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6 A REDEMOCRATIZAÇÃO COMO JANELA DE OPORTUNIDADE: A

6.2 AS AÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO GOVERNO SARNEY

6.2.1 A LBA no governo José Sarney

Além de a LBA ser vista pelo governo Sarney como um importante instrumento para a implementação da política de combate à fome, em função de sua grande capilaridade no território nacional, a Fundação também era percebida como uma estrutura administrativa a ser transformada de acordo com os preceitos da Nova República. Elementos como a ampliação da participação dos cidadãos na gestão da instituição, a descentralização das ações e a racionalização do planejamento e gerenciamento de recursos eram princípios recorrentes em documentos oficiais que encaminhassem alguma modificação na LBA. A adequação democrática proposta tinha como principal sustentáculo reformulação do modo de caracterização daqueles que são atendidos pela Fundação:

A FLBA, como parte do SINPAS, se vê impregnada destas orientações que supõem um reordenamento institucional que traz à tona a figura do usuário. Mais do que isso, resgata-se a ideia do “pobre usuário” como um cidadão. Muda-se, portanto, a fala institucional, incorporando a noção dos serviços como direito. (SPOSATI; FALCÃO, 1989, 29).

Essa reestruturação institucional da LBA coincide com um novo momento de organização sindical dos profissionais que atuavam na Fundação. Nessa época, são construídas as Associações dos Servidores da LBA (Asselbas), organizações de representação dos servidores da LBA em cada estado. Essas entidades se uniam na representação nacional desses trabalhadores: a Associação Nacional dos Servidores da LBA (Anasselba). A partir desses novos arranjos, os trabalhadores da Fundação se articularam com a finalidade de imprimir a concepção de uma atuação cidadã da LBA no contexto de redemocratização. Sposati e Falcão

(1989) destacam que, inclusive, alguns dos novos dirigentes da LBA foram selecionados dentre os quadros mais mobilizados para o fortalecimento de uma nova visão de assistência social.

Apesar do avanço na direção do paradigma dos direitos como orientador da política de assistência social, essa noção não transparece nas ações concretas tomadas pela entidade nesse período. Conforme apontado anteriormente, o aparato da LBA foi utilizado majoritariamente como um canal para implementação de políticas de combate à fome, atendimento de nutrizes e gestantes e de crianças que passavam pela primeira infância. Essas ações estavam englobadas na visão mais ampla de priorização do social adotada pelo governo Sarney, contudo não se constituíam como uma política sistêmica, com uma visão elaborada acerca do objeto e do conteúdo da assistência social. A área seguia operando de maneira fragmentada, restringindo- se ao atendimento emergencial de algumas questões elencadas pela administração central como prioritárias. Não é notada a presença de uma articulação mais robusta em relação às temáticas da cidadania e dos direitos que futuramente nortearão a construção do arcabouço institucional que orientará esse setor de política.

A concomitância entre o diagnóstico da necessidade de uma reforma administrativa dentro do setor de assistência social – especialmente de sua principal instituição, a LBA – e a ausência de uma nova perspectiva concernente à formulação e implementação das iniciativas na área da assistência social, colocadas em prática pelo governo Sarney, tem relação com o grupo responsável pela administração da LBA e o tipo de visão de gestão e de entendimento de assistência social por eles portado. O comando da gestão da Fundação foi outorgado à Marcos Vilaça, homem de confiança de José Sarney. Apesar de gozar de grande prestígio junto a Sarney, Vilaça não possuía nenhuma vinculação direta com as áreas de políticas sociais. O início de sua trajetória política ocorreu por meio do apoio ao regime militar, momento em que foi um dos responsáveis pela organização do ramo pernambucano da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido governista que dava suporte à administração autoritária. Desde então, teve atuação em órgãos do governo estadual e federal. Com o fim do bipartidarismo, Vilaça se vinculou ao Partido Democrático Social (PDS), organização que sucedeu a extinta ARENA. Nesse momento, foi nomeado secretário da cultura do Ministério da Educação e Cultura pelo presidente João Figueiredo, cargo que ocupou de 1983 a 1985. Em 1984, Vilaça participou da Frente Liberal, movimento dissidente do PDS que se aliou ao PMDB na formação da chapa de Tancredo Neves e José Sarney para a eleição indireta de 1985. Posteriormente, essa dissidência daria origem ao Partido da Frente Liberal (PFL).

