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A NEGOCIAÇÃO DESDE O COMITÉ DE FUNDOS ATÉ MONTEGO BAY

1 - INTRODUÇÃO

A conclusão da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar permitiu a definição do regime jurídico que regula a exploração e o aproveitamento dos recursos minerais do fundo do mar situado além dos limites da jurisdição nacional1. Tal não significa, no entanto, que os problemas sobre esta matéria tenham acabado, pois alguns Estados, descontentes com o regime do fundo do mar, não só não assinaram a Convenção como aprovaram legislação nacional sobre o assunto.

Como acabamos de ver, a questão da natureza jurídica do fundo do mar girou à volta de dois princípios diferentes, o princípio do património comum da humanidade e o princípio da liberdade do alto mar, sendo o primeiro suportado pelo Grupo dos 77 e o segundo pelos países industrializados. Esta divergência de pontos de vista repercutiu-se, também, no regime jurídico regulador das actividades mineiras do fundo do mar, tendo prevalecido, na Convenção, uma solução mais coincidente com a posição dos países em vias de desenvolvimento. Diferentemente, as legislações nacionais são o reflexo da aplicação do princípio da liberdade do alto mar ao respectivo fundo.

As negociações tendentes à aprovação do regime jurídico do fundo do mar que, segundo o americano Elliot Richardson, constituem “a mais ambiciosa tentativa jamais feita para criar um novo corpo de Direito para as coisas comuns globais”2, evoluíram em três períodos.Num primeiro período, que vai desde os trabalhos preliminares realizados no seio do Comité de Fundos até 1976,

1 Este espaço, vulgarmente conhecido por Área ou Zona, compreende cerca de 60% do fundo do mar -

CHURCHILL, R. R. and LOWE, A. V. - The Law of the Sea. Revised edition 1988 and reprinted 1992. Manchester : Manchester University Press, 1992. ISBN 0-7190-2634-2, p. 182.

2 SCHMIDT, Markus G. - Common Heritage or Common Burden?: The United States Position on the

Development of a Regime for Deep Sea-Bed Mining in the Law of the Sea Convention. Oxford : Clarendon Press,

1989, p. 2. O mesmo Autor, na obra e local citados, refere que Henry Kissinger, em 1976, disse que o estabelecimento de um regime internacional para o fundo dos mares irá “tornar a interdependência mundial de um slogan numa realidade”.

houve uma clara confrontação entre as diversas posições. Os projectos apresentados pelos países industrializados apoiavam-se na ideia de que todas as actividades mineiras deviam desenvolver-se de acordo com o princípio da liberdade do alto mar, tendo por base um sistema de licenças a ser concedidas por uma Autoridade com meros poderes administrativos, entre os quais se incluía o poder de conceder as referidas licenças. Relativamente a tal poder, a Autoridade não gozava de qualquer discricionariedade, isto é, se o pedido obedecesse às condições exigidas, a Autoridade tinha que conceder a licença. Esta posição foi resumida por Orrego Vicuña na expressão rubber

stamp Authority (Autoridade carimbo), sinónimo de um organismo com poderes nominais que

devia limitar-se a satisfazer os pedidos que lhe eram feitos3. Os projectos dos países socialistas reservavam aos Estados o patrocínio das operações mineiras e, por isso, os poderes da Autoridade deveriam ser, também, limitados. Por último, os países em vias de desenvolvimento defendiam o exclusivo da Autoridade no que toca à exploração e aproveitamento dos recursos do fundo do mar, ou, então, o seu controlo absoluto, podendo recorrer a outros operadores. Assim sendo, reconheciam à Autoridade amplos poderes discricionários. A Autoridade, enquanto guardiã do património comum da Humanidade, deveria ser uma organização autónoma de caracter universal, com personalidade jurídica internacional4.

Como é natural em todos os processos de negociação internacional, seguiu-se, entre 1977 e 1980, um segundo período em que foi sendo feita uma progressiva aproximação dos pontos de vista, na busca de uma transacção final aceitável reciprocamente. No último ano, foi possível um consenso para o regime - o chamado sistema paralelo - mas o acordo durou pouco, pois houve eleições nos Estados Unidos da América5 e a nova Administração, chefiada por Ronald Reagan, resolveu mudar de posição, o que provocou a ruptura do consenso. Este é o terceiro período.

3 ORREGO VICUÑA, Francisco - Le Regime de l'Exploration et de l'Exploitation. In DUPUY, René-Jean e

VIGNES, Daniel - Traité du Nouveau Droit de la Mer. Paris, Bruxelles: Economica, Bruylant, 1985. ISBN 2-7178- 0935-X, 2-8027-0341-2, p. 553-554.

4 NATIONS UNIES - Le droit de la mer - La notion de patrimoine commun de l'humanité: Historique de

l'élaboration des articles 133 à 150 et 311 (6) de la Convention des Nations Unies sur le droit de la mer. New

York : Division des affaires maritimes et du droit de la mer. Bureau des affaires juridiques, 1997. ISBN 92-1-233294- 3, p. 169.

5 Como refere SCHMIDT a política americana sobre o fundo do mar era o produto de um permanente confronto

entre os departamentos governamentais, o Congresso e os lobbies das indústrias mineiras, por um lado, e entre interesses internos e externos, por outro, por isso não era um processo racional.

Para bem compreendermos a postura dos Estados Unidos da América ao longo da Conferência convém termos presente que estiveram envolvidas quatro Administrações - Nixon, Ford, Carter e Reagan (já depois da aprovação da Convenção, estiveram também envolvidas as Administrações Bush e Clinton). As três primeiras negociaram no âmbito do package deal, mas com a Administração Reagan tudo mudou, como se pode constatar da seguinte intervenção, de 9 de Julho de 1982: “... reconhecemos que (a Convenção) contém muitos aspectos positivos e compromissos importantes.

Porém ... a parte relativa às actividades mineiras do fundo dos mares ... não vai de encontro com os objectivos dos Estados Unidos. Por essa razão ... os Estados Unidos da América não assinarão a Convenção tal como foi adoptada pela Conferência”.

De seguida vamos, precisamente, estudar os três períodos referidos.

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