• Nenhum resultado encontrado

2.2.4 O PAPEL DO COLLEGIUM E DE ALGUMAS ORGANIZAÇÕES NÃO

GOVERNAMENTAIS84

O collegium, formado pelo Presidente da Conferência, pelos Presidentes dos três Comités

Principais, pelo Presidente do Comité de Redacção e pelo Relator Geral, teve um papel capital no desenvolvimento dos trabalhos da Conferência, a partir da 7ª Sessão. Inicialmente, quando tinham de ser preparados ou revistos textos de negociação, a Conferência encarregava o seu Presidente e os Presidentes dos Comités Principais, agindo isoladamente, de o fazer. No entanto, na 7ª Sessão foi adoptado o documento A/CONF.62/6285 que estabelecia, nomeadamente, que a revisão do Texto Composto de Negociação Informal deveria ser da responsabilidade colectiva do Presidente e dos Presidentes dos Comités Principais, agindo conjuntamente, sob a presidência do Presidente da Conferência. O documento, também, estabelecia que o Presidente do Comité de Redacção e o Relator Geral deviam associar-se a essa tarefa. A partir dessa Sessão, o collegium desenvolveu o seu sentido de unidade e de colegialidade. Não havia qualquer distinção entre o estatuto dos diversos membros do collegium. Todas as decisões eram tomadas por unanimidade quer se tratasse da revisão dos textos, da organização dos trabalhos ou da marcação das sessões. Durante os últimos dois anos da Conferência, 1981 e 1982, o collegium encontrava-se, pelo menos, uma vez por semana, para falar sobre o andamento dos trabalhos da Conferência. O Presidente discutia, sempre, com os seus pares as propostas que tencionava levar ao Comité Geral ou ao Plenário. O Presidente não fazia quaisquer modificações ao texto do projecto de convenção ou dos projectos de resoluções sem primeiro as discutir e obter o assentimento dos outros elementos. O collegium tornou-se o órgão director da Conferência. A importância deste órgão ficou a dever-se não só ao

Finland and the Law of the Sea. In TREVES, Tullio (Ed.) - The Law of the Sea. The European Union and its Members

States. The Hague, Boston, London: Martinus Nijhoff Publishers, 1997. ISBN 90-411-0326-0, p. 143.

84 KOH, Tommy T. B. and JAYAKUMAR, Shanmugam - Negotiating Process of the Third United Nations

facto de o Comité Geral ser um órgão “pesado”, mas também à autoridade, conhecimentos e savoir

faire do Presidente da III Conferência, M. T. T. B. Koh, de Singapura, eleito após a morte do

Embaixador Amerasinghe ocorrida em 10 de Dezembro de 1980.

Papel igualmente importante foi o desenvolvido pelas organizações não governamentais (ONG). O Presidente da Conferência, em Montego Bay, a este propósito disse que as “ONG prestaram à Conferência três serviços de grande importância:

−trouxeram peritos independentes que permitiram aos delegados uma fonte independente de informação em questões técnicas;

−auxiliaram os representantes dos países em vias de desenvolvimento contribuindo, assim, para a diminuição da diferença técnica que os separava dos países desenvolvidos;

−por último, proporcionaram a oportunidade de discutir, fora da Conferência, numa atmosfera relaxada e informal, algumas das questões difíceis em confronto”86.

3 - A CONVENÇÃO

A Convenção sobre o Direito do Mar representa o fim de uma longa viagem iniciada em Nova Iorque, pelo Comité de Fundos Marinhos, em 1967/68, e terminada em Montego Bay, na Jamaica, em 10 de Dezembro de 1982, por sinal o Dia Internacional dos Direitos do Homem, dia em que foi aberta à assinatura e ratificação87. É o primeiro tratado abrangente que cobre quase todas as questões relativas às actividades humanas no espaço oceânico e completa um grande labor diplomático que começou em 1924, no seio da Sociedade Das Nações, continuou no âmbito das Nações Unidas, tendo sido objecto de quatro Conferências Internacionais e de uma série de negociações secundárias, passou uma guerra mundial em que os oceanos desempenharam um papel decisivo o que, mais uma vez, fez sentir o quão importante é este espaço para a paz e segurança mundiais, tendo, por isso, influenciado o desenvolvimento deste ramo de Direito.

O Secretário Geral das Nações Unidas, na Sessão solene de abertura da Assembleia da Autoridade, em Kingston, na Jamaica, em 16 de Novembro de 1994, disse: “O sonho de um direito abrangente para os oceanos é antigo. Transformar este sonho em realidade foi um dos maiores

85Doc. A/CONF.62/62, in NACIONES UNIDAS - Tercera Conferencia de las Naciones Unidas sobre el

Derecho del Mar ..., vol. X, cit., p. 5-9.

86 Declaração do Presidente, 6 de Dezembro de 1982, in NATIONS UNIES - Troisième Conférence des Nations

Unies sur le Droit de la Mer ..., vol. XVII, cit., p. 14-15.

