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Neoinstitucionalismo sociológico e os campos organizacionais

2 OS FUNDAMENTOS DO CONCEITO DE CAMPO NAS

2.2 O CONCEITO DE CAMPO NA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

2.2.3 Neoinstitucionalismo sociológico e os campos organizacionais

O neoinstitucionalismo nas Ciências Sociais ganha força a partir da década de 1970, como reação ao estrutural-funcionalismo e às abordagens comportamentalistas, que predominaram durante as duas décadas anteriores. O objetivo era superar concepções utilitaristas da ação, que concebem o autointeresse e o uso da racionalidade instrumental como os norteadores do comportamento social. Esse tipo de abordagem busca resgatar a influência da dimensão cultural, incorporando regras, normas e crenças como elementos de estruturação da ação humana (TAYLOR; HALL, 2003).

O pensamento neoinstitucionalista é composto por diversas correntes que possuem origens, referências e entendimentos distintos do que são instituições e de que maneira elas formatam a vida social. Em função dessa multiplicidade teórica, são muitas as formas de classificação das distintas perspectivas. Taylor e Hall (2003) consideram a existência de três versões de neoinstitucionalismo: histórico, sociológico e da escolha racional. Lowndes (2010)

desdobra a abordagem em sete correntes: normativo, da escolha racional, histórico, empírico, internacional, sociológico, das redes institucionais. Chanlat (1989) identifica três ramificações: a econômica, a política e a sociológica. Para fins da reflexão aqui proposta, nos restringiremos a tratar sobre a corrente sociológica do neoinstitucionalismo, responsável pela formulação de uma das teorias do campo mais influentes na disciplina.

A orientação sociológica do neoinstitucionalismo é tributária às obras de Émile Durkheim e Max Weber. A tradição durkheimiana considera as instituições como fatos sociais, um produto social que adquire exterioridade e exerce coerção sobre os indivíduos, estruturando o seu modo de agir. Por outro lado, a inspiração da tradição weberiana ocorre por meio da importância atribuída às normas, valores e sistemas de crença por meio dos quais os indivíduos interpretam o mundo e orientam suas ações (CÔRTES; LIMA, 2012). Um exemplo recorrente desse fenômeno é a influência da visão de mundo protestante no desencadeamento do processo de formação do modo de produção capitalista explorado por Weber (2004) em A Ética Protestante e o ‘Espírito’ do Capitalismo.

A ramificação sociológica do neoinstitucionalismo também foi influenciada pela Sociologia do Conhecimento de Berger e Luckmann (2004). Os autores destacam a importância dos processos de institucionalização para a constituição social da realidade. O processo de institucionalização ocorre em dois movimentos: o primeiro, de objetivação de normas, regras, crenças, que se traduzem em práticas habituais que ganham aspecto de exterioridade e de fixidez naturalizada; o segundo, de subjetivação, que consiste na internalização dessas normas institucionalizadas através de processos de socialização. Dessa forma, as instituições se impõem ao indivíduo como um objeto exterior coercitivo que, simultaneamente, está introjetado nas percepções subjetivas do indivíduo, mediando o seu contato com o mundo social.

A partir desses aportes teóricos, o neoinstitucionalismo sociológico se dedica a avaliar a relação entre as organizações e o ambiente social em que elas estão imersas. Anteriormente, a análise organizacional estava ancorada no paradigma estrutural-funcionalista, que colocava a estrutura das organizações respondendo exclusivamente aos imperativos da racionalidade. Ou seja, a forma assumida pelas organizações era reflexo da busca pela maximização da performance, que invariavelmente acarretaria na formação de um sistema racional que produziria a otimização dos recursos e a eficiência. O viés funcionalista considerava a racionalidade um valor absoluto e sua busca um caminho inevitável (GREENWOOD et al., 2008).

A hegemonia estrutural-funcionalista começou a ser questionada pela teoria contingencial, que salientava a importância da disputa entre organizações por recursos e clientes

no ambiente externo. Entretanto, o contingencialismo, ao tratar da relação entre organizações e ambiente, limitava-se aos aspectos técnicos do contexto organizacional sem romper com a exclusividade da racionalidade instrumental, ignorando fatores culturais ou sociais. A essência da teoria neoinstitucional está em considerar a influência dos valores e normas sociais contingenciais sobre o formato e disseminação de organizações. Em suma, atenta-se para a ingerência do contexto institucional sobre as organizações (GREENWOOD et al., 2008).