Outra figura importante para a gestão da LBA nesse período foi Irapoan Cavalcanti. Próximo a Marcos Vilaça, Cavalcanti atuou como subsecretário de cultura no período em que

Vilaça comandava essa secretaria. Essa proximidade fez com que Cavalcanti também atuasse no secretariado pessoal de José Sarney no período de transição e de confirmação de Sarney como presidente definitivo, após o falecimento de Tancredo Neves. Quando Vilaça foi nomeado presidente da LBA, Cavalcanti assumiu como chefe de gabinete da instituição, atuando como um assessor imediato da presidência. Em 1988, Vilaça aceitou o convite da presidência da República para se tornar ministro do Tribunal de Contas da União e Cavalcanti foi o escolhido para assumir o posto de presidente da LBA, cargo que ocupou até o fim do mandato de Sarney. A montagem da equipe de comando da LBA nesse período ocorreu visando a implementação das ações que concretizassem o lema “tudo pelo social”. No entanto, nenhum dos responsáveis por assumir a Fundação possuía vinculação com essa temática, conforme revela um dos entrevistados que compunha o núcleo de gestão da LBA nesse momento: “eu não sabia nada de assistência social, nunca havia entrado nessa área, nem o Irapoan também, nem o Vilaça também. Éramos todos neófitos nesse campo.” (ENTREVISTA 4, 2017, p. 2). Em entrevista concedida ao Centro de Pesquisa e Documentação de Histórica Contemporânea do Brasil, Cavalcanti reafirma a ausência de familiaridade com o setor.

O senhor começou falando que iam lançar um grande programa social, que o presidente José Sarney teria dito para o Marcos Vilaça, que teria dito ao senhor…

Tudo pelo Social. Chamava Tudo pelo Social.

Pois é, mas esse grande programa implicava em quê?

Nós não sabíamos ainda. Eram os primeiros dias de um governo tumultuado, de alguém que chega à presidência sem esperar. Eu acho que fiquei como secretário particular um ou dois meses, se tanto. E aí, eu assumi com Marcos isso e logo depois meu cargo foi transformado de chefia de gabinete em vice-presidência, que foi um cargo que existiu durante o tempo que eu estive nele. Quando deixei a vice-presidência para me tornar presidente, o cargo foi extinto. O cargo só existiu nesse período. Então, eu e Marcos nunca tínhamos trabalhado com isso, acho que Marcos também não, e chegamos naquele mundo. José Sarney botou muitos recursos na LBA. Aí, começamos primeiro a tomar medidas administrativas, uma profunda descentralização na LBA. (LYRA, 2002, p. 13).

A ausência de uma concepção definida de assistência social contrastava com uma clara visão a respeito das reformas administrativas que eram consideradas necessárias para melhorar o funcionamento da LBA. Esse entendimento de gestão tem relação com a origem acadêmica de Irapoan Cavalcanti e daqueles que compuseram sua equipe. Cavalcanti foi aluno de graduação em Administração na Fundação Getúlio Vargas, instituição na qual exerceu docência na Escola Brasileira de Administração Pública. A influência dessa área do conhecimento não se limitou apenas à formação do dirigente máximo da LBA. Por iniciativa de Cavalcanti,

diversos professores da Fundação Getúlio Vargas passaram a ocupar cargos estratégicos dentro do órgão.

Nesse período, e aí nós já não sabemos exatamente se já foi com o senhor como presidente ou como vice, uma das coisas que o senhor falou em conversas foi que foram pessoas aqui da Fundação Getúlio Vargas para a LBA.

Ainda como vice eu levei vários professores da Fundação. Foi uma coisa profissional mesmo.

Mas por quê? Não tinham muitos quadros na LBA?

Não, a coisa foi a seguinte. Primeiro, eu sabia que eles eram bons, segundo, confiança absoluta nessas pessoas, amigos meus. Não por serem amigos, que eu faço uma diferença – minha mãe era uma pessoa extraordinária, mas não a botaria para dirigir nada. Mas eram amigos e competentes. Por exemplo, professor Armando Cunha, que foi diretor da EBAP, foi conosco. A professora Ana Maria Monteiro foi conosco. O professor Roberto Bevilaqua foi conosco. Alberlandino Silva foi conosco.

E essas pessoas foram ocupar posições estratégicas?

Estratégicas. Me ajudaram muito mesmo, muito mesmo. Foi uma coisa profissional mesmo, eram amigos e competentes. Tanto são competentes que sempre ocuparam posições independente de mim. Então, vejam o programa de creche, que pega essa faixa. A faixa mais adiante, os programas de ensino profissionalizante, 4 milhões de pessoas em programas de ensino profissionalizante. Cuba tem 4 milhões de habitantes. Quatro milhões de pessoas em ensino profissionalizante! (LYRA, 2002, p. 19).