87 YANKOV, Alexander - A historic opportunity for the United Nations Law of the Sea Convention. In

NORDQUIST, Myron H. e MOORE, John Norton (Eds.) - Entry into Force of Law of the Sea Convention. The Hague / Boston / London: Martinus Nijhoff Publishers, 1995. ISBN 90-411-0099-7, p. 15.

acontecimentos deste século. É uma das contribuições decisivas do nosso tempo. Será um dos nossos legados mais duráveis”88.

A Convenção estabelece a certeza no Direito Internacional do Mar, vindo substituir o caos e a incerteza, frutos da proliferação de reivindicações nacionais sobre os espaços marinhos. Estabelece um sistema de equilíbrio de interesses, resultante de uma série de compromissos recíprocos. Assim, a liberdade de navegação, incluindo o direito de passagem inofensiva para os barcos comerciais e militares no mar territorial e nas águas arquipelágicas, o direito de passagem em trânsito através dos estreitos usados pela navegação internacional e as tradicionais liberdades do alto mar foram negociados em estreita ligação com questões importantes, tais como a adopção da regra das doze milhas para a largura do mar territorial, a consagração da zona económica exclusiva de duzentas milhas, com uma larga gama de direitos soberanos dos Estados costeiros para fins de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos seus recursos naturais e o estabelecimento e o uso de ilhas artificiais, de instalações e de estruturas, a investigação científica e a protecção e preservação do meio ambiente marinho, bem assim como a extensão da plataforma continental até ao bordo exterior da margem continental ou até uma distância de duzentas milhas marítimas ou até ao máximo de 350 milhas náuticas, quando a margem exterior da plataforma continental se estender além das duzentas milhas. Também criou o regime jurídico para um novo uso do mar - a exploração e aproveitamento comercial do seu fundo, além dos limites da jurisdição nacional, uso este que, na altura, se pensava ser uma fonte inesgotável de rendimento e, por isso, uma possível fonte de conflitos. Pelos equilíbrios criados, a Convenção é uma parte indispensável do sistema global para a paz e segurança, de que a Carta das Nações Unidas é a fundadora89.

A Convenção contém dezassete partes com trezentos e vinte artigos, nove anexos com cento e vinte e cinco artigos e quatro resoluções.

Da primeira à décima partes, a Convenção trata das zonas marítimas sob jurisdição nacional, como, por exemplo, o mar territorial, a zona contígua, a zona económica exclusiva e a

88 Statement by the Legal Counsel on Behalf of the Secretary-General, in UNITED NATIONS - Documents.

INTERNATIONAL ORGANIZATIONS and the LAW of the SEA - Documentary Yearbook 1994. London / Dordrecht / Boston: Graham y Trotman / Martinus Nijhoff. 1994, p. 304.

89

NANDAN, Satya N. - A Report on the Consultations of the Secretary-General. In NORDQUIST, Myron H. e MOORE, John Norton (Eds.) - Entry into Force of the Law of the Sea Convention. The Hague / Boston / London: Martinus Nijhoff Publishers, 1995. ISBN 90-411-0099-7, p. 122.

Jesus, representante de Cabo Verde, numa declaração perante a 41ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, feita no dia 5 de Novembro de 1986, afirmou: “a procura de um compromisso (...) fez da Convenção de 1982 uma espécie de documento sacrossanto, uma carta dos mares, sem a qual não podemos viver, se queremos viver em paz uns com os outros”. (...) “A força internacional da Convenção resulta precisamente do facto de ser um compromisso e, atendendo às circunstâncias históricas, o melhor compromisso!” - Doc. A/41/PV. 58, 12 November 1986 - Provisional Verbatim Record of the Fifty-Eighth Meeting of the Forty-First Session of the General

plataforma continental. As normas relativas aos direitos e deveres dos Estados no alto mar, constantes da Parte VII, estão, também, incluídas nesta parte. Da Parte XI à Parte XVI, trata dos temas mais recentes, tais como o regime do fundo do mar, protecção e preservação do meio marinho, investigação científica marinha, desenvolvimento e transferência de tecnologia marinha e solução de controvérsias.

A Parte XI, sobre o fundo do mar, é a parte maior da Convenção. Contém cinquenta e nove artigos, desde o artigo 133º ao 191º. Nos artigos 136º a 149º estabelece os princípios gerais relativos à Área do fundo do mar e seus recursos, nos artigos 150º a 155º regula o aproveitamento dos recursos da Área, dos artigos 156º a 183º regula a Autoridade Internacional90 e, por fim, nos artigos 186º a 191º regula a solução de controvérsias e pareceres consultivos.

