a Convenção de 1982, tendentes quer a proteger os investimentos realizados antes de Janeiro de 1983, quer a criar uma Comissão Preparatória competente para gerir os interesses dos primeiros investidores e da Autoridade, leva à seguinte conclusão: o reconhecimento da exclusão de apropriação, enquanto o regime jurídico da convenção não entrar em vigor. É a esta luz que deve valorar-se qualquer actividade de aproveitamento mineiro que possa verificar-se”.

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