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PARTE 1 – DEMOCRACIA E COMUNICAÇÃO

4.7 Democracia e os canais de comunicação

É preciso que estejamos atentos, todavia, para uma questão que surge de maneira intensa a partir dessa discussão: se depositamos o ônus da legitimidade democrática, ao menos em parte, sobre os ombros do processo comunicativo, ou seja, se consideramos a comunicação pública um fator essencial à garantia do valor equitativo das liberdades políticas, não podemos deixar de aprofundar a discussão acerca dos canais por meio dos quais essa discussão ocorre. Em sociedades complexas, o peso da comunicação recai sobre três modelos comunicativos: (1) o modelo face-a-face, em redes relativamente restritas; (2) as formas de comunicação mediadas tradicionais; e (3) nas redes sociais formadas pelas novas tecnologias da informação, algumas de larga escala, outras bastante pequenas (PARKINSON, 2012: 164-5).

A literatura ligada ao ideal normativo da democracia deliberativa reconheceu há um bom tempo as severas limitações da comunicação face-a-face, embora não se possa desconsiderar essa cultura informal, assim como os fóruns deliberativos institucionalizados, e a sua função nos sistemas deliberativos. Além de seus evidentes limites de escala, a comunicação face-a-face em fóruns deliberativos mais restritos padece de inúmeros problemas relacionados à desigualdade no controle de recursos importantes, assim como sugere questões relacionadas à representação e ao controle dos representantes (GURZA-LAVALLE et al., 2006). Ao mesmo tempo, a literatura vem cada vez mais reconhecendo a importância da comunicação mediada para a dinâmica política das sociedades contemporâneas. Torna-se paulatinamente mais comum que a teoria política leve em conta a importância do advento das tecnologias da informação. Sen (2011: 369) sustenta que “uma das iniciativas mais importantes para a promoção da argumentação pública no mundo é a de apoiar uma imprensa livre e independente”. Devido à sua capacidade de transmitir os conteúdos simbólicos para uma infinidade de indivíduos dispersos no espaço e no tempo, os meios de comunicação de massa, tomados em um sentido amplo, são responsáveis pelo estabelecimento de um espaço de visibilidade pública que pode concorrer para um diálogo generalizado, além de informar e reconstituir os espaços de deliberação mais restritos (MAIA, 2002). Porém, parte dessa mesma literatura continua a apresentar uma perspectiva injustificadamente amena sobre os meios de

comunicação de massas, tratando os veículos de imprensa e os meios eletrônicos como meros canais transmissores de informações, deixando de lado os interesses e filtros que lhes caracterizam e definem a mediação exercida. A compreensão da política que molda os filtros jornalísticos que definem a dinâmica de inclusão-exclusão de atores e temas no noticiário político e, nesse sentido, no debate público mediado, não se caracteriza por uma predileção partidária fixa e determinada. Essa dinâmica se dá por meio de uma “permeabilidade seletiva” dos meios, que define o que deve ser politicamente relevante sem, contudo, tematizar o próprio processo de escolha. Portanto, para compreender a discussão pública e a difusão de informações em larga escala nas sociedades complexas, é necessário prestar a atenção à estrutura e à organização dos meios de comunicação, pois o processo de mediação é influenciado pelas regras, constrangimentos e convenções criados pelo sistema dos media e autoimpostos pelos profissionais da comunicação social (MAIA, 2008).

Ao avaliar as funções da comunicação pública na democracia é fundamental compreender em que medida a comunicação é livre, aberta e equitativa, quais tipos de razões estão sendo expressos e utilizados para justificar as decisões e, é claro, de onde vêm as informações que participam da formação das opiniões e das identidades públicas e privadas. Todas essas questões definem o caráter democrático de um sistema político e as características da agência política na sociedade. Assim, nas democracias de massas “precisamos saber o papel desempenhado pelos media nessas conversações” (CHAMBERS, 2012: 64-6)97. Segundo Parkinson,

The tradicional media introduce systematic distortion into deliberative systems: even putting aside 'pre-revolution' (Fung, 2005) problems with the political economy of news, their audience and narrative requirements, and physical features mean that the personalistic, unusual, and conflictual dominates over the impersonal, the usual, and the harmonious, while much of the story that deliberative democracts want to tell fall into the latter category, not the former (2012: 165).

A gestão de informações promovida nos meios de comunicação contribui para que o debate público seja diluído em certas categorias legitimadas pela posição que a imprensa ocupa no espaço público. Dada a centralidade dos media na organização e difusão das representações sociais e políticas, eles desfrutam de primazia como meio de informação dos cidadãos sobre o sistema político constituído – ao mesmo tempo em que excluem outros atores da esfera pública política (BIROLI, 2013). Os

media possuem algumas características que se transformam em recursos significativos da dinâmica

política, destacando-se, entre eles, o controle do agendamento dos temas mais relevantes politicamente, a moldagem dos atores (individuais ou coletivos) através da construção de imagens sociais, e, sintetizando os dois primeiros, a composição dos cenários políticos (THOMPSON, 1998; IYENGAR, 1994; RUBIM, 1994; MCCOMBS & SHAW, 1972). O tipo de viés envolvido com a

mediação da comunicação tem impacto, portanto, sobre as funções que a própria comunicação exerce num regime democrático. Ao identificar esse viés, a literatura sobre a relação entre os media e a sociedade torna público o risco de que a deturpação ou a parcialidade tenham consequências importantes sobre a imagem que as pessoas têm de si mesmas, a imagem que temos uns dos outros, e o próprio resultado do processo político e das práticas democráticas (STREET, 2001: 15-6)98.