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6 DEFENSORES DO PATRIMÓNIO COMUM DA HUMANIDADE

Os países que defenderam o princípio do património comum da humanidade eram, sobretudo, países em vias de desenvolvimento, isto é, o chamado Grupo dos 77. No entanto, alguns países desenvolvidos, como a Suíça, a Áustria e os países nórdicos, também, o apoiaram.

O conceito de património comum da humanidade apareceu aos olhos do Grupo dos 77 como um meio para a realização da Nova Ordem Económica Internacional (NOEI). Alguns dos países que faziam parte deste grupo tinham acedido, há pouco tempo, à independência, tendo sido colónias de países tecnologicamente avançados, países que, aos seus olhos, eram a causa do seu subdesenvolvimento. Estes novos países viam no conceito de património comum da humanidade a oportunidade de inverter a sua situação, no sentido de uma ordem económica mais justa e equilibrada (Perú). Esperavam que os benefícios resultantes do aproveitamento do fundo do mar pudessem contribuir para diminuir as desigualdades entre eles e os países desenvolvidos (Índia). Viam nos recursos do fundo do mar, o meio de “corrigir o desequilíbrio histórico” de que eram vítimas (Jamaica). Para o Grupo dos 77, a principal consequência do conceito de património comum da humanidade era que, nas actividades do fundo do mar, o benefício de todos deveria

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Como exemplo pode referir-se a União Soviética - Doc. A/AC.138/SC.1/SR.12-29, p. 26-27, Doc. A/C.1/PV.1592, para. 25 e Doc. A/AC.138/SR.30, p. 15; a Roménia - Doc. A/AC.138/SR.53, p. 100; a Ucrânia Doc. A/C.1/PV.1779, para. 130 - citados por MAHMOUDI, Said, op. cit., p. 126.

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Doc. A/C.1/PV.1798, para. 59, in NATIONS UNIES - Le droit de la mer - La notion de patrimoine

prevalecer sobre os interesses de alguns países grandes. O princípio do património comum da humanidade era um todo ilimitado do qual se podia extrair muitos outros princípios e normas.

O Grupo dos 77 considerava o conceito de património comum da humanidade como um conceito revolucionário, “parte de uma filosofia que desejava inaugurar uma nova ordem internacional em que igualdade e justiça não seriam palavras vãs” (Algéria e Chile). Admitiam que as implicações jurídicas do conceito eram imprecisas e, por isso, tinham que ser desenvolvidas (Índia e Líbia), mas eles próprios contribuiriam para esse desenvolvimento (Brasil). Para eles, o conceito de património comum da humanidade implicava a noção de propriedade, uma propriedade da Humanidade, no sentido de que ninguém pode adquirir uma parte sem o consentimento de todos. A propriedade comum exigia uma soberania comum sobre o fundo do mar (Chile) e, consequentemente, uma participação equitativa de todos os Estados na administração da herança comum. A Humanidade não pode ser representada apenas por alguns países desenvolvidos que dispõem da tecnologia e do conhecimento necessários (Colômbia, Chile e Trindade e Tobago). A propriedade comum e a administração comum levaria a uma partilha equitativa dos benefícios. No que toca à partilha dos benefícios, o Grupo de 77 reclamava um direito preferencial tendo em vista as suas necessidades (Nigéria, Guatemala, El Salvador e Tanzânia). A Humanidade seria representada por uma organização internacional a ser criada para gerir a sua propriedade em seu nome. O representante da Jugoslávia apontou os três elementos do conceito de património comum: propriedade comum, gestão comum e distribuição equitativa dos benefícios de modo a assegurar uma igualdade de facto entre os Estados, em vez da existente igualdade jurídica109.

O Grupo dos 77 criticou a posição dos países socialistas e dos países desenvolvidos. Relativamente aos países socialistas110, alguns países do grupo manifestaram-se surpreendidos, não compreendendo como países que promoveram revoluções para trazer justiça para os mais pobres, no seu país, a nível internacional, e no que toca ao património comum da humanidade, adoptavam

109 Todas as citações constam de NATIONS UNIES, idem, várias páginas. 110

Numa fase inicial e numa tentativa de cativar os países socialistas, Pardo, no Comité de Fundos, ao explicar o património comum da humanidade disse que era um “conceito socialista”, pois significava o direito a uma partilha igual. Um delegado de um país socialista, porém, disse que “obter proveitos sem trabalhar para eles é contra o socialismo. É uma espécie de teoria de senhor da terra ausente (absentee-landlord theory)”. Quando a URSS e outros países socialistas recusaram aderir à ideia do património comum da humanidade, Pardo afirmou: “o mundo socialista não pode contar realisticamente ser capaz de participar significativa e seguramente no aproveitamento dos imensos recursos não vivos do fundo dos oceanos a não ser sob a égide internacional ... ao evitar o estabelecimento de um regime viável e efectivo ... o mundo socialista perderia o que é possivelmente uma oportunidade única de assegurar um acesso igual a recursos que certamente se tornarão cada vez mais valiosos na competição pacífica entre os diferentes sistemas sociais”. Entretanto, a União Soviética foi mudando, gradualmente, a sua posição em relação ao património comum da humanidade. Se analisarmos o conceito de património comum da humanidade detectamos uma influência nítida dos ideais socialistas. Assim, a cláusula da não apropriação é tipicamente de inspiração socialista, de acordo com a qual a propriedade comum é fundamental. Também a ideia de uma gestão internacional forte do fundo do mar é uma manifestação da gestão centralizada do socialismo. O mesmo se pode dizer da partilha equitativa dos benefícios - BASLAR, Kemal, op. cit., p. 32-34.

uma política semelhante à dos países capitalistas que eles condenavam. Relativamente a tratar-se de um neologismo sem conteúdo jurídico, o Grupo dos 77 salientou que os conceitos novos exigem um tratamento novo e nada impede os Estados de dar uma definição jurídica a este conceito.

Resumidamente, podemos dizer que os países industrializados aderiram a uma interpretação restritiva do conceito de património comum, baseada na não apropriação do fundo do mar, isto é, o património comum era um novo nome para o velho conceito de res communis. Pelo contrário, o Grupo dos 77 defendia uma interpretação extensiva do conceito, do qual extraíam outras regras. Os aspectos do conceito de património comum da humanidade aceites, quer pelos países desenvolvidos quer pelos países em vias de desenvolvimento, embora com diferentes interpretações, são: o carácter internacional do fundo do mar, o que exclui toda a reivindicação nacional de soberania; o princípio da sua utilização para fins pacíficos; a observância dos interesses da Humanidade e o estabelecimento de um regime internacional ou de acordos internacionalmente adoptados.

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