Inicialmente, o estudo organizacional empreendido pelos teóricos neoinstitucionalistas é movido pela necessidade de compreender de que maneira são desencadeados processos de racionalização – não mais entendida como um valor absoluto e sim como uma construção social – e de difusão de arranjo organizacional burocrático. É com essa intenção que John Meyer e Brian Rowan (1977) elaboraram um trabalho acerca da importância das concepções sociais sobre as formas mais apropriadas de organização para a dinâmica organizacional que iniciou o debate sobre organizações e contextos institucionais. Para Meyer e Rowan (1977), a disseminação da forma burocrática de organização não é motivada pela racionalidade inerente do arranjo, e sim pelo fato desse comportamento ser amplamente considerado adequado pelo ambiente social. Ao tratar desse fenômeno, os autores denominam mitos de racionalização a transformação de receitas de condutas racionais em normas socialmente compartilhadas que exercem pressão para sua adoção por parte das organizações.

Na mesma linha, DiMaggio e Powell (1983, 1991) consideram que institucionalização é um processo pelo qual padrões de ação socialmente definidos atingem fixidez e são tidos como dados. A pressão do contexto institucional é tão forte que as organizações invariavelmente devem responder aos seus imperativos contextuais, caso contrário, a sua legitimidade perante o ambiente organizacional é ameaçada. Portanto, a reação aos constrangimentos institucionais é uma necessidade de sobrevivência da organização. A adaptação imprescindível desencadeia processos de isomorfismo, isto é, a homogeneização de práticas e formas organizacionais em função dos imperativos institucionais. Nesse ponto, o conceito de campo adquire centralidade para essa corrente de pensamento.

DiMaggio e Powell (1983, 1991) compartilham a motivação de compreender a racionalização da sociedade moderna e suas implicações para a dinâmica das organizações. Contudo, o principal aspecto sobre os quais os autores se debruçaram foram as causas de homogeneização das formas e práticas organizacionais. A explicação encontrada estava no ambiente institucional no qual se inseriam essas organizações, especialmente no modo de difusão das instituições sociais legítimas e nas maneiras de adaptação das organizações através

de processos de isomorfismo. Os autores lançam mão do conceito de campos organizacionais para caracterizar o contexto de relação entre organizações e instituições.

Por campos organizacionais, nos referimos àquelas organizações que, no agregado, constituem uma área de vida institucional: fornecedores-chave, consumidores de recursos e produtos, agências regulatórias, e outras organizações que produzem serviços ou produtos similares. [...] Campos apenas existem na extensão de que eles são institucionalmente definidos. O processo de definição institucional ou “estruturação” consiste em quatro partes: um aumento na extensão de interação entre organizações do campo; a emergência de estruturas interorganizacionais de dominação e padrões de coalização definidos; um aumento na carga de informações pelas quais as organizações devem competir; e o desenvolvimento de uma percepção mútua entre os participantes de um conjunto de organizações que estão envolvidos em uma empreitada em comum (DIMAGGIO; POWELL, 1983, p. 148, tradução nossa).

A abordagem do isomorfismo desenvolvida por DiMaggio e Powell (1983, 1991) está baseada no seguinte pressuposto: organizações inseridas no mesmo campo estão sujeitas as mesmas pressões institucionais e, portanto, tendem a responder de modo semelhante. É por meio desse fenômeno que se produzem as homogeneidades de formas e práticas organizacionais dentro do campo. DiMaggio e Powell (1983) destacam a existência de três tipos de processos de isomorfismo: o coercitivo, o mimético e o normativo.

O isomorfismo coercitivo resulta da pressão formal e informal exercidas por outras organizações que habitam o mesmo espaço de organizações. É comum que a coerção venha de entidades governamentais voltadas para a regulação de determinados aspectos concernentes ao campo organizacional. Por essa razão, leis e outras modalidades de regulação formais são instituições importantes para a compreensão da homogeneização que ocorre nas organizações de determinado campo.

O isomorfismo mimético esse refere às imitações que ocorrem em função da competição e das incertezas que caracterizam os campos organizacionais. A cópia de arranjos pode ser o caminho para a sobrevivência de organizações que possuam tecnologia inferior ou objetivos pouco definidos. Nesse caso, as organizações menos estabelecidas se espelham nas mais afirmadas no campo.

O isomorfismo normativo advém de normas relacionadas a profissionalização, especialmente das bases cognitivas e de legitimação de determinadas ocupações. Um dos modos mais evidentes de isomorfismo normativo é a exigência de credenciais educacionais específicas para o exercício de uma função dentro da organização. Profissionais com o mesmo tipo de formação tendem a reproduzir os modos de ação considerados legítimos dentro dessa área de saber. Como consequência, no exercício de seu ofício, esses indivíduos normalmente agem de maneira semelhante, o que contribui para a manutenção da homogeneidade de práticas dentre as organizações de um mesmo campo.