Os quadros trazidos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) chegavam com a missão de reverter o modus operandi de gestão que permeou a LBA no decorrer de sua história. O ponto principal destacado por esses agentes era a ausência de uma visão de gestão que visasse a eficiência. São recorrentes os relatos da existência de diversos tipos de trabalhadores que atuavam na instituição, com destaque para os assistentes sociais – frequentemente, caracterizados como extremamente engajados e apaixonados por suas atividades – que convivam com o outro polo, composto por servidores sem comprometimento com a política e com o seu ofício. De maneira geral, compreendia-se que o trabalhador da assistência social possuía um forte sentido de missão, mas esse fato contrastava com a ineficiência na gestão, resultando no desperdício de recursos decorrente da ausência de planejamento. Outro obstáculo identificado pelo núcleo estratégico oriundo da FGV era a utilização dos recursos da instituição para a satisfação de interesses individuais e político-partidários de lideranças regionais. Nesse sentido, a estratégia adotada era a de atender, na medida do possível, as reivindicações dessas lideranças que fossem compatíveis com as necessidades das localidades, sem, no entanto, submeter a LBA aos desejos dessas lideranças.

Uma das principais soluções aventadas para a transposição das dificuldades administrativas da LBA era a descentralização da gestão e oferta dos serviços e benefícios

disponibilizados pela entidade. Havia a compreensão de que a estrutura da Fundação era excessivamente grande, o que dificultava as possibilidades de gestão daqueles recursos. A centralização existente era vista como uma consequência da forma de administração adotada pelo regime militar, que concentrava a gestão dos serviços públicos no âmbito federal. Apesar de esse entendimento ser bem visto por aqueles que ocupavam os cargos estratégicos, os servidores da LBA viam nessa possibilidade o desmonte da estrutura burocrática na qual operavam, o que poderia resultar no ferimento de seus interesses corporativos e em uma eventual redução da capacidade estatal em prover os serviços sociais ofertados pela Fundação. Dessa forma, a proposta de descentralização da LBA não foi encampada pelas forças políticas necessárias à sua concretização.

Tendo em vista o diagnóstico da necessidade de superar os padrões tradicionais de gestão na LBA, houve uma tentativa de contornar um de seus pilares, o primeiro-damismo. A esposa do presidente Sarney não integrava a equipe estratégica. Optou-se por conceder à Marly Sarney o cargo de presidente do Conselho de Administração da Fundação, posição com efeitos mais simbólicos do que práticos. Apesar dessa tentativa de combater o primeiro-damismo, é possível notar uma ambiguidade nesse sentido. Rejeitou-se a prática de conceder à primeira- dama o cargo máximo da instituição, mas não foi eliminada a participação dessa figura na composição do organograma da LBA, demonstrando que o compromisso de ruptura com a trajetória da filantropia ainda estava distante.

Em suma, havia um diagnóstico claro a respeito de como deveria ser estruturada a gestão da nova LBA, sem, no entanto, existir uma definição específica de quais seriam o conteúdo e o público-alvo da assistência social. A ampla gama de iniciativas que se desenvolveram sob o guarda-chuva institucional da LBA demonstrou que não havia o estabelecimento de uma posição a ser ocupada pela assistência social no âmbito da proteção social brasileira. Prosseguiu a adoção da ideia de que a assistência social teria como objetivo a ajuda ao próximo, complementando as falhas que as demais políticas sociais possuíam junto às parcelas mais pobres da população. Consequentemente, a LBA possuía as ações que englobavam o atendimento à questão nutricional, o oferecimento de creches e projetos de formação profissional.

Sendo assim, podemos concluir que a gestação de uma nova visão a respeito das políticas de proteção social e do papel da assistência social nessa esfera não ocorreu de maneira direta nas entranhas da LBA. Constatou-se ainda a presença de ideais oriundos do paradigma da filantropia, como a ajuda aos necessitados, a priorização do público “merecedor”, de mulheres grávidas e crianças. Não foi identificado nesse âmbito o fortalecimento da noção da

assistência social como um direito do cidadão e como uma política pública que vá além da complementação das lacunas deixadas por outros setores. Apesar dessa constatação, é válido ressaltar que a penetração de uma nova visão de gestão nos postos de comando da entidade, que contrariava o histórico da LBA, indica que o ambiente de redemocratização apresentava um contexto propício para transformações em trajetórias institucionais duradouras.

6.3 COMISSÃO DE REESTRUTURAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: ESPAÇO