Dos nove anexos da Convenção, dois dizem directamente respeito a questões do fundo do mar. O Anexo III, com vinte e dois artigos, estabelece as condições básicas para a prospecção, exploração e aproveitamento dos recursos. O Anexo IV contém o Estatuto da Empresa, o braço operativo da Autoridade. Toda a Secção 4 do Anexo VI trata da Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos, que é uma Câmara do Tribunal Internacional do Direito do Mar que tem jurisdição exclusiva sobre as disputas que possam surgir relacionadas com as actividades na Área.

Além dos nove anexos referidos, há, ainda, mais anexos apensos à Acta Final. O primeiro desses Anexos contém quatro resoluções que foram adoptadas na Sessão final da Conferência. A Resolução I relativa à “Criação da Comissão Preparatória da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos e do Tribunal Internacional do Direito do Mar” e a Resolução II “Sobre Investimentos Preparatórios nas Actividades Pioneiras Relacionadas com os Nódulos Polimetálicos” dizem, também, respeito às questões que iremos tratar.

A Parte XI, Anexos III e IV e Resolução I e II constituem o direito regulador das actividades mineiras do fundo do mar, tal como negociado e acordado por uma larga maioria de Estados.

A Convenção foi aprovada em 30 de Abril de 1982 e aberta a assinatura em 10 de Dezembro seguinte, em Montego Bay, Jamaica, tendo, nesse mesmo dia, sido assinada por cento e dezanove delegações, com o que foi criado um novo recorde na história do Direito, pois nunca, nos anais do Direito Internacional, uma convenção, no primeiro dia, tinha obtido tantas assinaturas.

Documentary Yearbook 1986. London / Dordrecht / Boston: Graham y Trotman / Martinus Nijhoff. ISSN 0920-7767. 2, 1986: (1986), p. 66.

90 É errado pensar-se que a Autoridade vai “governar” toda a Área, pois há usos como a colocação de pipelines e

cabos e a investigação científica não relacionada com o aproveitamento dos recursos do fundo do mar que podem ser levados a cabo sem a permissão da Autoridade - artigos 112º, 143º, 156º e 257º - CHURCHILL, R. R. and LOWE, A. V. - The Law of the Sea. Revised edition 1988 and reprinted 1992. Manchester : Manchester University Press, 1992. ISBN 0-7190-2634-2, p. 182-183.

Após a votação final da Convenção, o Presidente norte-americano, Ronald Reagan, no Conselho de Segurança Nacional, em 29 de Junho e 9 de Julho de 1982, anunciou “... os Estados Unidos da América não assinarão a Convenção tal como adoptada pela Conferência e a nossa participação no restante processo será a um nível técnico e envolverá, apenas, as disposições que servem os interesses americanos”.

Os Estados Unidos assistiram à Sessão final da III Conferência, em Montego Bay e assinaram a Acta Final, o que lhes permitia gozar do estatuto de observador, sem direito de voto, na Comissão Preparatória, mas a Administração Reagan recusou participar, pois acreditava que a Parte XI, relativa ao fundo do mar, não podia ser emendada e tal como estava não a aceitava. Apesar disso, o Presidente Reagan reconhecia que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar “contém muitos pontos positivos relativos à navegação e sobrevoo, e outras disposições da Convenção estão de acordo com os interesses dos Estados Unidos e, no nosso ponto de vista, servem os interesses de todas as nações”. Era uma manobra para beneficiar das disposições que lhes eram favoráveis e rejeitar o que não lhes interessava. A este propósito, o Presidente da Conferência, M. T. T. B. Koh, na Sessão final de assinatura, afirmou: “Penso que esta Conferência resultou, porque reuniu uma ‘massa crítica’ de colegas que eram eminentes juristas e negociadores. Nós conseguimos, porque não consideramos as nossas contra-partes nas negociações como inimigos a vencer. Para nós, os problemas que constituíam o objecto das negociações eram um obstáculo comum a ser vencido. Nós trabalhamos não só com o objectivo de promover os nossos interesses nacionais individuais, mas também para prosseguir o nosso sonho comum - a elaboração de uma constituição para os mares e oceanos.

A Convenção é o resultado de uma série de compromissos e de numerosas concessões, (...), por isso, não prevê reservas. Os Estados não podem escolher o que lhes agrada e deixar de lado o que não gostam. No Direito Internacional como no Direito Interno, os direitos e deveres são duas noções inseparáveis. É, por isso, juridicamente impossível reivindicar direitos sem assumir os deveres correspondentes”91.

Feito o enquadramento geral do tema da nossa dissertação e uma análise global da III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, vamos, de seguida, entrar no tema propriamente dito, isto é, vamos agora tratar da questão da natureza jurídica do fundo do mar e do respectivo regime jurídico.

91 Declaração do Presidente da Conferência na abertura de última parte da décima primeira Sessão, 6 de Dezembro

de 1982, in NATIONS UNIES - Troisième Conférence des Nations Unies sur le Droit de la Mer ..., vol. XVII, cit., p. 15.

Outline

Documentos relacionados