Com o estabelecimento da teoria institucional e seus estudos sobre organizações, emergiram alguns questionamentos que impulsionaram a segunda etapa de pesquisa nessa área. Observou-se a excessiva ênfase dos teóricos institucionais na reprodução e na estabilidade ao considerar a influência das instituições nas formas e práticas organizacionais. Conceitos como mitos de racionalização e isomorfismo transmitiam a sensação de uma inexorável tendência à homogeneidade. A noção de que, invariavelmente, as respostas das organizações aos imperativos institucionais seriam uniformes começou a ser questionada por alguns pesquisadores. Ademais, a passividade com a qual atores e organizações são retratadas nas primeiras abordagens também foi alvo de críticas. Visando preencher essas lacunas, surgiu uma nova leva de estudos institucionais de organizações marcada pelo afastamento da temática weberiana que predominou nos primeiros trabalhos. Como consequência, deslocou-se o foco da disseminação da forma burocrática de organização para a institucionalização de padrões de comportamento organizacionais independente da sua relação com processos de racionalização. Os autores filiados a essa perspectiva passam a se preocupar menos com a tendência à homogeneização e mais com as possibilidades de mudança. O fenômeno a ser explicado passou a ser as diferenças entre organizações que são submetidas às mesmas pressões institucionais. Para isso, são incorporados temas como agência de atores e organizações, as assimetrias de poder e os processos de legitimação de instituições (GREENWOOD et al. 2008).

Um passo importante para o redirecionamento da teoria institucional é a complexificação da noção de isomorfismo institucional. Para compreender as múltiplas respostas de organizações inseridas no mesmo campo organizacional, é necessário considerar que o conjunto de instituições que conformam esse ambiente não são harmônicas entre si. Existem instituições conflitantes e ambíguas. O impacto dessas instituições vai depender do modo como as organizações interpretam o seu ambiente e optam por estruturar suas ações (GREENWOOD et al. 2008).

Houve ainda a tentativa de incorporar a agência à teoria institucional por meio da elaboração do conceito de empreendedores institucionais, atores capazes de formatar os discursos, normas e estruturas que guiam a ação das organizações. Dependendo da posição que ocupam no campo e do poder que possuem, esses atores podem inclusive influenciar na formulação de leis e normas formais de regulação. É importante salientar que empreendedores institucionais não atuam de maneira isolada. Normalmente, são estabelecidas alianças e coalizões, o que torna o campo organizacional um espaço de articulação e conflito entre atores. Esse novo entendimento desafia as concepções antecedentes que tratavam o campo como de imersão institucional, mas com pouca ação de indivíduos e organizações A partir da adoção

desse conceito, as organizações – por meio da ação dos empreendedores – passam a ser vistas também como protagonistas de processos mudança (GREENWOOD et al., 2008; WOOTEN; HOFFMAN, 2008).

O novo enfoque em relação ao campo organizacional faz emergir uma discussão a respeito das fontes de mudança institucional dentro desses espaços. De um lado, estão as abordagens exógenas, que atribuem o desencadeamento de processos de mudança a choque externos que acabam por impactar a estrutura do campo. Já as perspectivas endógenas afirmam que as mudanças podem decorrer de fatores internos ao funcionamento do campo, como as contradições institucionais, a participação de empreendedores institucionais ou a atuação de atores periféricos, que, por sua menor importância, possuem maior liberdade para engendrar transformações (GREENWOOD et al., 2008).

A Sociologia organizacional e a noção de campo também influenciaram os estudos de movimentos sociais (WOOTEN; HOFFMAN, 2008). McCarthy e Zald são os principais representantes dessa empreitada teórica. Os autores (1977) propõem uma diferenciação conceitual entre movimentos sociais, organizações de movimentos sociais e indústrias de movimentos sociais. Movimentos sociais são “um conjunto de opiniões e crenças em uma população que representa preferências por mudar alguns elementos da estrutura social” (MCCARTHY; ZALD, 1977, p. 1217, tradução nossa). Os movimentos podem se estruturar no formato de organização. “Uma organização de movimento social é uma organização complexa, ou formal, que identifica seus objetivos com as preferências de movimentos sociais e tentam implementar esses objetivos” (MCCARTHY; ZALD, 1977, p. 1218, tradução nossa). Pode-se estabelecer um paralelo entre os conceitos de campos e indústria de movimentos sociais. Para McCarthy e Zald, as organizações de movimentos sociais com objetivos e programas semelhantes se agregam em indústrias de movimentos sociais, que são uma espécie de campo aglutinador de organizações que militam na mesma temática. São exemplos de indústrias de movimentos sociais os movimentos feminista, negro, operário, ambiental, dentre outros (FLIGSTEIN; MCADAM, 2012).