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5 RASTREANDO O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO CAMPO DE AÇÃO

5.1 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

O estudo dedica-se a análise da trajetória de surgimento do campo da política pública de assistência social no Estado brasileiro. Isso implica no estabelecimento da ideia de que a política assistencial, embora guarde relações com outras áreas de política pública, após a conclusão desse processo, configurou-se como um setor específico – possuidor de um âmbito

próprio de ação, responsável pela solução de determinados problemas sociais –, o que não ocorria em tempos anteriores.

De acordo com os parâmetros estabelecidos por Fligstein e McAdam (2012), a constituição dessa realidade nos permite conceituar o setor de assistência social como um campo de ação estratégica específico, dentre os demais campos de políticas públicas que estão contidos na esfera estatal. Conforme destacado no capítulo três, são quatro os elementos que indicam a existência de um campo de ação estratégica: (1) a definição de um objeto específico de disputa reconhecido por todos os participantes, (2) o estabelecimento de regras de funcionamento compartilhadas entre os integrantes do campos, (3) a existência de um grupo de pessoas dispostas a se integrar ao campo para disputar o jogo e se submeter às regras estabelecidas, mesmo com a intenção de transformá-las no futuro, (4) a existência de quadros interpretativos referenciados nos três itens anteriores acerca do funcionamento do campo e das possibilidades de manutenção ou transformação do espaço.

Esta pesquisa parte do pressuposto de que o processo de formação do campo de ação estratégica da política de assistência social no Brasil teve início com o fim da ditadura militar e com estabelecimento de um governo democrático, iniciado com a posse de José Sarney como presidente da República, em 21 de abril de 1985.21 A partir dessa ocorrência política, as alternativas de separação da assistência social do setor da previdência e constituição da área como uma política pública específica são fortalecidas e começam a ser colocadas em prática. O processo de conformação é concluído com a sanção da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 7 de dezembro de 1993, pelo presidente Itamar Franco. A LOAS complementou e aprofundou os regramentos lançados na Constituição Federal de 1988, definindo os objetos e as formas de ação da política de assistência social no Brasil. Ademais, o processo de constituição da assistência social como um campo de política pública no Estado brasileiro aglutinou um conjunto de atores interessados em se engajar no setor. Dessa forma, identificamos que, com a aprovação da LOAS, os quatro critérios definidos por Fligstein e McAdam se conformaram no setor de assistência social. A política tem um objeto de atuação específico, regras e normas específicas que regulam a atuação no setor, um conjunto de atores engajados nas questões assistenciais que compartilham paradigmas de políticas distintos a respeito do que deva ser o setor e de que maneira ele deve se comportar. Por conseguinte, esses são os dois marcos temporais utilizados para delimitar o processo analisado.

21 José Sarney assumiu a presidência como vice-presidente de Tancredo Neves, eleito por um colégio eleitoral como o primeiro presidente pós-ditadura militar, que não pode tomar posse por conta de uma enfermidade. Tancredo faleceu no dia 21 de abril de 1985.

É importante salientar a distinção entre a formação e os procedimentos para a estabilização de um campo. A presente investigação se dedica aos processos relacionados ao primeiro fenômeno. Ressaltamos que as transformações da assistência social no Brasil não se encerraram com a aprovação da LOAS. A criação do Ministério do Desenvolvimento Social em 2004, a elaboração das Normas Operacionais Básicas e de Plano Nacional de Assistência Social, em 2005, e a instituição do Sistema Único de Assistência Social, em 2009, foram eventos importantes para a implementação das diretrizes materializadas na Constituição Federal. Contudo, consideramos que os processos-chave para a conformação do campo de políticas públicas de assistência social são as elaborações da Constituição e da LOAS. A partir desses dois marcos legais, podemos afirmar que os limites e a finalidade da atuação do Estado no setor estavam estabelecidos. Além disso, durante esse processo, um conjunto de atores estatais e societais se engajaram visando influenciar o modo como essa política seria formatada. Esses atores passaram a integrar o campo da política de assistência social, enxergando nesse espaço uma arena de disputa com regras específicas e objetivos compartilhados, na qual poderiam interferir no modo como seriam implementadas as diretrizes contidas nas legislações fundadoras do campo. Portanto, o objeto empírico focalizado são os processos de elaboração da Constituição e da LOAS.

Outro esclarecimento necessário diz respeito à relação entre a constituição de um campo de ação estratégica vinculado a um setor de política pública e as políticas públicas que são, de fato, implementadas. Para a realização desta pesquisa, nos ocupamos da primeira temática. O objeto de análise que adotamos trata da conformação de uma nova organização social em torno da política de assistência.

O processo analisado por esta tese pode ser dividido em duas etapas distintas, cada uma com protagonistas diferentes. A primeira fase – da redemocratização à promulgação da Constituição Federal de 1988 – foi liderada por burocratas e intelectuais vinculados ao setor da previdência. A segunda fase – que abarca a primeira iniciativa de LOAS, vetada por Fernando Collor, e a segunda tentativa, sancionada por Itamar Franco – foi capitaneada por profissionais e acadêmicos do Serviço Social.

Quadro 1 – Fases e subfases do processo de formação do campo da política de assistência social

Fases Subfases

Fase 1: Redemocratização e Constituição (1985-1989) Protagonismo: setor previdenciário

Início: posse de Sarney (1985)

Fim: promulgação da Constituição Federal (1989)

Subfase 1.1: Pré-Constituinte Início: posse de Sarney (1985)

Fim: início da Assembleia Nacional Constituinte (1987)

Subfase 1.2: Elaboração da Constituição

Início: início da Assembleia Nacional Constituinte Fim: promulgação da Constituição Federal (1988) Fase 2: Lei Orgânica da Assistência Social

Protagonismo: acadêmicos e profissionais do Serviço Social

Início: promulgação da Constituição Federal (1988) Fim: sanção da LOAS (1993)

Subfase 2.1: Primeira versão da LOAS

Início: Promulgação da Constituição Federal (1988) Fim: veto de Collor ao primeiro texto aprovado (1990) Subfase 2.2: Versão sancionada da LOAS

Início: veto de Collor ao primeiro texto aprovado (1990)

Fim: sanção da LOAS por Itamar (1993)

Fonte: Elaboração própria.

O quadro acima sistematiza a divisão do processo em duas grandes fases e apresenta as subfases de cada uma dessas etapas. Essas divisões foram fundamentais para a estruturação do trabalho de produção e análise dos dados e para a exposição dos resultados da pesquisa, possibilitando uma maior compreensão acerca da complexidade do processo analisado. A seguir, apresentaremos um breve relato de cada uma dessas etapas, com a finalidade de estabelecer um contexto que permita um melhor entendimento das questões norteadoras da pesquisa.